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Contra a súmula vinculante

Congresso em Foco

13/7/2005 20:57

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Edson Sardinha


Ao concluir a primeira etapa da reforma constitucional do Judiciário na semana passada, o Senado concedeu ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma prerrogativa que vai desequilibrar a relação entre os três poderes. Segundo o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), a aprovação da súmula vinculante significa um retrocesso político e processual, porque dá superpoderes aos ministros do Supremo.

Na prática, diz ele, o STF terá mais poder para legislar do que o próprio Congresso.

De acordo com o texto que será promulgado nos próximos dias, os juízes e a própria administração pública serão obrigados a seguir o entendimento do Supremo sobre temas que tenham sido objeto de muitas ações. A medida, combatida por magistrados das instâncias inferiores, procuradores e advogados, teria como objetivo reduzir o número de causas repetitivas.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, relutou contra a súmula vinculante até o último momento, mas foi derrotado pela área econômica do governo, que entende que a novidade pode atrair investidores para o país, na medida em que torna as decisões da Justiça mais previsíveis. A adoção desse mecanismo faz parte das recomendações do Banco Mundial às economias em desenvolvimento.

Nesta entrevista ao Congresso em Foco, o vice-líder do PT na Câmara critica a postura da bancada petista no Senado, que, em sua maioria, acabou apoiando a proposta que fortalece o Supremo. "Os nossos senadores romperam com uma posição histórica do PT. A súmula vinculante é um grave equívoco do ponto de vista político e pragmático. Ela vai trazer mais confusão para o sistema judiciário do que resolver problemas", considera.

Presidente da Comissão Especial da Reforma do Judiciário na Câmara, o deputado diz que a vinculação da súmula acaba com a oxigenação do sistema, despreza a capacidade de interpretação dos juízes das instâncias inferiores e vai provocar efeito contrário ao pretendido, atolando o STF de processos.

"É a afirmação de um superpoder que desequilibra a relação entre os poderes. Quando se fala numa ditadura do Judiciário, acho que é essa a dimensão. Dá-se um poder supremo ao Supremo, o que me parece ruim para o equilíbrio num Estado de Direito", diz.

Apesar de enaltecer a aprovação do controle externo do Judiciário, por meio da criação do Conselho Nacional de Justiça, Cardozo é cauteloso em relação aos efeitos das mudanças em curso. Para ele, a verdadeira reforma do Judiciário não é a constitucional, mas a que virá na seqüência, com a aprovação de leis ordinárias e complementares.

"É através dela (reforma infraconstitucional) que você vai atacar a morosidade da Justiça de uma forma mais firme, através da eliminação de recursos, da maior racionalidade na distribuição dos processos, com a criação de mecanismos inovadores que permitam a melhor destinação de verbas para o Judiciário", considera.

Congresso em Foco - Qual a responsabilidade do governo nessa paralisia da Câmara?

José Eduardo Cardozo
- Essas questões estão ligadas mais ao legislativo do que ao governo. Há uma falta de entendimento na base de sustentação do governo. Seria inconveniente creditarmos a culpa ao governo. É um problema que o Congresso tem de superar.

Um dos motivos apontados para a crise na base aliada seria a pressão de alguns partidos para serem os parceiros preferenciais do PT em 2006. Como está essa conversa no seu partido?

Acho muito cedo para se discutir isso. Às vezes, colocam os carros adiante dos bois. Estamos ainda na metade do governo Lula. No Brasil, o indivíduo que acabou de ser eleito e já está pensando na reeleição e aquele que foi derrotado já pensa na próxima candidatura.

Mas o PMDB não está pressionando o governo por causa disso?

Cada partido tem de procurar aquilo que é melhor para si. Precisamos ter a nítida dimensão de que há questões que são muito maiores do que uma disputa eleitoral ou uma situação episódica que possa ser uma luta política. É necessário que cada partido tenha consciência do bem e do mal de suas políticas. E que o povo julgue nas urnas.

A polarização entre PT e PSDB no cenário nacional está consolidada ou está sendo superdimensionada por causa da vitória tucana em São Paulo?

A polarização entre o PSDB e o PT é um fenômeno nacional, são os dois grandes partidos na disputa. Não quero dizer com isso que não existam outras forças políticas vivas. Tenho visto companheiros de partido apresentarem uma visão maniqueísta da realidade. O PT contra o PSDB. Ou seja, nós somos o bem e eles o mal.

