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Serviço público
28/10/2025 11:00
O Brasil chega ao Dia do Servidor Público de 2025 sob uma ameaça que não é nova, mas se renova a cada legislatura: a tentativa de enfraquecer o serviço público e, com ele, a própria estrutura de Estado.
A "reforma administrativa" proposta de Emenda Constitucional 32/2020, pronta para ser pautada no Congresso Nacional, está em vias de ser "ressuscitada" pelo presidente da Câmara e pelo conjunto de propostas apresentadas pelo deputado Pedro Paulo (PSD/RJ), que podem vir a ser apreciadas com celeridade por meio de artifícios regimentais. Essa nova tentativa representa risco concreto de desmonte institucional e de toda a estrutura do Estado brasileiro, desde os municípios, passando pelos estados e DF, até a área federal. Sob o discurso sedutor da "modernização" e "fim de privilégios", o que se propõe é a substituição da meritocracia pela discricionariedade, da estabilidade pela vulnerabilidade e da capacidade técnica pela conveniência política.
O servidor público é o garantidor da continuidade administrativa e da estabilidade institucional, independentemente das mudanças de governo. É quem assegura que as políticas de Estado (e não apenas de governo) se mantenham vivas. Sua atuação vai muito além da execução de tarefas. É o servidor de carreira quem preserva a memória institucional, o conhecimento técnico acumulado, a impessoalidade na aplicação da lei e a segurança das instituições, garantindo serviços de qualidade à população.
No Poder Judiciário e no MPU, esse papel é ainda mais sensível: sem servidores estáveis e valorizados, o Sistema de Justiça não funciona. São eles que asseguram a cidadania e o acesso da população à efetividade dos direitos, mantendo em pé o equilíbrio entre Estado e sociedade.
Ainda assim, a retórica que busca desmoralizar o funcionalismo público persiste. Afirma-se, repetidamente, que o Brasil tem um "Estado inchado", que gasta muito e entrega menos. O argumento é falacioso. Dados comparativos internacionais desmentem essa ideia: o país tem percentual de servidores públicos inferior ao de nações desenvolvidas como Estados Unidos, França e Alemanha, e até mesmo de países latino-americanos. E, particularmente no nível dos municípios, onde está a maioria dos servidores, os salários são muito baixos. O problema, portanto, não está no tamanho do Estado, mas na sua desvalorização e no sucateamento da máquina pública.
Enquanto o Brasil mantém um quadro funcional mais enxuto, a qualidade dos serviços é afetada pela falta de investimento, pela precarização, pela instabilidade das carreiras e até mesmo pelo desrespeito sistemático à data-base anual assegurada pela Constituição. A consequência é direta: a perda de capacidade técnica, o desperdício do conhecimento institucional e a diminuição da eficiência. O que se convencionou chamar de "ineficiência estatal" é, na verdade, o resultado de uma estratégia deliberada de enfraquecimento do serviço público. Sucateia-se o Estado para a seguir privatizar-se serviços e transferir-se recursos para a gestão privada, inclusive em serviços essenciais.
Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) comprovam que as políticas públicas, quase sempre implementadas por servidores, são decisivas na redução das desigualdades e na redistribuição de renda. É o servidor público quem concretiza o Estado na vida cotidiana do cidadão: nas escolas, nos hospitais, na segurança, nos tribunais e nas políticas sociais. Reduzir ou precarizar esse corpo funcional é minar a própria capacidade do Estado de combater desigualdades.
A PEC 32, juntamente com a proposta de reforma administrativa apresentada em 2 de outubro de 2025 pelo deputado Pedro Paulo, com o aval do presidente da Câmara dos Deputados, abre caminho para uma administração sujeita à influência política, à perda de memória técnica e a desmandos. Em vez de um Estado mais ágil e moderno como querem fazer crer, o que se pode obter é um Estado mais frágil, com servidores mais submissos à influência política, a serviço da politicagem e dependente de interesses de ocasião. A obrigatória implementação de um sistema de remuneração baseado em "bônus" vinculados a desempenho, em lugar de premiar o compromisso com a equidade e efetividade, privilegia a subordinação a "metas" fixadas politicamente e a sistema de avaliação que ampliam a vulnerabilidade do servidor às chefias, notadamente os ocupantes de cargos em comissão "estratégicos", que poderão ganhar até quatro salários adicionais, por ano.
O conjunto da obra, composta por uma Proposta de Emenda à Constituição, um Projeto de Lei Complementar e um Projeto de Lei Ordinária, amplia o risco de aparelhamento político e enfraquece a capacidade de o servidor efetivo, que será reduzido a cerca de 10% da força de trabalho, em face da extinção do regime jurídico único, fazer frente a desmandos. O resultado é o enfraquecimento da meritocracia e a erosão dos princípios que sustentam a impessoalidade e a eficiência.
A desvalorização do servidor público, especialmente do Poder Judiciário, é deliberada e não é apenas uma injustiça funcional. É uma ameaça direta ao cidadão. A Lei 13.460/2017, que dispõe sobre os direitos dos usuários de serviços públicos, garante a prestação adequada, eficiente e cortês. Como assegurar tais direitos se os servidores estáveis são substituídos por servidores celetistas, ou por meio de contratos temporários, submetidos à insegurança e à desmotivação? Não há serviço público de qualidade sem servidores valorizados, estáveis e tecnicamente preparados. A precarização funcional é o primeiro passo para a precarização dos direitos do usuário.
Valorizar o servidor público é fortalecer o Estado e a democracia. A defesa desses profissionais de carreira é um escudo contra a partidarização, o apadrinhamento político e o uso político da máquina pública. São os servidores que asseguram a continuidade das políticas públicas, mesmo diante de crises políticas e econômicas. São exatamente os servidores que sustentam a credibilidade das instituições e a confiança da sociedade na Justiça.
As propostas trazem, ainda, diversas barreiras e obstáculos à ampliação ou recomposição dos quadros de pessoal. O discurso do "Estado inchado" é conveniente apenas para quem deseja um Estado fraco, incapaz de regular, fiscalizar e garantir direitos e justiça social. O que o Brasil realmente enfrenta é um problema de subdimensão e subvalorização do serviço público. A reforma proposta pela PEC 32 e agora prestes a ressuscitar sob a alegação de modernização do Estado não resolve essas deficiências, mas as radicaliza e agrava, inclusive ao inserir na Constituição limites de despesa para todos os níveis da Federação.
Neste Dia do Servidor Público, é preciso romper o silêncio e reafirmar o óbvio: não há país forte com Estado enfraquecido, onde tudo passa a ser objeto de terceirização e privatização. O servidor não é o problema, é a solução. No Poder Judiciário, essa verdade é ainda mais evidente. São os servidores que asseguram que a Justiça aconteça todos os dias, em cada sentença, em cada processo, em cada ato que materializa o direito.
Defender o servidor público é defender o Estado brasileiro, o cidadão e a própria democracia.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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