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Trabalho por app
27/10/2025 9:00
O trabalho em plataformas digitais consolidou-se como uma das mudanças mais significativas do mercado de trabalho na última década. No Brasil, o debate público ainda se concentra quase sempre em motoristas e entregadores, que se tornaram a face mais visível da chamada gig economy. Mas essa visão parcial é insuficiente para compreender a dimensão do fenômeno.
O universo das plataformas é muito mais amplo, diverso e complexo, abarcando serviços que vão do mercado imobiliário à estética, passando por manutenção residencial, aulas particulares e uma infinidade de atividades antes restritas ao espaço informal.
Tomemos o exemplo de empresas que conectam milhares de profissionais de serviços gerais a clientes em todo o país. O que antes era marcado por indicações de boca a boca ou anúncios improvisados passou a ser mediado por uma estrutura digital que garante alcance, reputação e maior previsibilidade na contratação. Encanadores, eletricistas, professores e consultores encontraram na plataforma uma vitrine para ampliar a clientela e conquistar maior estabilidade financeira.
Esses exemplos revelam um ponto crucial: motoristas e entregadores são apenas uma parte de um ecossistema em expansão. A regulação, portanto, não pode se limitar a categorias específicas; precisa enxergar o todo, compreender a lógica do ecossistema e estabelecer bases que garantam equilíbrio entre inovação, concorrência justa e proteção social.
O desafio central está em criar um marco regulatório que seja abrangente, mas também flexível. As plataformas não podem ser tratadas como extensões da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), um modelo pensado para um contexto fabril do século passado. Mas também não podem permanecer em um vácuo normativo que deixe trabalhadores desprotegidos.
A experiência internacional aponta para soluções híbridas, que combinam autonomia com garantias mínimas. O Brasil terá de encontrar seu próprio caminho, considerando as especificidades de um mercado de trabalho marcado pela informalidade estrutural e pela desigualdade de oportunidades.
A Comissão Especial do Trabalho Intermediado por Aplicativo, instalada em agosto deste ano na Câmara dos Deputados, tem como objetivo a construção de um texto que ocupe o vácuo normativo que há anos domina o tema. O PLP 152 reconhece o trabalhador autônomo plataformizado como uma nova categoria jurídica, disciplinando direitos, deveres e responsabilidades das partes envolvidas nesse ecossistema e regras de contribuição previdenciária.
O mérito do texto está em não reproduzir os modelos tradicionais de emprego, mas criar um regime próprio, que reconhece a autonomia e impõe balizas mínimas de proteção social, caminho defendido pela própria OIT em suas diretrizes sobre trabalho decente em plataformas.
Outro ponto essencial é a segurança jurídica. Empresas de tecnologia e investidores buscam previsibilidade para ampliar sua atuação no país. A ausência de regras claras pode gerar insegurança, afastar capital e inibir a inovação. Do lado dos trabalhadores, a insegurança se traduz em medo de acidentes sem cobertura, incerteza sobre aposentadoria e dificuldades em planejar o futuro. A regulação precisa, portanto, responder a uma demanda dupla: proteger os indivíduos e criar um ambiente de negócios estável e competitivo.
Não se trata de um debate ideológico, mas de uma discussão prática sobre como moldar o futuro do trabalho no Brasil. A economia digital não é uma promessa distante, mas uma realidade concreta, que já impacta milhões de pessoas. O desafio é reconhecer que motoristas e entregadores são apenas a face mais visível de um processo muito maior, que inclui profissionais de serviços gerais, trabalhadores do setor de beleza, corretores de imóveis e tantos outros. Todos eles participam de um ecossistema que redefine relações de trabalho e exige novas respostas do Estado, das empresas e da sociedade.
O futuro do trabalho em plataformas, portanto, precisa ser pensado em termos de diversidade e abrangência e esse papel deve ser cumprido pelo PLP 152/2025, indo além do trabalho em plataformas de entregas e de passageiros.
É necessário adotar um olhar que vá além das categorias tradicionais, que compreenda a pluralidade de modelos e que busque construir uma regulação moderna, capaz de conciliar inovação, competitividade e proteção social.
O Brasil tem a oportunidade de se posicionar como referência internacional nesse debate, desde que reconheça a dimensão do fenômeno e esteja disposto a enfrentar seus desafios com coragem e visão de longo prazo.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].