Existem outras forças políticas que têm posições ora alinhadas com o PT, ora com o PSDB, de acordo com a dimensão específica do exercício de um determinado governo. Essas forças estão vivas e não podem ser ignoradas como muita gente faz. É um equívoco o PT eleger o PSDB como seu único adversário, como se outras forças políticas não existissem no cenário brasileiro. Isso é subestimar a existência de outras forças, que podem ser nossas aliadas ou adversárias, até com maior ferocidade do que o PSDB.

"Tenho visto companheiros de partido apresentarem uma visão maniqueísta da realidade. O PT contra o PSDB. Ou seja, nós somos o bem e eles o mal"

Como essas forças se posicionam ideologicamente em relação ao PT?

Temos forças mais à esquerda e à direita do PT, em diversas dimensões. Esse "tucano-estrelo-centrismo", permita-me a expressão, é absolutamente equivocado. É real do ponto de vista de uma polarização política. Mas absolutamente irreal e metafísico quando se fala da inexistência de outras forças políticas.

Recentemente ouvi uma entrevista de um companheiro petista em que ele falava o seguinte: numa eleição em São Paulo só há duas forças, o PT e o PSDB. Isso é absolutamente uma inverdade. Mesmo que em decadência, ainda temos o malufismo vivo na cidade de São Paulo. Isso é perigoso. É fazer um reducionismo da realidade que só nos fará tropeçar no futuro.

"Esse 'tucano-estrelo-centrismo', permita-me a expressão, é absolutamente equivocado (...) É fazer um reducionismo da realidade que só nos fará tropeçar no futuro"

Em relação à crise na base aliada, há um problema de falta de liderança no Congresso?

O problema é de entendimento mesmo. Existe uma série de questões de relações dentro da base governista que precisam ser superadas. Uma questão que tem atrapalhado muito é a emenda da reeleição, que é uma proposta da Casa e não do governo. Enquanto não se abandonar esse projeto, dificilmente o equilíbrio e a recomposição voltarão a existir na base governista. É claro que existem outros fatores, mas creio que esse é um dos aspectos fundamentais que têm levado a esse problema.

"Enquanto não se abandonar esse projeto (emenda da reeleição), dificilmente o equilíbrio e a recomposição voltarão a existir na base governista"

Falta ainda a iniciativa dos presidentes da Câmara e do Senado de abrirem mão da reeleição?

O ideal seria que os presidentes da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), anunciassem de público que esse projeto está abandonado. A partir do momento que fizerem isso, o ambiente ficará bastante desanuviado, ainda que não se resolva todo o problema.

A emenda, então, não incomoda apenas o PMDB?

Embora a discussão esteja mais focada no PMDB, a emenda incomoda diversos segmentos políticos dentro da Casa. Acho difícil retomar o processo de votação enquanto isso não for superado. Seria um gesto de grandiosidade dos presidentes da Câmara e do Senado se eles afirmassem publicamente que não querem mais a reeleição.

"Seria um gesto de grandiosidade dos presidentes da Câmara e do Senado se eles afirmassem publicamente
que não querem mais a reeleição"

Por que esse assunto incomoda tanto?

Há várias leituras para isso. Pessoalmente, sou contra porque considero inaceitável que se altere a Constituição por uma situação casuística, para favorecimento de pessoas que atualmente têm mandato. Até discutiria com muita curiosidade alteração na Constituição para situações futuras, mas não para alterar a lei maior do país para manter dois presidentes, por melhores que eles sejam. Reconheço, inclusive, o presidente João Paulo como um dos melhores que esta Casa já teve.

É incorreto politicamente dizer mais uma vez que as pessoas valem mais do que as instituições. Essa é a minha avaliação. Há, na Câmara, quem se incomode com o assunto por questões políticas maiores e outros que se prendem a avaliações casuísticas de que esse ou aquele presidente não deve continuar.

Outro problema enfrentado pelo governo advém da demora na liberação das emendas parlamentares. O governo não está se submetendo ao tradicional jogo do "toma-lá-dá-cá", que o PT sempre condenou?

Esse é um problema que não é deste governo, mas do sistema. Enquanto não tivermos uma reforma política que mude as relações do partido com os parlamentares e desses com a própria dimensão de uma base de sustentação do governo, teremos sempre isso.

