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Reforma Tributária

Tributação, açúcar e saúde

Imposto seletivo sobre bebidas açucaradas é ineficaz, regressivo e contraditório com a desoneração do próprio açúcar.

André Mendes Moreira

André Mendes Moreira

7/10/2025 9:00

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A história da tributação confunde-se, em larga medida, com a própria história dos mecanismos criados pela humanidade para regular e disciplinar os seus comportamentos coletivos. O primeiro tributo com esse viés de que se tem notícia remonta a Pedro, o Grande, czar da Rússia e artífice de São Petersburgo, capital imperial por dois séculos até a Revolução de 1917. Incomodado com a aparência "pouco ocidental" de seus súditos, Pedro instituiu um imposto sobre o uso de barba e bigode, exigido daqueles que se recusassem a adequar sua imagem ao ideal civilizatório por ele concebido.

De toda forma, em última análise, todo tributo tem vocação arrecadatória. Tal realidade não passou despercebida aos norte-americanos, que, após proibirem o consumo de álcool em 1919 (18ª Emenda à Constituição), revogaram a medida em 1933 (21ª Emenda), compelidos pela necessidade de ampliar as receitas estatais para enfrentar a crise econômica deflagrada pelo crash de 1929. A exclusão do álcool do rol de produtos tributáveis - consequência natural da vedação ao seu comércio - produziu um déficit fiscal de tal magnitude que superou a pretensão inicial de erradicar o vício.

No Brasil, desde o século XIX, a tributação específica sobre tabaco e álcool - posteriormente estendida a produtos como cartas de baralho - consolidou-se como instrumento de intervenção estatal. O Imposto de Consumo, rebatizado de IPI em 1965, evidencia que a função extrafiscal do tributo sempre conviveu com sua finalidade arrecadatória. Em tempos recentes, políticas tributárias incentivaram a produção de automóveis "populares", com motores abaixo de mil cilindradas, beneficiados por alíquotas reduzidas. Se menos tributo tende, em tese, a estimular o consumo, mais tributação não implica, necessariamente, a sua retração, sobretudo quando se trata de bens profundamente arraigados no cotidiano. Ainda assim, consolidaram-se, na segunda metade do século XX, os chamados sin taxes, impostos destinados, ao menos retoricamente, a corrigir hábitos tidos por deletérios - notadamente o consumo de álcool e tabaco -, embora inexista comprovação empírica de que a elevação da carga tributária tenha sido causa determinante de sua redução.

No Brasil contemporâneo, a reforma tributária reacendeu o debate sobre a tributação adicional incidente sobre duas espécies da classe das bebidas açucaradas: refrigerantes e refrescos. A proposta de submetê-las a um Imposto Seletivo (IS), sob o argumento de conter a escalada da obesidade, apresenta-se, ao mesmo tempo, como panaceia moralizante e expediente arrecadatório disfarçado. O tributo é alardeado como remédio amargo e eficaz: bastaria encarecer o produto para que florescesse, quase por milagre, a saúde coletiva. O Direito Tributário, porém, quando manejado com rigor, exige que a retórica ceda espaço à evidência - e esta, no caso, é avara em comprovar os resultados prometidos.

Estudos conduzidos pela Fundação Getúlio Vargas demonstram que a majoração da tributação sobre refrigerantes não induz a migração significativa para alternativas mais saudáveis. Um aumento de 1% no preço resulta em acréscimo ínfimo, de apenas 0,21%, no consumo de sucos igualmente açucarados. O consumidor, diante do sobrepreço, não abandona a caloria líquida: apenas a substitui por produtos análogos ou mais baratos. A saúde pública, suposto destinatário da medida, permanece indiferente às expectativas legislativas.

Proposta de tributar refrigerantes enquanto o açúcar segue isento expõe incoerência e ineficiência da medida.

Proposta de tributar refrigerantes enquanto o açúcar segue isento expõe incoerência e ineficiência da medida.Freepik

Outro estudo da FGV aponta que idade, renda e, sobretudo, inatividade física são os principais fatores determinantes do excesso de peso no Brasil. A própria Organização Mundial da Saúde reconhece que a obesidade tem etiologia multifatorial, sendo produto não apenas do açúcar, mas de padrões de vida urbanos e sedentários. À vista disso, a solução reducionista de tributar refrigerantes assemelha-se a um remédio homeopático aplicado a uma moléstia sistêmica.

A regressividade constitui outro estigma incontornável. O sistema tributário brasileiro, notoriamente regressivo ao concentrar mais de metade da arrecadação sobre o consumo - em contraste com a média de 30% nos países da OCDE -, impõe às bebidas não alcoólicas carga aproximada de 37%, que, em alguns estados, supera 45%. A criação de um novo imposto seletivo representaria, assim, um fardo adicional ao consumidor, especialmente ao de baixa renda, justamente aquele que o Estado deveria tutelar.

A experiência internacional tampouco legitima a medida. No Reino Unido, a tributação graduada conforme o teor de açúcar induziu reformulações industriais, mas não alterou significativamente os índices de obesidade. Nos Estados Unidos, observou-se aumento de arrecadação sem redução relevante no peso médio da população - apenas substituição parcial por outros alimentos igualmente calóricos. Em um país já marcado por elevada carga tributária, adotar soluções comprovadamente ineficazes equivaleria a agravar distorções sem contrapartida social.

Nada disso significa, evidentemente, desprezar a preocupação legítima com a saúde pública. O que se questiona é a adequação do instrumento escolhido. A tributação, embora possa ter função pedagógica, não deve ser ingênua. No caso das bebidas açucaradas, a elevação do preço não enfrenta as causas estruturais do problema. Políticas públicas integradas - educação alimentar, rotulagem clara, restrição de publicidade dirigida a crianças, incentivo à atividade física e subsídios a alimentos in natura - revelam-se mais eficazes e menos onerosas. O custo do tratamento da obesidade no Brasil, ainda modesto (0,01% do PIB, contra 2,08% nos Estados Unidos), indica que há espaço para estratégias preventivas mais racionais e equitativas.

Mais grave, contudo, é o vício de inconstitucionalidade que contamina a proposta. Enquanto refrigerantes e refrescos são onerados pelo imposto seletivo, o açúcar permanece confortavelmente alocado na cesta básica, livre de tributação por ser considerado bem essencial. É como se o Estado, com uma mão, o consagrasse como alimento indispensável, e, com a outra, o demonizasse como veneno social ao ser incorporado às bebidas. Tal incongruência viola o princípio da igualdade, que impõe tratamento uniforme a bens de mesma natureza. A quebra da isonomia é ainda mais evidente ao se constatar que apenas duas espécies - refrigerantes e refrescos - foram eleitas para a oneração, enquanto achocolatados, energéticos, isotônicos e bebidas vegetais, igualmente açucarados, permanecem à margem. A igualdade tributária, pilar estruturante do sistema constitucional, não tolera distinções arbitrárias.

Em suma, o imposto seletivo sobre bebidas açucaradas, apesar de seu verniz virtuoso, padece de vícios insanáveis: é contraditório diante da desoneração do açúcar e da exclusão de outras bebidas igualmente açucaradas, ineficaz no combate à obesidade e regressivo em seus efeitos sociais. Mais do que um "tributo do pecado", revela-se um tributo à incoerência: promete saúde, mas entrega desigualdade; proclama modernidade, mas perpetua as distorções históricas do sistema. Se o propósito for genuinamente protetivo - e não mero artifício arrecadatório -, a solução deverá residir em estratégias coerentes, baseadas em evidências e comprometidas com a justiça fiscal.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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