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Infraestrutura

Xenofobia econômica nos portos brasileiros

Restrições a investidores estrangeiros em nome da soberania carecem de base técnica e comprometem a eficiência logística nacional.

Luis Claudio Montenegro

Luis Claudio Montenegro

17/10/2025 13:00

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A disputa em torno do Tecon Santos 10 vem se arrastando nos últimos 5 anos, marcada por uma infinidade de argumentos hipotéticos e não demonstrados que resultam sempre no adiamento proposital ou na tentativa de restringir a participação de investidores interessados. Novos argumentos surgem ao longo do tempo, à medida que os anteriores se revelaram infundados e perderam consistência no debate.

A sociedade arca, enquanto isso, com os efeitos devastadores da falta de capacidade portuária para a movimentação de contêineres no maior porto do Brasil. Seguindo a mesma receita, a novidade mais recente se refere a uma perigosa forma de xenofobia econômica, agora sustentada por um pretexto, igualmente não demonstrado, de vulnerabilidade geopolítica e soberania nacional.

Recapitulando as discussões dos últimos 5 anos, o argumento inicial para excluir operadores foi o suposto risco de verticalização entre armadores e terminais de contêineres. Ocorre que o Cade e a própria ANTAQ já analisaram o tema em diversos processos e não encontraram qualquer abuso, além da operação ser comum e competitiva em portos do mundo todo quando há regulação adequada.

Superado esse ponto, veio a alegação de haver capacidade ociosa no Porto de Santos, mas os dados demonstraram o contrário: o tempo médio de espera dos navios saltou de 9 horas, em 2019, para 53 horas, em 2024, confirmadas a saturação e a necessidade urgente de novos investimentos.

Com a fragilidade dessas teses, passou-se a falar em risco de concentração de mercado, mas pareceres recentes da SEAE e do Cade descartaram fundamento técnico para excluir operadores incumbentes, alertando que tal medida reduziria a concorrência e enfraqueceria a disputa pelo mercado, ainda que o Ministério de Portos e Aeroportos possa tentar apresentar motivos não concorrenciais para mantê-la.

E foi exatamente nesse espaço que nasceu o argumento geopolítico. Sem que se conseguisse sustentar tecnicamente a exclusão por motivos concorrenciais, passa-se a invocar a soberania nacional e a neutralidade geoeconômica como fundamentos para a decisão. Ocorre que o conceito de soberania, usado dessa forma, não possui qualquer correspondência técnica ou metodológica, nem tampouco fundamentada em qualquer tipo formal de política pública. Trata-se tão simplesmente de um deslocamento de linguagem: um termo político utilizado para justificar uma proposta restritiva que não consegue encontrar amparo em evidências.

Em regimes regulatórios maduros, preocupações de natureza geopolítica são tratadas com base em critérios legais e objetivos definidos previamente pelo legislador - e não por decisões discricionárias.

A União Europeia aplica esse princípio no Foreign Direct Investment Screening Regulation (Regulamento 2019/452) e no Foreign Subsidies Regulation (Regulamento 2022/2560). Estes instrumentos estabelecem que o controle só ocorre quando atendidos critérios específicos de risco, como a presença de controle estatal ou de subsídios públicos estrangeiros que possam afetar a autonomia da União, e que não há proibição prévia de participação. Cada caso é analisado individualmente, com transparência e fundamentação técnica. O balanço da aplicação desses regulamentos demonstra, aliás, uma postura de ampla abertura e raríssima imposição de remédios pela Comissão Europeia.

Uso político do argumento de soberania ameaça a concorrência, a previsibilidade regulatória e a atração de investimentos no país.

Uso político do argumento de soberania ameaça a concorrência, a previsibilidade regulatória e a atração de investimentos no país.Eduardo Knapp/Folhapress

Nos Estados Unidos, a análise é ainda mais restrita, limitada a situações de risco militar ou de segurança nacional efetiva - como no caso isolado de uma empresa chinesa fornecedora de equipamentos para operações militares. Na prática, portanto, nem mesmo em um contexto mundial de maior vigilância sobre investimentos estrangeiros há espaço para decisões genéricas ou preventivas como as que se pretende justificar impedimentos no leilão do Tecon Santos 10.

