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Congresso em Foco
25/8/2006 | Atualizado às 0:51
Soraia Costa
Há mais um sonho em comum entre os principais candidatos à Presidência da República além de conquistar o Palácio do Planalto: o de ser Juscelino Kubitschek. Quem não quiser sofrer dupla frustração que trate de reunir o máximo de votos, pois nenhum deles tem criatividade e ousadia suficientes para se comparar ao mais popular presidente da história do país. A opinião é do jornalista Cláudio Bojunga, autor da mais completa biografia já escrita sobre o ex-presidente - "JK, o artista do impossível" (Editora Objetiva, 798 páginas).
"Ele (Juscelino) conseguiu criar um clima de confiança no país, de aposta do brasileiro nele mesmo, que resultou em um florescimento cultural como nunca mais houve E o Brasil perdeu essa confiança em si próprio e ninguém que veio depois dele conseguiu resgatar isso", afirma Bojunga. "Ele era formado pela escola mineira e conhecia política com a palma da mão, o que não é o caso de nenhum dos candidatos atuais", completa o jornalista que, ao longo de dez anos, ouviu mais de 150 pessoas para contar a história de um homem, uma época e um país que já não existem mais.
Uma trajetória interrompida às 18h do dia 22 de agosto de 1976, quando um ônibus da Viação Cometa tocou um Opala dourado que seguia na altura do quilômetro 165 da Via Dutra, no sentido São Paulo-Rio, perto de Resende (RJ). O toque foi suficiente para desgovernar o Opala, que ganhou velocidade, atravessou o canteiro central da pista e se chocou com uma carreta Scania, que vinha na direção contrária. JK e o motorista Geraldo Ribeiro morreram na hora.
Passados 30 anos de sua morte, Juscelino ainda continua a desafiar seus sucessores e a acumular candidatos a herdeiros de sua popularidade. Os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso já se declararam admiradores de JK (leia mais sobre o ex-presidente).
Paciência, paciência
Há exatamente um ano, no auge da crise política, ao lembrar que o ex-presidente também foi alvo de denúncias de corrupção, Lula saiu-se com esta: "Não farei o que fizeram Getúlio Vargas, nem Jânio, nem João Goulart. Meu comportamento será o que teve Juscelino Kubitschek: paciência, paciência e paciência, porque a verdade prevalecerá". Nos últimos dias, no horário eleitoral, o candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, também tentou associar sua imagem de tocador de obras à do idealizador de Brasília.
JK sob crítica
Nesta entrevista ao Congresso em Foco, a exemplo do que fez em seu livro, Bojunga rebate as tradicionais críticas de que o governo Juscelino teria detonado a explosão da dívida externa brasileira, despertado o dragão da inflação e fomentado a corrupção. "Acredito que abrir a economia foi virtude e não entreguismo. A questão da não honestidade foi uma calúnia e a questão de a inflação ter sido culpa de JK foi uma besteira monumental. Não tem como se comparar a inflação de Sarney que chegou a 1.400% ao ano com a inflação dos anos JK que, depois que fez Brasília, chegou a 28%, 30% ao ano", ressalta.
Nos "anos dourados", a taxa de crescimento da economia nacional chegou a 7% e o salário mínimo alcançou, em 1957, o maior patamar de sua história - o correspondente hoje a R$ 695,33 (valor atualizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese). "Uma marca dele e que eu não vejo em nenhum dos políticos modernos era a imaginação, a criatividade", observa Bojunga. "O que faria Lula ou FHC nos tempos de Juscelino? Será que eles conseguiriam fazer tudo aquilo?", questiona o jornalista.
Lula, o "neto"
O autor de "JK, o artista do impossível" é irônico ao comentar as reiteradas tentativas de Lula em se apresentar como herdeiro do "presidente bossa nova". "Ele (JK) é o fundador não só de Brasília mas também da São Paulo moderna. Nesse sentido, o Lula é neto dele. Se não fosse por JK, Lula ainda estaria em Garanhuns (PE) até hoje, quebrando coco babaçu. Lula virou operário, torneiro-mecânico e depois um líder porque entrou em um setor moderno da economia."
Veja, a seguir, a entrevista de Cláudio Bojunga:
Congresso em Foco - A maioria dos atuais políticos costuma se comparar ao ex-presidente Juscelino Kubitschek. Existe algum candidato à Presidência nestas eleições que se assemelhe a JK?
Cláudio Bojunga - Não. Primeiro ele era formado pela escola mineira e conhecia política com a palma da mão, o que não é o caso de nenhum dos candidatos atuais. Segundo, ele tinha uma jovialidade, um temperamento extremamente afável e jovial que nenhum deles têm. E ele tinha uma capacidade de trabalho difícil de encontrar.
A época era outra também, mas o que marcou nele - e que nenhum outro conseguiu repetir a façanha - foi reunir três elementos muito difíceis de se agregar: JK fez com que o Brasil crescesse a uma taxa quase que chinesa de 6% a 7%. Enquanto hoje o patamar não passa de 4%. Segundo, ele foi um democrata impecável. O Brasil cresceu muito no governo militar, mas não tinha democracia.
