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Antônio Augusto de Queiroz
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Como as emendas impositivas podem interferir no sistema eleitoral
Antônio Augusto de Queiroz
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Análise
23/9/2025 | Atualizado 24/9/2025 às 8:53
O Brasil e o mundo enfrentam uma crise profunda da democracia representativa, marcada pela fragmentação política e pela polarização desenfreada, que impede um consenso mínimo tanto na sociedade quanto entre os Poderes do Estado. Neste contexto, o sistema de freios e contrapesos, essencial para a estabilidade democrática, falha. Instituições que poderiam mediar conflitos entre setores da sociedade, como o Congresso Nacional, o Executivo, e o STF, encontram-se paradoxalmente no epicentro das disputas. Nesse ambiente de ausência de uma autoridade moderadora, mesmo não existindo previsão legal para tanto, surge o Senado Federal, por sua natureza, composição e atribuições constitucionais, como a instituição mais apta a assumir o papel de 'poder moderador", ainda que não o seja nos termos que a Carta de 1824*.
Embora o modelo constitucional atual não preveja formalmente essa figura do "Poder Moderador, parece indispensável que haja uma instância de moderação - e ponderação de fato - que seja capaz de arbitrar e resolver impasses em momentos de crise. Esta não é uma função de governo, mas de garantia da ordem constitucional e do equilíbrio institucional. E são as características únicas do Senado e sua atual composição que o capacitam para esta delicada missão na conjuntura.
O Senado é uma instituição centenária, cuja composição é deliberadamente desenhada para conferir serenidade e perspectiva de longo prazo. Diferente da Câmara dos Deputados, que reflete com maior imediatez a volatilidade da opinião pública, o Senado exige de seus membros idade mínima de 35 anos, assegurando, em tese, integrantes com maior trajetória, experiência política e equilíbrio amadurecido. Além disso, os senadores representam as unidades federativas em pé de igualdade, o que confere uma visão nacional e federativa, contrabalançando paixões regionais ou majoritárias exacerbadas na Câmara baixa.
As próprias atribuições constitucionais do Senado são intrinsecamente moderadoras. Para além da função legislativa, a Casa detém competências de controle que a posicionam como um veto player qualificado. Cabe a ela aprovar a nomeação de altas autoridades do Judiciário, do Ministério Público e de agências reguladoras. Esse poder de sabatina e confirmação é um instrumento crucial de moderação, impedindo que indicações puramente políticas ou de qualidade duvidosa alcancem cargos de extrema relevância. Da mesma forma, a competência para autorizar operações de crédito externo e interno confere ao Senado um papel central na moderação das contas públicas, atuando como freio a impulsos gastadores irresponsáveis.
A mais grave dessas atribuições é a função judicante: processar e julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente e os Ministros do STF nos crimes de responsabilidade. Este é um poder imenso do sistema de freios e contrapesos, cujo exercício requer sabedoria. Só pode e só deve ser usado para sanar crises institucionais profundas e não por razões ideológicas e de ordem política ou persecutória. O fato de essa competência ser conferida ao Senado, e não à Câmara, é um reconhecimento claro da expectativa de uma postura mais ponderada, menos sujeita aos ventos da conjuntura imediata.
O desenho do processo legislativo também sinaliza esse papel. Enquanto as proposições de iniciativa externa, inclusive dos outros poderes e órgãos de maior impacto, assim como aquelas de maior impacto político, têm entrada na Câmara, casa mais permeável às demandas populares, ao Senado cabe o papel de casa revisora. Sua função é revisar, com mais calma e profundidade, os textos aprovados pelos deputados, contendo excessos, corrigindo imperfeições e incorporando uma visão de Estado mais ampla - a chamada "sabedoria senatorial". A cultura institucional do Senado tende a privilegiar a negociação e o acordo, em contraposição a possíveis radicalismos.
Na crise atual, a necessidade de mecanismo semelhante ao de poder moderador é premente. O Executivo é parte do conflito; o STF, acionado para resolver impasses, tem sua legitimidade contestada por uma das partes; e a Câmara dos Deputados mostra-se, por vezes, refém de grupos de interesse e de uma lógica de curto prazo. É neste vácuo que o Senado deve se erguer. Felizmente, nas lideranças majoritárias atuais, parece existir um entendimento dessa responsabilidade histórica. A existência de uma maioria com perfil mais negociador e menos ideológico é um ativo inestimável para a tarefa de compreender os anseios populares filtrando os excessos radicais.
Um exemplo claro e iminente desse papel moderador será o exame da chamada PEC da Blindagem, recentemente aprovada na Câmara. Essa proposta, que condiciona processos contra parlamentares à autorização prévia da casa legislativa por voto secreto, é um escárnio ao Estado Democrático de Direito, nascido de um movimento de autopreservação de setores do Congresso ameaçados pela Justiça. A confirmação no Senado do texto aprovado na Câmara representaria um grave retrocesso, criando uma imunidade quase total, estimulando a infiltração do crime organizado na política e corroendo a confiança da população.
Por tudo isto, fica patente o papel crucial do Senado no equilíbrio e na pacificação do País. Espera-se que, ao receber a proposta, a Casa a analise com o rigor necessário. Rejeitá-la ou modificá-la substancialmente será um sinal claro de que o Senado cumpre seu papel revisor no processo legislativo, contendo os excessos de uma Câmara que, neste caso, age por instinto de sobrevivência, não pelo bem público.
Nesse cenário, é preciso lembrar que em 2026 ocorrerá a renovação de 2/3 do Senado, e as forças de extrema-direita no país, responsáveis pela atual fragmentação e polarização, definiram como prioridade máxima eleger uma maioria qualificada do Senado da República. Um triunfo da extrema-direita no pleito de 2026 para esses postos significaria o fim da prudência e do equilíbrio nas relações de poder, criando condições para uma ação revanchista dos senadores bolsonaristas contra os ministros do Supremo Tribunal Federal, por estes terem defendido a democracia e punido extremistas e golpistas por seus atos violentos contra o Estado Democrático de Direito.
É, portanto, imperativo que o atual Senado da República assuma esse papel moderador, ainda que parcimoniosamente e sem o uso da força, como alguns pretendiam ao defender esse papel para as Forças Armadas. A história institucional brasileira mostra que, nos momentos mais críticos, como na redemocratização, foi no Senado que se encontraram as saídas mais equilibradas. Diante da disfunção do sistema de freios e contrapesos, o Brasil precisa resgatar o espírito moderador inscrito na arquitetura do seu Senado. Cabe aos atuais senadores a honrosa tarefa de colocar a instituição a serviço da pacificação nacional. O momento exige moderação, sabedoria e coragem cívica. E é no Senado Federal que essa esperança, talvez a mais realista no cenário atual, deve ser depositada. O Brasil precisa que o Senado cumpra, na atual conjuntura, um papel de Poder Moderador.
*A Constituição de 1824, que resultou da intervenção de Dom Pedro I no processo constituinte, previu no seu art. 98 o "Poder Moderador" como "chave de toda a organização Política", a ser exercido privativamente ao Imperador, "para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos". O art. 100 lhe atribuiu poderes para nomear Senadores, convocar Assembleia Geral extraordinária no recesso parlamentar, sancionar decretos e resoluções aprovadas pelo Parlamento, aprovar e suspender resoluções dos Conselhos Provinciais, prorrogando ou adiando a Assembleia Geral, e "dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado", além de nomear e demitir os Ministros de Estado e suspender magistrados, concedendo perdão e moderando penas impostas a condenados pela Justiça, e concedendo anistia quando urgente e aconselhado pela humanidade e bem do Estado.
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