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Eleições
22/8/2025 9:00
Não sou advogado, mas como cidadão e estudioso da vida pública gostaria de compartilhar minha compreensão sobre as questões jurídicas que envolvem a inelegibilidade no Brasil. Muito tem se falado, nos últimos anos, sobre o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, e acredito ser importante explicar, de forma técnica e cronológica, o que significa estar inelegível, quais são os fundamentos legais dessa condição e como os tribunais têm tratado especificamente a sua situação. Meu objetivo aqui é esclarecer, com base em documentos jurídicos e decisões oficiais, o que está em jogo para o processo eleitoral de 2026 e os anos seguintes.
O que significa inelegibilidade?
Sempre que ouço a palavra inelegibilidade, percebo que há interpretações confusas. Muitos acreditam que alguém considerado inelegível pode disputar a eleição e apenas seria impedido de tomar posse, caso eleito. Essa visão é incompleta.
Na realidade, inelegibilidade significa o impedimento jurídico de concorrer a um cargo eletivo. Trata-se da perda da capacidade eleitoral passiva - o direito de ser votado. Uma pessoa inelegível até pode se filiar a um partido, pode apoiar um candidato, pode fazer campanha para terceiros, mas não pode se tornar candidata válida.
A Justiça Eleitoral, no ato de registro, analisa se o nome apresentado por um partido está livre de restrições. Se houver inelegibilidade, o registro é indeferido. Isso significa que a candidatura não será sequer reconhecida como legítima.
Esse mecanismo é uma forma de proteger o equilíbrio da disputa democrática. Se não houvesse inelegibilidade, pessoas condenadas por abuso de poder poderiam repetir a mesma conduta em eleições sucessivas, desequilibrando o processo.
Do ponto de vista jurídico, é um instrumento de preservação da moralidade administrativa e da lisura do pleito. Do ponto de vista prático, é um recado ao eleitor: certas condutas não podem se repetir sem consequência.
A base constitucional e legal da inelegibilidade
A Constituição Federal de 1988 é clara: em seu artigo 14, §9º, estabelece que lei complementar definirá casos de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa e a normalidade das eleições contra o abuso de poder econômico ou político.
A lei que regulamenta esse dispositivo é a Lei Complementar nº 64/1990. Ela lista situações específicas em que alguém se torna inelegível, incluindo:
Em 2010, o Congresso aprovou a chamada Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), resultado de um movimento popular. Essa lei ampliou as hipóteses de inelegibilidade e deu mais rigor às sanções, prevendo prazos de oito anos de impedimento para quem fosse condenado em decisão colegiada.
A mensagem era clara: o sistema político precisava de filtros éticos.
O contexto do caso Bolsonaro
Para entender como o ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou inelegível, é preciso voltar a julho de 2022. Ele estava em fim de mandato, prestes a disputar a reeleição. Em 18 de julho daquele ano, convocou embaixadores estrangeiros ao Palácio da Alvorada.
Na reunião, transmitida pela TV Brasil - emissora pública -, Bolsonaro fez críticas diretas ao sistema eleitoral, às urnas eletrônicas e ao próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O episódio teve repercussão imediata: partidos de oposição alegaram que havia ali uso indevido da máquina pública e da comunicação oficial.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) apresentou uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra a chapa Bolsonaro-Braga Netto. A acusação: abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Essa ação foi o estopim de um processo que, no ano seguinte, mudaria a vida política do ex-presidente.
O julgamento no TSE (junho de 2023)
O julgamento aconteceu entre 22 e 30 de junho de 2023, sob relatoria do ministro Benedito Gonçalves.
Na prática, o TSE avaliava se a conduta de Bolsonaro - usar a estrutura do Estado para atacar o sistema eleitoral em rede pública - configurava abuso de poder.
Por maioria de 5 a 2, os ministros decidiram que sim. Os votos vencedores entenderam que houve desequilíbrio no processo eleitoral, uma vez que a transmissão pela TV Brasil deu amplitude nacional e internacional ao discurso.