Terceiro, ele conseguiu criar um clima de confiança no país, de aposta do brasileiro nele mesmo, que resultou em um florescimento cultural como nunca mais houve. Uma ampliação da cultura popular, do esportismo, das invenções, do concretismo, dessa vontade da modernidade. E o Brasil perdeu essa confiança em si próprio e ninguém que veio depois dele conseguiu resgatar isso.
Por exemplo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez coisas importantes para a economia, mas foi isso, não houve florescimento cultural e o Brasil continua duvidando dele mesmo. Então eu acho que essa saudade de JK está ligada a esse conjunto de características que até agora nenhum outro político conseguiu reunir.
O presidente Lula já usou JK para rebater as denúncias contra o seu próprio governo. Disse que também acusavam Juscelino de corrupção. O senhor vê paralelo entre as duas situações?
A diferença é que no caso de Juscelino nunca houve comprovação de nada. O governo dele foi passado pela peneira do regime militar e mesmo assim não encontraram provas nem indícios de corrupção. A declaração de bens de quando JK morreu não correspondia em absoluto às calúnias que Carlos Lacerda dizia contra ele. Diferentemente de agora, quando a gente está vendo as provas na nossa frente com CPI e essas coisas.
Agora, ser atacado como corrupto, todo mundo é atacado. Então é preciso tomar muito cuidado. O Lula não passou pela peneira do regime militar, mas já se descobriu que em seu governo existiu corrupção, mesmo que ele não tenha participado dela.
Esse é um dos três mitos que rebato em meu livro. Primeiro, acredito que abrir a economia foi virtude e não entreguismo. A questão da não honestidade foi uma calúnia e a questão da inflação ter sido culpa de JK foi uma besteira monumental.
Não tem como se comparar a inflação de Sarney que chegou a 1.400% ao ano com a inflação dos anos JK que, depois que fez Brasília, chegou a 28%, 30% ao ano.
A inflação dos anos Sarney não estava alta porque tudo começou ali, com JK?
Nada. A inflação de Sarney não tem nada a ver com o que aconteceu lá atrás. No período Jânio Quadros essa desestabilização já tinha sido equacionada. Tanto é que a inflação de depois do plano de estabilização, quando começou o governo militar, era mínima. Tudo isso ajuda a aumentar essa mitologia de que ele era corrupto. E o reverso disso é que todo mundo queria ser ele. Fernando Henrique Cardoso disse isso uma vez: "Eu gostaria mesmo era de ser JK". O Lula também falou que Juscelino era o político que ele mais admirava. Então é estranho. Se ele era tão ruim por que todos queriam ser ele?
Vendo a biografia, é possível perceber que o senhor passou a gostar de JK depois de conhecê-lo melhor...
A diferença entre os historiadores brasileiros e americanos é que os brasileiros se contentam com tudo que não dá certo. Uma república que não é de verdade, uma democracia de mentira, a idéia de que no fundo todo mundo rouba. Não quis ser assim. Limitei-me a ver o Brasil que deu certo. E um sentimento pessoal meu dizia que JK era diferente.
Se estivesse vivo hoje e com a personalidade que tinha, como o senhor acredita que JK reagiria. Será que ele conseguiria estimular o crescimento como naquela época?
Essa é uma situação muito hipotética. É o mesmo que perguntar o que faria Fernando Henrique Cardoso ou Lula durante os anos 50. Mas eu acho que aquela época foi muito mais difícil. Temos que relembrar, primeiro, que o mundo estava dividido, em meio à guerra-fria. As dúvidas eram grandes.
Juscelino assumiu o poder após o suicídio de Getúlio Vargas, quando o país estava dilacerado e cheio de armações de golpe militar. O exército estava rachado. De um lado com o general Golbery do Couto e Silva, que liderava os oposicionistas, e do outro o general Henrique Lott, que apoiou JK.
Ou seja, o país estava terrível e mesmo assim, Juscelino conseguiu dar um jeito. Hoje os problemas são menores, a democracia está consolidada. O Brasil faz parte do Grupo dos 20, da Organização Mundial do Comércio. O presidente Lula é um ex-operário, líder sindical e mesmo assim o Bush (presidente norte-americano) o recebe numa boa.
Quer dizer, o mundo não está tão ruim quanto estava. O país está bem. Tem patamar de desenvolvimento econômico, quer dizer, o país não é uma grande fazenda de café como quando JK pegou o governo. E eu me pergunto: "O que faria o Lula ou o FHC nos tempos de Juscelino?" Será que eles conseguiriam fazer tudo aquilo?
Então o senhor acha que JK faria muito mais pelo país nos dias de hoje?
Eu acho que Juscelino foi o melhor presidente que o Brasil teve no século XX. Foi o mais republicano. Não como Getúlio Vargas, que foi um ditador. Sem desmerecer Vargas, que também foi um grande presidente, mas ele foi um ditador, um tirano que disse que as Constituições são feitas para serem violadas. Essa frase absolutamente antidemocrática do ponto de vista político nunca seria dita por JK.
