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Antônio Augusto de Queiroz
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A dissimulação e a violência como armas da extrema-direita no Brasil
Democracia
6/10/2025 17:00
As instituições oficiais, criadas para organizar e moldar a vida em sociedade, possuem basicamente três finalidades intrínsecas e complementares: satisfazer necessidades humanas, estruturar as interações ou relações sociais e, não menos importante, determinar, mediante regulação clara, os processos de tomada de decisão que orientam o destino da coletividade e atuação dos agentes econômicos, tendo como objetivo a garantia do bem comum. Este último aspecto é particularmente importante, pois é o que confere previsibilidade e segurança jurídica ao convívio social. Entretanto, vivemos um tempo desafiador, em que o extremismo político antissistema tem atacado frontalmente essas estruturas, questionado sua legitimidade de forma sistemática e provocado uma perigosa desconfiança nas instituições políticas. Apesar desse cenário de tensão, é precisamente nelas, quando lideradas por figuras verdadeiramente democráticas e republicanas, que reside a capacidade de impedir retrocessos graves no sistema político. Esse poder de contenção opera por meio do acionamento eficaz dos mecanismos de freios e contrapesos, um princípio basilar do Estado de Direito.
Nesta coluna, propomo-nos a analisar duas dimensões fundamentais do papel dessas instituições, que funcionam como pilares gêmeos da estabilidade democrática. A primeira dimensão é a dos mecanismos de controle, a cargo principalmente das instituições de prestação jurisdicional, como o Judiciário, e das casas de fiscalização e controle, como o Legislativo em suas funções de supervisão. A segunda dimensão, igualmente vital, é o respeito irrestrito aos processos e ritos preestabelecidos para a tomada de decisões de grande envergadura. Ambos os aspectos são condições indispensáveis para se alcançar decisões equitativas, legítimas e ponderadas, servindo como barreiras contra excessos, arbítrios e descaminhos que possam colocar em risco o Estado Democrático de Direito.
No que tange ao papel das instituições na dimensão de controle, especificamente na contenção de descaminhos e agressões à ordem constitucional, a experiência recente não deixa margem para dúvidas sobre a sua efetividade quando acionadas. Dois exemplos são elucidativos. O primeiro é a fiscalização e o controle rigorosos sobre desvios em emendas parlamentares, matéria objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal, demonstrando que nenhum poder está acima da lei. O segundo, de magnitude ainda maior, foi o enfrentamento firme e a debelação da tentativa de golpe de Estado empreendida por setores radicais da extrema direita e por alguns integrantes das Forças Armadas. O sistema respondeu com a devida correção, inclusive com o julgamento e a punição exemplares dos envolvidos na trama golpista, reafirmando a força das instituições de controle.
Paralelamente a essa função de freio, a dimensão do respeito aos ritos e processos revela-se uma sabedoria profunda inscrita na nossa Carta Magna. Os constituintes foram visionários ao estabelecer prazos de maturação e reflexão para decisões que podem afetar irremediavelmente o futuro do País e da vida de seus cidadãos. Se em contextos de normalidade política esses cuidados já seriam recomendáveis, em tempos de fragmentação partidária e polarização ideológica aguda, como os atuais, eles tornam-se ainda mais prudentes e necessários. São esses ritos que impedem decisões precipitadas, movidas pelo calor do momento ou por paixões transitórias.
Um exemplo clássico e bastante didático dessa prudência é a exigência constitucional de dois turnos nas eleições majoritárias para os cargos do Poder Executivo. Quando nenhum candidato alcança a maioria absoluta no primeiro turno, a realização de um segundo pleito não é uma mera formalidade; é uma oportunidade fundamental para que o eleitorado reflita com mais profundidade sobre a melhor escolha entre os dois mais votados. Trata-se de um intervalo valioso para um debate mais focado, permitindo que o cidadão, de forma mais consciente e menos influenciado por ondas emotivas, sufrague aquele que considera mais adequado para conduzir os destinos do município, do Estado ou da União pelos próximos quatro anos.
O mesmo raciocínio aplica-se com vigor aos ritos e processos legislativos, em especial na tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a norma mais importante após a própria Constituição. O caso recente da chamada PEC da Blindagem, rejeitada pelo Senado Federal, é ilustrativo do acerto do respeito a essas regras processuais. Se a Câmara dos Deputados tivesse seguido integralmente o rito adequado - com a apreciação prévia de sua admissibilidade pela Comissão de Constituição e Justiça, a discussão aprofundada em Comissão Especial e, sobretudo, se não tivesse quebrado o interstício mínimo de cinco sessões entre o primeiro e o segundo turno de votação e não tivesse havido a inclusão de matéria rejeitada por meio de emenda aglutinativa sem base regimental -, certamente a Casa não teria passado pelo vexame de ver sua iniciativa derrotada de forma contundente no Senado. Foi justamente a inobservância e a criação de atalhos em ritos indispensáveis, concebidos para garantir uma análise técnica e adequada de conteúdos constitucionais sensíveis, que levaram a um erro de julgamento político tão evidente, felizmente corrigido pela Casa revisora.
Outro exemplo primordial, que envolve de forma harmônica essas duas dimensões do processo decisório - o controle mútuo e o respeito aos ritos -, foi a sábia divisão de poderes não apenas entre Executivo, Legislativo e Judiciário, mas também dentro do próprio Congresso Nacional, entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Neste desenho institucional brasileiro, inspirado em modelos consagrados, uma Casa controla os possíveis excessos da outra. A ideia de ter uma Casa revisora, o Senado, eleita pelo sistema majoritário e com mandatos mais longos que conferem maior senioridade, para analisar e deliberar com mais cautela sobre decisões da Casa de origem - a Câmara, eleita pelo sistema proporcional e, por sua natureza, mais sensível à volatilidade imediata da opinião pública -, mostrou-se uma decisão extremamente acertada.
Por fim, é preciso sublinhar que instituições fortes, processos delineados com clareza e ritos observados com rigor, com suas regras e restrições aparentemente complexas, não são obstáculos à eficiência. Muito pelo contrário: são fundamentais porque criam ordem, previsibilidade e reduzem incertezas, permitindo que as decisões coletivas sejam mais bem instruídas, ponderadas e legítimas. Essa arquitetura institucional, com seus freios, contrapesos e prazos reflexivos para evitar decisões precipitadas ou apenas para atender ao clamor popular, é a vacina mais eficaz contra as espertezas oportunistas, os arroubos autoritários e os atos inescrupulosos que sempre ameaçam a solidez da democracia.
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