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JOGO DE PERDE-PERDE
Congresso em Foco
30/7/2025 | Atualizado às 13:58
A nova rodada de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada pelo presidente Donald Trump e com entrada em vigor prevista para esta sexta-feira (1º), foi apresentada como um duro recado político ao governo Lula. Mas, segundo análises da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o verdadeiro efeito colateral dessa retaliação pode ser sentido no bolso... dos próprios americanos.
Um estudo elaborado pelo Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea/UFMG) projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos pode encolher 0,37% com a adoção das novas barreiras comerciais contra o Brasil, China e outros 14 países, uma retração equivalente a R$ 72,4 bilhões. Para o Brasil, a perda estimada é menor: 0,16% do PIB, ou cerca de R$ 2,6 bilhões.
Além do impacto bilateral, o comércio global também tende a desacelerar. A projeção é de queda de 2,29% nas trocas internacionais. O estudo da UFMG é assinado pelos professores Edson Paulo Domingues, João Pedro Revoredo e Aline Souza Magalhães (veja a íntegra do documento).
Por que Trump mirou o Brasil?
Segundo a Casa Branca, a justificativa envolve "desequilíbrios comerciais" e práticas consideradas "injustas", como a popularização do Pix, sistema brasileiro de pagamento instantâneo que, segundo o governo americano, teria prejudicado empresas como a Meta (WhatsApp Pay) e operadoras de cartão de crédito.
A medida também é interpretada como vingança pessoal de Trump contra o governo Lula, especialmente por causa da condenação de seu aliado Jair Bolsonaro por abuso de poder político nas eleições de 2022. Em carta direcionada ao Brasil, Trump acusou o país de perseguir politicamente o ex-presidente e de censurar "a liberdade de expressão de americanos".
Essa retaliação virou bandeira de campanha do republicano e encontrou eco no Brasil. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que vive nos EUA, chegou a declarar que se sentiria "vingado" caso a economia brasileira fosse devastada pelas novas tarifas. "Se houver um cenário de terra arrasada, pelo menos me sentirei vingado desses ditadores de toga", afirmou o parlamentar, que disse ter discutido o tarifaço com o presidente norte-americano.
Setores brasileiros em alerta
A sobretaxa imposta por Trump atinge todas as exportações brasileiras, mas os impactos se concentram em setores com forte peso na balança comercial com os EUA:
Máquinas agrícolas: queda de 23,6% nas exportações
Aeronaves e equipamentos de transporte: -22,3%
Carnes e café: até -25%
Suco de laranja: retração de até 100%
Segundo a CNI, o impacto total pode chegar a R$ 52 bilhões em exportações perdidas e comprometer mais de 110 mil empregos, especialmente nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná. Em setores como o de suco de laranja, há risco de colapso das vendas externas para os Estados Unidos.
Efeito bumerangue nos Estados Unidos
Embora apresentada como sanção contra o Brasil, a medida também ameaça importantes cadeias produtivas dos próprios EUA. Isso porque cerca de 58% do comércio bilateral envolve insumos industriais, que servem de matéria-prima para bens manufaturados americanos.
Entre os setores mais vulneráveis nos EUA estão:
Construção civil e indústria automobilística: afetadas pelo encarecimento de aço e alumínio brasileiros, que representam 14% da oferta local
Defesa e tecnologia: risco de desabastecimento de nióbio (94% das reservas estão no Brasil) e grafita (26% das reservas)
Alimentos e bebidas: aumento nos preços de carne, café e sucos
Empresas como Cargill, ExxonMobil, Johnson & Johnson e Caterpillar já alertaram o Congresso americano para os riscos de aumento de custos, paralisações e inflação.
"O Brasil sangra no curto prazo, mas os EUA podem sangrar mais no médio e longo prazo", resume o presidente da CNI, Ricardo Alban. "É uma política de perde-perde."
Guerra comercial em meio à diplomacia travada
A ofensiva americana ocorre no momento em que uma comitiva de oito senadores brasileiros tenta reverter o tarifaço em Washington. O grupo, liderado por Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores, tem encontros com parlamentares e empresários dos EUA, com apoio da Câmara de Comércio Americana.
Mas os próprios aliados de Bolsonaro trabalham contra. Eduardo Bolsonaro afirmou que atua para sabotar a missão diplomática, dizendo que "só haverá acordos do tipo meio-termo, que não são nem certos nem errados".
