O ex-líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), aposta que o governo Lula pode ter uma surpresa desagradável na convenção nacional do PMDB, em 12 de dezembro. Ao dar como certo e garantido o apoio do partido em troca de emendas e favores, Geddel avalia que o governo Lula corre o risco de se deparar com o desembarque do PMDB.
"Houve uma coisa na história mais ou menos assim. Você se lembra do governo Collor? Falaram em uma CPI e o então ministro Jorge Bornhausen falou que "isso não vai dar em nada" e deu no que deu", avisa Geddel, atual primeiro secretário da Câmara.
Geddel tem seu voto e sua influência disputada arduamente pelo presidente da Câmara, João Paulo (PT-SP), e pelo líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). Aliados de João Paulo afirmam que ele teria o apoio de Geddel para votar a emenda da reeleição.
Esse simples rumor quase azedou a relação entre Renan e Geddel. Irritado, em entrevista ao Congresso em Foco, Geddel negou o apoio à aprovação de emenda constitucional que permitiria a reeleição de João Paulo e do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
"Creio que é patente que a reeleição, da forma que está proposta para os atuais dirigentes do Congresso Nacional, está criando mal-estar para o país na medida em que matérias importantes estão deixando de ser votadas, desgastando a imagem do parlamento com especulações de que todos estão parados em troca de verbas ou favores", observa Geddel.
Nas últimas semanas, Geddel deixou de ser minoria na bancada do PMDB na Câmara. Ele, que sempre se colocou contra o apoio ao governo Lula, passou instantaneamente à maioria por causa da desastrosa política de articulação do Palácio do Planalto no Congresso.
Cauteloso, Geddel insinua que Sarney já poderia ter abandonado a disputa por mais um mandato de dois anos na presidência do Senado para poupar sua biografia política.
"Agora, quem tem apreço à liturgia do cargo não pode, eu tenho certeza que o presidente Sarney não permitirá, ter sua biografia amesquinhada por uma ambição desmesurada que possa causar constrangimentos ao Congresso Nacional", avalia.
Congresso em Foco - Como fica a sua relação com o líder Renan Calheiros e o ministro Eunício Oliveira (Comunicações), que têm posições contrárias em relação à reeleição?
Geddel Vieira Lima - Eu tenho a melhor relação com o Eunício e o Renan. São duas pessoas que ao longo do tempo eu ajudei muito. Eu sempre estive ao lado do Eunício em todas as lutas dele. Fiz o Eunício meu vice-líder, relator do orçamento. Ajudei Eunício a nomear cargos importantes na época do Dnocs (Departamento Nacional de Obras cotra a Seca), na época do presidente Fernando Henrique Cardoso. Ajudei muito o Renan a ser ministro da Justiça do governo do PSDB. Não vejo nenhuma razão para ter atritos pessoais se eventualmente nossas idéias divergem. As idéias vão continuar brigando, mas, pessoalmente, com o Renan e o Eunício, eu prefiro continuar me dando bem. Essa é minha alternativa. Se não for a deles, em determinado momento, eles haverão de se manifestar.
"Eu sempre estive ao lado do Eunício (Oliveira, ministro das Comunicações). Fiz o Eunício meu vice-líder, relator do orçamento. Ajudei Eunício a nomear cargos importantes. Ajudei muito o Renan (Calheiros) a ser ministro da Justiça"
Congresso em Foco - O senhor passou a apoiar a reeleição?
Deixa eu dizer uma coisa clara para você porque eu ouvi muito boato hoje no Congresso: eu não tenho porta-voz. Eu falto por mim mesmo. Quem fala supostamente por mim mesmo está mentindo ou agindo de má fé. Eu creio que a reeleição é um princípio que está consagrado na República na medida em que você tem reeleição para governos estaduais, presidente da República e em todos os segmentos da sociedade política brasileira. Creio que é patente quea reeleição, da forma que está proposta para os atuais dirigentes do Congresso Nacional, está criando mal-estar para o país na medida que matérias importantes estão deixando de ser votadas, desgastando a imagem do parlamento com especulações de que todos estão parados em troca de verbas ou favores. Não é o meu caso e de uma grande parte do Congresso Nacional. Eu creio que nós precisamos fazer uma pauta clara, dizendo o que é importante para a governabilidade e todos tirarem as máscaras. Enquanto ficar essa coisa das pessoas quererem uma coisa e não disserem o que querem, o país sai prejudicado.
"A reeleição, da forma que está proposta, está criando mal-estar para o país na medida que matérias importantes estão deixando de ser votadas, desgastando a imagem do parlamento com especulações de que todos estão parados em troca de verbas ou favores"
O PMDB se transformou em um partido de aluguel?
Infelizmente, eu tenho que concordar com a sua avaliação. O PMDB passa a sensação de um partido de aluguel. Há algum tempo, o PMDB deixou de sonhar em ser um partido estuário das ambições, das angústias e de apresentar soluções para a sociedade brasileira e passou a ser um partido prateleira, como eu defino. Elege deputados em torno de emendinhas, não de idéias. Como nós vivemos em um país onde a federação inexiste, a governabilidade deixa de ser uma relação sadia entre partidos opostos e governantes eleitos e passa a ser uma relação espúria de chantagem e eu quero ver o PMDB fora disso. Eu acho que não está esgotada no PSDB e no PT a representação do pensamento político brasileiro. Eu creio piamente que há espaço para um grande partido de centro, responsável, reformista, um partido que tenha como obsessão o desenvolvimento e a geração de empregos. O PMDB pode ter esse papel desde que se desvincule dos velhos vícios de estar sempre a reboque de governos que não ajudou a eleger.
Como fica a questão da reeleição do Sarney e João Paulo? Essa questão não ajudou a formar a imagem do PMDB como uma federação devido aos inúmeros grupos que abriga?
