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Violência e desigualdade
3/11/2025 11:00
O Rio de Janeiro amanheceu mais uma vez em luto. Corpos estendidos sob uma lona na Praça da Penha simbolizam uma ferida aberta que o Brasil insiste em ignorar. Mais de 130 mortos até o momento em que escrevo este artigo. A maioria homens negros, jovens e pobres: é o saldo da Operação Contenção, a mais letal da história do estado. Uma ação que pretendia conter o tráfico, mas que acabou expondo, de forma brutal, a face do racismo estrutural que atravessa nossas instituições e define quem pode viver e quem é descartável.
Quando o Estado entra na favela com 2.500 homens, helicópteros, blindados e drones, ele não está apenas enfrentando o crime, mas sim reproduzindo um padrão histórico de violência seletiva. A bala que mata nas favelas cariocas não é perdida. Ela tem cor, tem classe e tem endereço. A seletividade penal no Brasil tem pele negra e mora nas periferias. É fruto de séculos de desigualdade, de uma lógica que naturalizou a morte do preto como "dano colateral".
O problema é mais profundo que a segurança pública. É estrutural, sistêmico e racial. O jovem negro é criminalizado antes de qualquer delito. Ele é suspeito por existir, é invisível quando precisa, e alvo quando aparece. É herdeiro de uma história de escravidão que nunca foi superada, mas apenas transformada em exclusão social, encarceramento em massa e execuções sumárias travestidas de combate ao crime. E o pior: em meio a essa tragédia, o debate público se perde em acusações ideológicas. A direita culpa o passado; a esquerda culpa o governo. Enquanto isso, quem paga a conta é o pobre, o favelado, o negro. Quem sofre é quem está na ponta, quem acorda com o som do helicóptero e dorme com o medo da próxima incursão. O morro sangra enquanto o asfalto debate.
É preciso romper o ciclo, ninguém nasce traficante. O menino que hoje empunha um fuzil nasceu com o mesmo potencial que o menino do asfalto, mas não teve as mesmas chances. Faltou escola, esporte, cultura, trabalho, acolhimento. Faltou o Estado que ensina e protege, e sobrou o Estado que atira e pune. Não podemos mais aceitar que o Brasil siga naturalizando a política da morte nas favelas. O racismo estrutural é o motor invisível dessa engrenagem. É ele que faz o país chorar seus mortos em silêncio, porque a maioria deles tem o rosto negro. É ele que define onde o Estado chega com políticas públicas - e onde chega com fuzis.
Como deputado, como cristão e como cidadão carioca, não posso compactuar com isso. Cristo não escolheu os palácios, Ele caminhou com os marginalizados. É com eles que devemos caminhar agora. A fé não pode ser indiferente à injustiça. Precisamos de uma política que enxergue o jovem da favela não como inimigo, mas como futuro. Que invista antes da bala, que acolha antes da sentença. Que compreenda que combater o racismo é combater a violência.
Enquanto o país continuar aceitando que certas vidas valem menos, nenhuma vida estará segura. O nome disso não é segurança pública, é genocídio social e ele tem como alvo cor e CEP definidos.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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