Agora, para começar a comparar, seria a mesma coisa que perguntar se Franklin Roosevelt (presidente dos Estados Unidos entre 1933 e 1945) faria mais hoje do que fez George W. Bush.
Qual a maior dificuldade para o crescimento do Brasil de hoje?
O Brasil sofreu tanto com a escalada da inflação, não a de JK, mas a da época militar, que ficou vacinado contra esse histerismo. Mas ao mesmo tempo, criou-se uma idéia errada de que o crescimento do país custará a estabilização. Criou-se uma camisa de força dizendo que, se você dá crédito, desestabiliza. Então, na verdade, o Brasil está vivendo uma financeirização da economia que prejudica a iniciativa logística e diminui os recursos para transporte, energia e educação. O país não está crescendo. O desemprego está alto, o país está pagando cada vez mais, gastando mais. E eu acho que nenhum presidente está preocupado ou tem ousadia para mudar isso.
JK é muito criticado por ter priorizado a construção de rodovias e há muitos especialistas que dizem que boa parte dos problemas estruturais do país vem desde aquela época e em conseqüência dessa escolha. O senhor concorda com isso?
Não concordo. Naquela época o processo de industrialização foi feito com investimento externo pesado. O que aconteceu foi que ele substituiu a prática do empréstimo pelo incentivo ao investimento externo. No período, a Europa estava recuperada da guerra e tinha capital disponível para investir. JK percebeu que o caminho para a modernização do país, a criação de emprego e tecnologia viriam daí. A gente não tinha dinheiro para fazer uma rede ferroviária e eles queriam abrir o país para a indústria automobilística. Então vieram os europeus: Peugeot, Renault, Volkswagen e aplicaram dinheiro para que os carros andassem. Era preciso fazer um processo de modernização. Hoje é que nós deveríamos cobrar por que não se investe em rede ferroviária. Agora é que é o momento de cobrar. A rede ferroviária quem está fazendo é a Vale do Rio Doce. A logística está saindo de uma grande empresa e não do governo. Quando JK leva as grandes indústrias automobilísticas para São Paulo, ele não cria só carros, ele faz um compromisso de nacionalização crescente, cria emprego e leva tecnologia para a cidade. Por isso São Paulo é o que é.
De alguma forma ele também é responsável pelo crescimento de São Paulo?
Ele é o fundador não só de Brasília mas também da São Paulo moderna. Nesse sentido, o Lula é neto dele. Se não fosse por JK, Lula ainda estaria em Garanhuns (PE) até hoje, quebrando coco babaçu. Lula virou operário, torneiro-mecânico e depois um líder porque entrou em um setor moderno da economia. Não dá para se modernizar a partir do nada, mas a partir das condições que se tem e, naquela época, a indústria automobilística era o que se tinha. Os países ricos não queriam gastar dinheiro com a gente. Não queriam investir no quintal deles. Era preciso fazer ginástica para se conseguir incentivo. A modernização a partir da indústria automobilística era o que a gente tinha, mas é preciso cobrar a continuação agora.
O que tinha na personalidade de JK que a gente vê pouco hoje na política?
Ele tinha uma personalidade absolutamente democrática. Teve uma origem pobre, modesta. Naquela época em Diamantina as condições eram ruins para todos. Podia se considerar rico quem tinha água todo dia para tomar banho. Coisa que nem dá para se comparar com os políticos de hoje em dia.
Mas ele não ficou nessa de ser pobre. Fez medicina, conseguiu se formar e se tornou um médico bem estabelecido. Casou-se com dona Sarah, que era uma família tradicional de políticos mineiros. Foi combatente em São Paulo. E era apaixonado pela modernidade. Uma marca dele e que eu não vejo em nenhum dos políticos modernos era a imaginação, a criatividade.
Pampulha (em Belo Horizonte) e Brasília são símbolos disso. Ele traça o Plano de Metas para o país e cria um vínculo com a modernidade. E Brasília não estragou o país, pelo contrário, foi o Brasil que estragou Brasília, colocando esses políticos corruptos sanguessugas lá.
O senhor destaca as manifestações culturais daquela época como um ponto positivo, seria o caso de se incentivar mais a cultura brasileira para se resgatar esse otimismo dos anos JK?
Não era só pela atividade cultural. Era toda uma atmosfera de otimismo. O Brasil começou a acreditar nele mesmo e, como disse Cacá Diegues, nós corremos atrás do país. O Brasil, que não ganhava nada, passou a lutar. Isso não se consegue em laboratório. Não basta colocar um ministro da cultura cantor, não que eu não goste de Gilberto Gil, pelo contrário, mas isso não resolve o problema. Não é o Estado que resolve, é a atmosfera de uma época. Tem um momento em que as musas resolvem inspirar um país, mas nenhum ministério pode trazer as musas. É preciso algo mais forte.
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