O PMDB é visto como uma federação porque perdeu suas referências, porque todos têm divisões internas. O PT, por exemplo, somente tem uma diferença: é uma federação comuna. Tem a democracia socialista, articulação, radicais...É uma federação com carimbos, inclusive. A questão da reeleição, eu quero dizer que é absolutamente legítimo que homens públicos disputem espaço, ou seja, é legítimo que o presidente Sarney queira permanecer na presidência do Senado, como é absolutamente que o líder Renan queira chegar à presidência do Senado. Da mesma forma na Câmara. O que não pode deixar é que projetos pessoais atrapalhem os interesses nacionais. Nesse caso específico, o projeto da reeleição tem atrapalhado os interesses nacionais porque é um componente que está trancando a pauta de votações do Congresso Nacional. Se a reeleição é uma tese, vamos aprová-la para os próximos mandatos legislativos e se acabaria com essa demanda que já está passando do limite do razoável. "Se a reeleição é uma tese, vamos aprová-la para os próximos mandatos legislativos e se acabaria com essa demanda que já está passando do limite do razoável"
Como o senhor analisa o apoio do Palácio do Planalto à reeleição? O senhor acha que há interferência demais do Executivo no Legislativo?
Demais está há muito tempo, mas essa é a tradição brasileira. Veja que para um parlamentar aprovar um projeto de sua autoria é algo praticamente impossível. Muitas idéias boas tramitam na casa como iniciativa de parlamentares e não se aprova porque a tradição é o Executivo ter o poder de mobilização para votar suas matérias. Portanto, eu não vejo isso com surpresa. Quanto ao presidente Sarney, eu creio que alguém que já foi presidente da República e que é tão zeloso daquilo que se convencionou chamar de liturgia do cargo, ele tem o direito de disputar novos espaços na vida pública porque essa foi sua opção. Ele não desejou continuar como um grande conselheiro da república. Ele continuou na vida pública. Agora, quem tem apreço à liturgia do cargo não pode, eu tenho certeza que o presidente Sarney não permitirá, ter sua biografia amesquinhada por uma ambição desmesurada que possa causar constrangimentos ao Congresso Nacional.
"Quem tem apreço à liturgia do cargo não pode, eu tenho certeza que o presidente Sarney não permitirá, ter sua biografia amesquinhada por uma ambição desmesurada que possa causar constrangimentos ao Congresso Nacional"
O PMDB tem uma grande tendência governista. O senhor pensa em sair do partido caso o PMDB escolher, na convenção nacional, permanecer na base aliada?
Eu tenho uma afinidade com o PMDB. Isso é um folclore que surgiu que eu tenho afinidade com o PSDB. Eu poderia citar "n" razões para justificar o apoio que dei ao governo Fernando Henrique Cardoso, inclusive o fato de que, em convenção, por diversas vezes, o PMDB definiu por esse apoio. Isso não me faz mais próximo ou menos próximo do PSDB. Isso me faz alguém partidário, que segue as orientações do meu partido. É evidente que ficou claro que o apoio ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, decidido em convenção até o limite, inviabilizou um projeto próprio do PMDB, não só de candidatura, mas de país. Eu defendo claramente é que o PMDB volte a discutir a partir do óbvio. E o que diz o óbvio? Diz que as maiorias devem prevalecer. Com isso, quero lhe dizer que se formos à convenção e essa convenção não for eivada de vícios e interferências indevidas, e a vontade do partido ficar clara que é o apoio ao governo, a partir daí eu estarei me comprometendo a votar com a vontade da maioria ainda que possa preservar a minha postura de críticas muito ácidas à política econômica, à polícia social, ou melhor, falta de política do governo Lula.
"Ficou claro que o apoio ao governo Fernando Henrique Cardoso, decidido em convenção, inviabilizou um projeto próprio do PMDB, não só de candidatura, mas de país" O que o senhor quer dizer com "cheia de vícios"?
Falo de intervenção do governo de forma aberta e clara.
Isso não estaria ocorrendo com oferta de verbas e cargos no governo?
Eu ainda não vi isso se manifestar em termos de convenção nacional. Eu tenho visto os governadores com uma postura muito clara. Tenho visto importantes segmentos da bancada na Câmara e no Senado também em uma postura muito clara. E quando, e se perceber, que o governo está usando os mecanismos da República para tentar interferir numa decisão interna do PMDB, eu haverei de denunciar essas manobras.
O senhor acha que existe um certo deboche do Planalto com o PMDB?
Eu acho que o PMDB é tratado com deboche por segmentos arrogantes do governo, a começar pelo ministro José Dirceu (Casa Civil), porque o PMDB perdeu há muito tempo a capacidade se dar ao próprio respeito. Eu acho que a primeira coisa que o PMDB precisa resgatar é a sua auto-estima e saber que é um partido que tem lideranças capazes de formatar idéias que convençam o povo brasileiro que o partido é uma alternativa. Na medida que ele fizer isso, ninguém haverá de debochar do PMDB. O ministro José Dirceu, do alto de sua arrogância, tem alguma razão. O PMDB é que permite que ele faça comentários desabonadores sobre a conduta do partido ou sobre a suposta falta de vértebras do PMDB.
"Eu acho que o PMDB é tratado com deboche por segmentos arrogantes do governo, a começar pelo ministro José Dirceu (Casa Civil), porque o PMDB perdeu há muito tempo a capacidade se dar ao próprio respeito"
O senhor avalia que esse deboche possa causar um surpresa desagradável para o governo Lula?
Houve uma coisa na história mais ou menos assim. Você se lembra do governo Collor? Falaram em uma CPI e o então ministro Jorge Bornhausen falou que "isso não vai dar em nada" e deu no que deu.
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