Na medida em o candidato é eleito individualmente, os governos acabam enfrentando situações em que o parlamentar tem vida própria independentemente do partido. Com isso, o governo é obrigado a fazer negociações individuais para atender aos pleitos individuais dos parlamentares. Mas, às vezes, esses pleitos colidem com as linhas programáticas do governo. Quando se coloca a coisa nessa dimensão, do ponto de vista da maioria, você acaba tendo uma negociação que não é a melhor pra ninguém. Não é boa para o Parlamento nem para o Executivo.

"Na medida em o candidato é eleito individualmente,
os governos acabam enfrentando situações em que
o parlamentar tem vida própria independentemente
do partido"

Qual a melhor maneira de mudar isso?

Fortalecendo-se os partidos. Assim, os governos vão ser compostos pelos partidos e a negociação vai deixar de ser pulverizada com os parlamentares para se dar com as legendas. A única maneira de fazer isso é por meio da reforma política que se discute na Casa.

Uma reforma que tenha, além do financiamento público de campanha, o voto em lista, de maneira que os parlamentares não tenham mais aquela relação clientelista com sua base eleitoral, mas uma relação de formulação política partidária. Para se eleger, o candidato precisará ter presença partidária e não o voto de uma clientela.

Quais as mudanças práticas?

Haverá uma mudança na própria concepção das relações internas do Parlamento e na relação do Congresso com o Executivo, porque o parlamentar não vai precisar mais atender a uma clientela política para se eleger. Teremos, com a reforma política, uma relação entre governo e partido e não mais entre governo e parlamentar. Essa mudança de ótica é imprescindível para o país. O modelo atual está exaurido. Não há governo que consiga governabilidade hoje sem fazer concessões nesse plano. Agora, é uma governabilidade que tem um custo que não agrada a ninguém mais no país.

"Teremos, com a reforma política, uma relação entre governo e partido e não mais entre governo e parlamentar. O modelo atual está exaurido"

O modelo pode estar exaurido, mas muitos parlamentares ainda tiram proveito dele...

O bom parlamentar é eleito com a expectativa de atender a sua clientela. Se ele não a atende, é recriminado nas urnas. Para atender a sua clientela, o parlamentar tem de forçar o governo a negociar com ele. O governo, então, tem de conceder situações individuais que, às vezes, fogem aos seus problemas. Você acaba tendo conflitos entre os problemas de governo e a negociação com a clientela. Isso é insuperável. O parlamentar fica como co-partícipe do Executivo para poder ser um despachante de sua clientela perante o poder público. É um sistema absolutamente insustentável do ponto de vista republicano, que defende a separação dos poderes.

"O parlamentar fica como co-partícipe do Executivo
para poder ser um despachante de sua clientela
perante o poder público"

Como convencer os demais parlamentares de que esse modelo está exaurido?

Fazendo-se a reforma política. A partir do momento em que tivermos a lista fechada - quando o eleitor vai votar no partido e não mais no candidato -, o parlamentar não vai mais ter uma clientela como fator de sobrevivência política. O partido passará a negociar políticas, a sua participação ou os seus programas com o governo. Enquanto não tivermos mudança nessa estrutura, dificilmente um governo governará em outros padrões. Isso não é culpa do governo Lula nem do governo Fernando Henrique Cardoso. É culpa de um sistema nosso que está absolutamente superado.

Alguns partidos da base governista já se posicionam contra a reforma política. Não há o risco de se criar uma crise nessa base - a exemplo do que ocorre com a emenda da reeleição -, assim que a proposta for levada a plenário?

Haverá resistência, mas em outra dimensão. Na questão da emenda da reeleição, a discussão é voltada especificamente para o casuísmo. No caso da reforma política não há casuísmo, mas tese. É uma discussão muito mais profunda.

É um paradoxo que partidos da base aliada sejam contra uma reforma política que fortalece os partidos. Parece-me estranho que um partido não queira ser fortalecido. É uma questão que só se explica do ponto de vista cultural. As pessoas aprenderam a ver esse sistema e têm dificuldade em deixá-lo. Falam como se ele fosse uma realidade histórica e atemporal. Esse tipo de cultura é que impede as pessoas de terem a segurança de perceber que a mudança será melhor para a democracia, a governabilidade e o fluxo do debate de idéias e ideologias.

"É um paradoxo que partidos da base aliada sejam
contra uma reforma política que fortalece os partidos"

A principal crítica que se faz à lista fechada é que ela vai dificultar a renovação dentro do partido e beneficiar apenas a cúpula partidária. Não há esse risco?