Mais preocupante ainda é que, se levado às últimas consequências, o argumento da "soberania" resultaria na exclusão de praticamente todos os grandes operadores globais, muitos deles com forte participação de fundos soberanos ou de empresas estatais estrangeiras. A lista inclui COSCO, China Merchants, PSA International, DP World, HMM, Yang Ming, IRISL e PIL, entre outros grupos que atuam em dezenas de portos estratégicos no mundo. Mesmo empresas europeias, como Hapag-Lloyd e CMA CGM, contam com participação estatal ou de fundos soberanos - seja por meio de capitais árabes, seja por joint ventures com estatais chinesas.

Se aplicado de forma enfática, esse critério eliminaria praticamente todos os potenciais concorrentes internacionais, restando apenas um pequeno conjunto de empresas privadas nacionais, donas da própria carga, que também poderiam representar um risco de futura discriminação de seus concorrentes na produção nacional, risco esse que por sua vez poderia ser usado de argumento para sua exclusão do certame.

O resultado concreto desse conjunto de suposições de capital e acionistas seria reduzir a quase nenhum competidor ou mesmo anular a competição, e, com isso, mais uma vez adiar o leilão, elevar custos e comprometer a eficiência, produzindo o oposto do que se alega buscar em nome da soberania.

A leitura dos recentes pareceres apresentados ao TCU pelos mesmos interessados de sempre em restringir ou adiar o leilão evidencia a fragilidade do novo argumento. Todos já reconheceram que os riscos levantados ao longo desses anos, como a verticalização com armadores, a atuação de donos de carga integrados a terminais e até mesmo a participação de incumbentes, todos podem ser tratados de forma ex post pelos instrumentos de regulação econômica e de defesa da concorrência disponíveis.

Contudo, o novo discurso restritivo de cunho geopolítico passou a ser tratado como a única exceção à regra, como se apenas ele exigisse uma resposta imediata e antecipada - mesmo sem qualquer análise ou demonstração concreta. O argumento tenta transformar uma hipótese vaga em motivo suficiente para excluir quem já opera no Porto de Santos. Trata-se de uma seletividade difícil de sustentar tecnicamente.

O resultado é um raciocínio que se afasta da lógica regulatória moderna e se aproxima de um viés intervencionista e autárquico, típico de um pensamento cepalino que o Brasil parecia ter superado desde a abertura econômica dos anos 1990.

Sob o argumento de proteger a soberania, o país corre o risco de retroceder décadas na sua trajetória de desenvolvimento, restringir a competição e afastar investimentos, exatamente os elementos que sustentam sua inserção nas cadeias globais de valor de que trata a política pública, por exemplo, do programa Nova Indústria Brasil do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Na prática, é uma inversão de racionalidade: a defesa da soberania, usada como justificativa para limitar a competição, acaba fragilizando a própria autonomia econômica que pretende resguardar com políticas públicas.

O Brasil construiu, ao longo de 3 décadas, um modelo portuário apoiado na liberdade de preços, na competição por eficiência e na atração de capital privado, fundamentos que impulsionaram a modernização do setor e ampliaram sua integração às cadeias globais de comércio. Substituir esses pilares por teses vagas de risco geopolítico seria um retrocesso disfarçado de prudência, capaz de comprometer tanto a previsibilidade regulatória quanto a confiança dos investidores.

No fim, a situação parece flertar com uma nova forma de xenofobia econômica, a pretexto de uma política pública temerosa. Em vez de aprimorar os mecanismos de análise e transparência, recorre-se a justificativas genéricas e não demonstradas que, além de soarem muito mal no discurso, expõem o Brasil a elevados custos de ineficiência e à perda de competitividade logística global.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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