Enquanto isso, o governo brasileiro aposta no diálogo institucional. O vice-presidente Geraldo Alckmin manteve conversas com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, mas ouviu que "não haverá carência" na aplicação das tarifas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o chanceler Mauro Vieira seguem tentando abrir novos canais de negociação. Vieira está em Nova York e aguarda sinal verde para se reunir com representantes da Casa Branca em Washington.
Lula cobra respeito e critica unilateralismo
Em entrevista ao jornal The New York Times, publicada na quarta-feira (30), o presidente Lula criticou a postura de Trump e defendeu o diálogo entre os países:
"Tenha certeza de que estamos tratando isso com a máxima seriedade. Mas seriedade não exige subserviência. Eu trato todos com grande respeito. Mas quero ser tratado com respeito."
"O comportamento do presidente Trump desviou de todos os padrões de negociações e diplomacia. Quando você tem uma divergência comercial, você pega o telefone, marca uma reunião, conversa. O que você não faz é taxar e dar um ultimato."
Especialistas alertam para inflação nos EUA
Para o professor de Relações Internacionais Ricardo Leães, da ESPM, o tarifaço pode agravar a inflação americana e comprometer a popularidade de Trump:
"Essas tarifas são inflacionárias. Já houve um aumento leve da inflação nos EUA. Se houver um tarifaço tão significativo, o problema será maior ainda", disse ele ao Congresso em Foco.
Leães prevê que a pressão do empresariado americano pode forçar um recuo de Trump, já que a sobretaxa encarece produtos e mina a competitividade da indústria nacional. Ele também destaca que o contexto com o Brasil é particular: "A carta de Trump é uma ameaça à soberania por causa do processo contra Bolsonaro. Isso torna difícil qualquer concessão do governo brasileiro".
Brasil fora das prioridades de Trump
Apesar de aplicar tarifas elevadas a diversos países, incluindo Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Sérvia e África do Sul, Trump vem recuando com alguns deles. Em coletiva, citou reduções de tarifas com Indonésia, Japão e Filipinas, mas não mencionou o Brasil.
A lista de novas alíquotas inclui países com tarifas entre 20% e 40%, enquanto o Brasil enfrenta a mais alta: 50% sobre qualquer produto.
Segundo analistas, uma das verdadeiras motivações do republicano seria conter a expansão do Pix, que avança como alternativa mais barata e eficiente que sistemas como Visa, Mastercard e o WhatsApp Pay.
"O tiro pode sair pela culatra"
O Brasil hoje aplica uma tarifa média de 12% a produtos importados, valor menor do que os EUA pagam para vender ao país (3,3%). Ainda assim, os EUA mantêm superávit de US$ 43 bilhões em bens e US$ 165 bilhões em serviços nos últimos dez anos. São o terceiro maior parceiro comercial do Brasil.
O impacto do tarifaço, portanto, pode ressoar não só no agronegócio e na indústria brasileira, mas também nas lojas, supermercados, fábricas e postos de trabalho nos Estados Unidos.
"A aposta maior é que o desgaste interno nos EUA vai forçar Trump a recuar", conclui o professor Leães.
Tarifaço
Além do Brasil, também terão nova taxação a partir da próxima sexta-feira os seguintes países:
Argélia, Líbia, Iraque: 30%;
Brunei, Moldávia: 25%;
Filipinas: 20%;
Japão, Coreia do Sul, Malásia, Cazaquistão: 25%;
Indonésia: 32%;
Tailândia, Camboja: 36%;
Laos, Myanmar: 40%;
Bangladesh, Sérvia: 35%;
África do Sul, Bósnia-Herzegovina: 30%;
Tunísia: 25%
Em entrevista na segunda-feira, Donald Trump afirmou que os países que negociaram com os Estados Unidos poderão ter a taxa reduzida para 15% ou 20%. "Concluímos o acordo com a Indonésia, e eles abriram o mercado para nós. O Japão também liberou a entrada dos nossos carros e do nosso arroz. As Filipinas fizeram o mesmo [...] e eu adoraria ver a China seguir esse caminho. Estamos negociando com eles neste momento", afirmou em coletiva, sem citar o Brasil entre suas prioridades.
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