O sistema atual beneficia hoje quem tem dinheiro. Quem ganha ou pode ganhar uma eleição no Brasil são aqueles que têm muito dinheiro. Quando tivermos a lista fechada e o financiamento público de campanhas, teremos uma relação isonômica na disputa. A pessoa, para ser forte eleitoralmente, precisará ter força dentro do partido.

Há quem diga que não há partidos, com uma ou outra exceção, no Brasil...

Mas não tem exatamente porque o sistema é esse. A partir do momento em que se mudar o sistema, as formações partidárias serão obrigatórias. Os partidos que não respeitarem as divergências entre suas correntes serão esvaziados, porque as pessoas vão buscar outra legenda na qual suas pretensões possam ser atendidas. A mudança cultural é lenta, requer ajustes.

Passada uma década após essa reforma, o Brasil terá outro patamar democrático, muito mais elevado, com os partidos fortalecidos. Não teremos mais essas coligações que não têm sentido ideológico nenhum e que são fruto de um sistema em que prevalece a pessoa e não a idéia. Em que prevalece, na verdade, a figura vendida na campanha eleitoral como um produto em vez das propostas políticas.

Isso tudo vai implicar uma radical mudança, inclusive no comportamento do parlamentar, da relação do parlamentar com a sociedade, da relação do partido com a sociedade, da relação do governo com o parlamento e do governo com a sociedade.

O governo está empenhado nessa reforma política?

Não tem muito sentido o governo se empenhar porque essa é não é uma proposta governamental. Há alguns grupos suprapartidários envolvidos com a reforma. No PT, apesar de não haver posição fechada, a maioria da bancada, creio eu, é favorável à reforma. Mas nós temos gente que é contra. No PSDB e no PFL há expressiva maioria favorável. O presidente do PMDB, Michel Temer, já disse que é favorável à reforma.

A questão da reforma política é a mais importante desta legislatura. Se não conseguirmos aprovar uma reforma política, seremos profundamente derrotados na perspectiva de transformar as relações governamentais e parlamentares no Brasil.

"Se não conseguirmos aprovar uma reforma política, seremos profundamente derrotados na perspectiva de transformar as relações governamentais e parlamentares no Brasil"

Ela é mais importante do que a reforma do Judiciário?

Eu acredito que a reforma política é a mãe de todas as reformas. Na hora que você tiver um país equilibrado politicamente, todas as outras reformas serão mais fáceis de serem efetivadas. A própria reforma do Judiciário teria saído com muito mais rapidez.

É bom que se diga que apenas uma parte da reforma está sendo concluída. A reforma do Judiciário passa por uma dimensão constitucional, infraconstitucional (lei complementar e ordinária) e por questões relativas a gestão. O que o Senado concluiu foi apenas uma etapa da reforma constitucional. Uma parte dessas mudanças ainda terá de voltar para a Câmara, em que pese que coisas importantes já possam ser promulgadas, algumas para o bem e outras para o mal.

O senhor se refere a que pontos?

Eu, por exemplo, sou favorável ao controle externo, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, e radicalmente contra a súmula vinculante, dois pontos que já podem ser promulgados. Todos os deputados da bancada do PT são contra a súmula vinculante. Mas nossa bancada no Senado, lamentavelmente, votou a favor. Os nossos senadores romperam com uma posição histórica do PT. A súmula vinculante é um grave equívoco do ponto de vista político e pragmático. Ela vai trazer mais confusão para o sistema judiciário do que resolver problemas.

"Os nossos senadores romperam com uma posição
histórica do PT. A súmula vinculante é um grave
equívoco do ponto de vista político e pragmático"

Por quê?

A interpretação que o juiz faz da lei não é neutra. A partir do momento em que dou um poder absoluto e irrestrito a um magistrado para formular normas gerais, dizendo o que a lei diz, estou dando a ele, no fundo, o poder de legislar. Ou seja, de criar a lei que fixa o sentido da lei. O magistrado não é eleito. Os juízes do STF (Supremo Tribunal Federal) têm cargo vitalício, não têm mandato popular. Eles acabarão tendo um poder maior do que o do próprio Congresso Nacional.

