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Internacional
13/10/2025 12:00
Donald Trump voltou ao centro da política americana prometendo, entre outras bandeiras, defender a liberdade de expressão conforme assegurada pela Primeira Emenda da Constituição americana. Fez disso um pilar de sua campanha, apresentando-se como vítima de uma suposta conspiração das elites midiáticas e das grandes plataformas digitais para silenciar sua voz e a de seus apoiadores. A retórica é poderosa: evoca a imagem de um líder disposto a restaurar a democracia contra a censura. Mas as ações concretas de Trump, já após eleito com esse discurso, mostram justamente o contrário.
Recentemente, Trump pressionou pela suspensão do programa Jimmy Kimmel Live!, após comentários do apresentador sobre a tentativa de setores do movimento MAGA (Make America Great Again) de manipular a percepção pública do assassino de Charlie Kirk. Paralelamente, o presidente norte-americano incentivou a demissão de funcionários que manifestaram aprovação à morte de Kirk, figura central da direita americana. Esses episódios ilustram a seletividade de sua postura: a liberdade de expressão é defendida como princípio apenas quando serve aos seus aliados, mas é negada quando dá voz ao contraditório.
Esse comportamento é um exemplo clássico daquilo que o advogado e historiador Jacob Mchangama chama de "Miltons Curse" (ou "Maldição de Milton"). A expressão remete a John Milton, autor do célebre panfleto Areopagitica (1644), considerado um dos textos fundadores da defesa moderna da liberdade de expressão. Nele, Milton criticava a censura prévia e defendia o direito de circulação de ideias sem o crivo estatal. No entanto, sua posição era marcada por um limite significativo: Milton aceitava que determinadas opiniões fossem punidas, em especial a blasfêmia e aquilo que considerava heresia. Ou seja, a defesa da liberdade não era universal, mas restrita ao campo de ideias que ele julgava legítimas.
É justamente essa seletividade que Mchangama identifica como uma maldição persistente. Em contextos de polarização, grupos políticos tendem a reproduzir o mesmo vício: defender a livre expressão quando se trata de proteger aliados e, ao mesmo tempo, apoiar ou justificar restrições impostas a adversários. Essa incoerência mina o valor universal da liberdade de expressão e abre espaço para que ela seja instrumentalizada como arma de facção. O resultado é que a liberdade deixa de ser princípio democrático e se transforma em mero expediente estratégico, facilmente capturado por projetos autoritários.
O Instituto Sivis tem insistido justamente nesse ponto: a democracia só se sustenta quando há espaço para o contraditório, mesmo quando incômodo, ofensivo ou radicalmente divergente das nossas próprias convicções. Quando se permite que apenas um polo dite o que pode ou não ser dito, a sociedade se descola dos princípios democráticos e caminha rumo à imposição. A coerência é dura, mas é também a única forma de preservar a pluralidade.
Trump, ao invocar a liberdade de expressão apenas como escudo para si e como arma contra os outros, confirma que não está interessado no princípio democrático, mas no cálculo político. A esquerda, por sua vez, não deve cair na armadilha de relativizar esse valor porque a movimentos autoritários tentam sequestrá-lo para si. É precisamente quando adversários se apropriam do discurso que a defesa consistente da liberdade se torna ainda mais necessária.
Trump foi eleito prometendo devolver a palavra ao povo, mas suas atitudes revelam outra verdade: seu projeto é falar sem ser contestado. E essa, no fundo, é a forma mais autoritária de silenciar uma sociedade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].