A pena aplicada foi a inelegibilidade por oito anos, contados a partir das eleições de 2022. Isso significa que Jair Bolsonaro só poderia voltar a ser candidato a partir de outubro de 2030.
Esse julgamento foi amplamente noticiado no Brasil e no exterior. O país assistiu, pela primeira vez, um ex-presidente no exercício de forte protagonismo político ser declarado inelegível pela Corte Eleitoral.
Efeitos imediatos da decisão
Desde então, Bolsonaro tornou-se inelegível. Isso traz consequências práticas:
Portanto, na prática, inelegibilidade impede a candidatura antes mesmo da eleição.
O recurso no Supremo Tribunal Federal
A defesa do ex-presidente recorreu ao STF, questionando a decisão do TSE.
Até agosto de 2025, esse recurso ainda não havia sido julgado. A Reuters informou, em checagem recente, que o processo segue parado e sem previsão de apreciação.
Enquanto isso, a decisão do TSE segue valendo. Ou seja, a inelegibilidade continua plenamente eficaz.
O ministro Alexandre de Moraes chegou a afirmar publicamente que "não há a menor possibilidade" de reversão da inelegibilidade antes de 2030.
Isso reforça que, embora exista recurso, o efeito prático hoje é o impedimento.
O debate sobre anistia no Congresso
Um projeto de lei chegou a ser discutido no Congresso, propondo anistiar políticos condenados por crimes eleitorais desde 2016. Caso aprovado, beneficiaria Jair Bolsonaro diretamente.
Mas até agosto de 2025, esse projeto não avançou.
Mesmo que fosse aprovado, especialistas apontam que poderia ser considerado inconstitucional, já que enfraqueceria o princípio da moralidade pública e poderia configurar retrocesso.
O risco de extensão pelo TCU
Outro ponto importante: o TSE encaminhou ao Tribunal de Contas da União (TCU) investigação sobre o possível uso irregular de recursos públicos na reunião com embaixadores.
Se o TCU entender que houve irregularidade insanável, Bolsonaro pode ser enquadrado novamente na Lei da Ficha Limpa, o que estenderia sua inelegibilidade até 2031.
Isso significa que, além de não concorrer em 2026, ele poderia também ser impedido nas eleições de 2030.
Minha análise crítica como cidadão
Ao acompanhar esse processo, vejo alguns pontos importantes:
Tudo isso mostra que inelegibilidade não é apenas um tema jurídico: é também político e cultural.
Síntese e implicações práticas da inelegibilidade
À luz da análise constitucional, legal e jurisprudencial, é possível afirmar que a inelegibilidade representa um instrumento essencial de proteção da legitimidade do processo democrático brasileiro. No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, a decisão colegiada do Tribunal Superior Eleitoral em 2023 estabeleceu inelegibilidade até 2030, consequência do reconhecimento do abuso de poder político e do uso indevido dos meios de comunicação.
Em agosto de 2025, essa decisão permanece plenamente eficaz: o recurso apresentado ao Supremo Tribunal Federal ainda não foi apreciado, não havendo efeito suspensivo. As tentativas legislativas de anistia não prosperaram e, paralelamente, a análise do Tribunal de Contas da União poderá inclusive estender os efeitos da inelegibilidade até 2031.
Assim, sob o ponto de vista jurídico-eleitoral, a conclusão é inequívoca: no atual cenário, não há possibilidade de Jair Bolsonaro participar validamente do processo eleitoral de 2026. O instituto da inelegibilidade, longe de configurar mera formalidade, reafirma-se como mecanismo constitucional de preservação da igualdade de oportunidades entre candidatos, da moralidade administrativa e da normalidade das eleições no Estado Democrático de Direito.
Em resumo, como cidadão que busca compreender, posso dizer:
Portanto, em agosto de 2025, o ex-presidente não pode disputar a eleição de 2026.
Referências
Constituição Federal (art. 14, §9º).
Lei Complementar nº 64/1990.
Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).
Tribunal Superior Eleitoral - Decisão de 30/06/2023.
Glossário Eleitoral TSE - Conceito de Inelegibilidade.
Reuters - Recurso ao STF ainda não julgado.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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