Emanuel Medeiros Vieira*
Já é tarde para consertar.
Não, não serei nostálgico.
Não falarei de quintais, de árvores.
Já é tarde para consertar - repito.
O modelo urbano foi esse: poeira, pó e ganância.
A cobiça dos teus alcaides, dos teus "construtores", dos teus políticos, sempre foi mais forte.
Teus homens públicos não te mereceram.
É claro: nunca te amaram
E muitos resolveram silenciar: é um réquiem o que queria escrever.
Mas um réquiem deve ter nobreza trágica.
Minhas palavras não: são pálidas, conscientes de sua inutilidade.
O tempo já não cabe dentro de mim.
Uma ilha habita o meu coração
, mas não existe mais.
Já é tarde para consertar - caio na redundância.
(Qualquer palavra será inútil.)
Um dia, talvez, ela seja lembrada.
Minha ilha é nevoeiro.
(Com suas gaivotas, com seus meninos, com seus trapiches, com suas casas, com seus terrenos, com os seus verdes, com os seus pássaros, com suas praias - sem turistas deslumbrados.)
E nos teus morros, a gente poderia subir a qualquer hora do dia.
E morro (morremos): de doenças crônicas, de omissão, de complacência com a corrupção, de vaidades vãs.
Quem se lembrará dessa gente tão pequena que se apossou de ti, ilha natal?
É como se visse uma iluminada fogueira num junho qualquer - que nunca se apaga.
(Missa do Galo, tainha frita, o orvalho daquela manhã, e aquela praia chamada Lagoinha - no extremo Norte de ti -, ainda silenciosa e sem abutres.)
Ela, a Ilha (perpétua, imanente) continuará: para sempre:
Em um ser que ainda está sendo gestado - contemplando um álbum de fotografias num domingo à tarde.
Pai: Dissipa essa cerração!
Eu sei: "Todo ser humano tem dentro de si um vazio do tamanho de Deus."
(Fiódor Dostoievski)
(Salvador, agosto de 2011)
*Nasceu em 1945 (Florianópolis, SC).Foi professor, cineclubista, crítico de cinema, vendedor de livros, editor, jornalista e redator de discursos. Foi membro do Conselho Editorial do jornal "Movimento" e correspondente em Santa Catarina do semanário "Opinião". Atualmente, reside em Salvador. Tem 20 livros publicados e mais três para editar. Participou de mais de cinquenta antologias e coletâneas no Brasil e no exterior. É detentor de diversos prêmios literários nacionais, como o Prêmio Internacional de Literatura, promovido pela União Brasileira de Escritores - UBE, em 2010 e o "Prêmio Lúcio Cardoso" para o melhor romance - na avaliação da entidade -, publicado no Brasil em 2009.