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Entre o vício e a moralidade cívica: o polêmico caso das apostas
Violência de gênero
4/6/2025 10:31
O episódio que envolveu a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante audiência na Comissão de Infraestrutura, no final do mês de maio deste ano, não deve ser visto como um caso isolado, é a realpolitik brasileira com as mulheres. Ao longo da sessão, a ministra foi repetidamente interrompida por senadores e, em um momento, teve até mesmo seu microfone desligado. Após reagir de forma firme ao tratamento recebido, Marina Silva decidiu se retirar - um gesto que não representa um recuo, mas sim uma resposta política clara diante da hostilidade institucional e pessoal a que foi submetida.
O caso expôs mais do que divergências sobre a pauta ambiental. O que Marina enfrentou foi um tipo de violência de gênero e raça que, infelizmente, é recorrente no espaço político brasileiro. Trata-se de uma forma pública e agressiva de mansplaining - fenômeno já descrito por pesquisadores como Débora Thomé e Maurício Izumi, em que parlamentares homens interrompem, explicam ou desautorizam mulheres, mesmo quando estas possuem domínio técnico e legitimidade institucional.
No caso de Marina, o ataque carrega camadas ainda mais profundas. Ser mulher e negra, em um espaço historicamente masculino e branco, tem um custo adicional. Custa mais para falar, para ser ouvida, para permanecer. Segundo levantamento do Instituto Alziras e da Transparência Eleitoral, mais de 60% das mulheres que ocupam cargos eletivos afirmam ter sofrido algum tipo de violência política de gênero, que inclui desde agressões verbais até ameaças e boicotes sistemáticos.
Além disso, a participação das mulheres nos parlamentos brasileiros ainda é muito tímida: elas ocupam apenas 17,7% das cadeiras na Câmara dos Deputados e cerca de 13% no Senado Federal. Entre as mulheres negras, esse percentual é ainda menor - menos de 6% das vagas parlamentares são ocupadas por mulheres negras - um claro indicativo da persistente sub-representação racial e de gênero na política.
A ministra Marina Silva, com sua trajetória inegável na política ambiental brasileira e reconhecimento internacional, não é exceção a essa regra. Sua autoridade incomoda justamente porque é inquestionável. Marina representa uma agenda que resiste ao imediatismo do desenvolvimento a qualquer custo, e isso a coloca no centro de pressões políticas intensas - inclusive dentro do próprio governo, que oscila entre o compromisso ambiental e a conciliação com setores da economia extrativista.
Na mesma semana em que Marina foi silenciada no Senado, passou na Casa um projeto que flexibiliza profundamente o licenciamento ambiental, permitindo o autolicenciamento por parte de empresas em obras de grande impacto. Trata-se de um retrocesso sério, que reduz o papel fiscalizador do Estado e fragiliza ainda mais o sistema de proteção socioambiental.
É nesse cenário que o gesto de Marina ganha densidade. Não foi apenas uma saída física de uma sala. Foi um alerta institucional: não é possível discutir a política ambiental brasileira, tampouco a preparação para a COP 30, sem respeito ao diálogo e à autoridade técnica do Ministério do Meio Ambiente.
O presidente Lula manifestou apoio à ministra após o ocorrido, mas o governo federal, em outras frentes, tem adotado posições ambíguas. A busca por equilíbrio entre crescimento econômico e responsabilidade ambiental é legítima - mas exige compromisso real com a ciência, com o clima e com a escuta qualificada de especialistas. O que se viu no Senado foi o oposto disso.
A reação da sociedade civil foi imediata. Marina recebeu apoio de movimentos sociais, lideranças femininas e de parte da comunidade científica. Também foi convidada a retornar ao Senado, desta vez pela Comissão de Meio Ambiente, para apresentar as metas da pasta e debater a preparação para a COP 30, que será realizada em Belém. Espera-se que, dessa vez, o espaço seja mais do que protocolar - e que o respeito institucional se sobreponha à hostilidade ideológica.
O que está em jogo não é apenas o meio ambiente, mas os limites do que ainda se tolera contra mulheres em cargos de poder. Marina Silva é um dos nomes mais consistentes da política brasileira. Sua trajetória fala por si. Quando ela é silenciada, todas perdem - inclusive a democracia.
Ao silenciar uma mulher ministra, tenta-se enfraquecer não só uma política pública, mas uma trajetória inteira. E mais do que isso: reforça-se a mensagem de que mulheres - sobretudo as negras - ainda não têm lugar assegurado em espaços decisórios.
O Congresso Nacional precisa se perguntar: quantas vezes mais iremos nos deparar com cenas de machismo e desrespeito com as mulheres nos espaços decisórios? Quando as instituições irão reagir de forma mais efetiva nessas situações? A democracia não se mede apenas pelo voto, mas pela qualidade e substância dos debates que ela permite. E uma democracia que não escuta os diferentes grupos sociais, que não respeita a voz de uma ministra e mulher é uma democracia preocupante.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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