O STF vai poder tudo em relação às leis. Não só em casos concretos, mas genéricos também. Vou dar um exemplo. Vamos imaginar que a Câmara aprove o seguinte: aqueles que comprarem telefone cinza terão de pagar 5% de imposto. O Supremo, então, baixa uma súmula vinculante dizendo: entende-se por cinza tudo aquilo que não é preto ou branco. Vai valer a decisão do STF, por mais que o Legislativo não quisesse estabelecer aquilo.

Isso, a meu ver, implica uma distorção democrática. Então, pode-se dizer que essa é uma interpretação que precisa ser revista. Mas quem vai revê-la? O próprio Supremo. Pode-se dizer que a interpretação é inconstitucional. É preciso entrar com uma ação de inconstitucionalidade. Quem vai julgá-la? O próprio Supremo. Quer dizer, os que vão fixar a interpretação da lei serão os mesmos que poderão rever e dizer que o que eles disseram é inconstitucional.

"Eles (ministros do STF) acabarão tendo um poder
maior do que o do próprio Congresso Nacional"

Na prática, a súmula vinculante transforma o Judiciário, mais especificamente o Supremo, em um superpoder?

É a afirmação de um superpoder que desequilibra a relação entre os poderes. Quando se fala numa ditadura do Judiciário, acho que é essa a dimensão. Dá-se um poder supremo ao Supremo, o que me parece ruim para o equilíbrio num Estado de Direito.

Outro aspecto que também me parece grave é o processual mesmo. Caso um juiz descumpra uma súmula vinculante, a parte que se sentir atingida pelo descumprimento do juiz poderá apresentar uma reclamação direta no STF. Isso vai atolar o STF de processos, exatamente ao contrário que se alega. Em vez de simplificar, vai complicar as coisas. Acho isso um desastre processual.

Há ainda uma outra questão. O juiz, diante de um caso concreto, apresenta novos argumentos e invoca novas realidades para que os tribunais superiores mudem suas decisões. Quando se cristalizar a súmula vinculante, o Supremo sequer vai conhecer as razões que vêm debaixo até para refletir melhor sobre o que já foi decidido. Vai retirar um oxigênio importante para a jurisprudência, que é o argumento em contrário.

Uma súmula que foi dada 30 anos atrás talvez hoje não se mostre adequada à realidade. Como fazer com que os tribunais superiores percebam a necessidade de rever as súmulas se não tivermos essa oxigenação do sistema? Por isso, sou favorável à súmula impeditiva de recursos.

"É a afirmação de um superpoder que desequilibra a relação entre os poderes. Quando se fala numa ditadura do Judiciário, acho que é essa a dimensão"

Qual a vantagem da súmula impeditiva, que está, inclusive, na PEC que virá para a Câmara?

Ela não se refere ao Supremo, mas aos tribunais superiores. A súmula impeditiva diz o seguinte: quando um juiz decidir em acordo com o que o tribunal superior disse, não caberá recurso. Ou seja, o juiz terá o direito de discordar. Aí o tribunal superior vai conhecer os argumentos do juiz, até para meditar se os novos fatos não podem implicar a revisão daquilo que eles decidiram anteriormente.

Parte da solução estaria na reforma infraconstitucional?

A verdadeira reforma do Judiciário passa pela mudança na legislação infraconstitucional. É através dela que você vai atacar a morosidade da Justiça de uma forma mais firme, através da eliminação de recursos, da maior racionalidade na distribuição dos processos, com a criação de mecanismos inovadores que permitam a melhor destinação de verbas para o Judiciário.

O grosso da reforma passa por mudanças na legislação infraconstitucional. A Secretária Especial da Reforma do Judiciário já encaminhou alguns projetos, mas ainda há muito o que se fazer. É ilusão imaginarmos que a parte constitucional faz a reforma do Judiciário. A reforma do Judiciário é muito mais ampla do que essa mudança que está sendo feita.

"É ilusão imaginarmos que a parte constitucional
faz a reforma do Judiciário"

Qual o alcance prático dessa reforma infraconstitucional?

Vou dar um exemplo. Hoje, você pode ter uma ação e uma sentença. Mas para fazer com que ela seja cumprida é preciso mover um novo processo, o de execução. O governo já enviou um projeto saudável que torna o processo de execução numa continuidade do primeiro processo. Não vai ser preciso um segundo processo para se fazer cumprir o primeiro. Medidas como essa podem simplificar bastante o processo e tornar mais ágil a prestação da Justiça, que é um dos principais problemas que nós temos no país.


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