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Cezar Britto
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Política internacional
8/10/2025 13:00
A História da Europa está repleta de páginas marcadas por assassinatos, expulsões, exílios, confisco de bens, humilhações, restrições civis e desprezo ao povo judeu. Embora o alemão Holocausto seja considerado um dos mais graves e infames crimes contra a humanidade, episódios anteriores - como o Gueto Romano de 1555, as perseguições pelos espanhóis dos Reis Católicos, no século XVI, e as fogueiras da Santa Inquisição - revelam que a violência cometida contra os descendentes de Abrão, Isaque e Israel se estendeu por inimagináveis séculos. Não haveria o Holocausto sem o apoio, ativo ou omisso, de governos e de amplos setores da sociedade.
O povo alemão, por exemplo, foi cúmplice e beneficiário dos campos de extermínio, assim como os grandes conglomerados econômicos europeus, estadunidenses e vários outros, que investiram no ódio nazista para aumentarem seus lucros - ainda que seus ganhos viessem empoeirados pelas fuligens dos corpos queimados em fornos. Também foram culpados os países que se fizeram aliados na omissa política de reação aos primeiros crimes cometidos contra os judeus, inclusive se recusando a acolher os poucos sobreviventes que conseguiam fugir das garras de Hitler.
Com a revelação do Holocausto, os envergonhados responsáveis - ainda que pela cumplicidade do silêncio - precisavam de uma resposta urgente para a Questão Judaica. A procura por um refúgio seguro para as vítimas passou a dominar os debates internacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU) se mobilizou, com a condição de que esse refúgio não fosse em solo europeu ou nos Estados Unidos. Nesse contexto, o movimento sionista mostrou sua força, fazendo com que a chamada "Terra Prometida" vencesse as propostas que pretendiam instalar o Estado judeu na ilha de Chipre, na Patagônia, no Congo, em Uganda ou outras regiões desabitadas.
Em 29 de novembro de 1947, a ONU, sob a presidência do brasileiro Oswaldo Aranha, aprovou a Resolução 181, que dividia a Palestina em dois Estados: um judeu e outro árabe. As mudanças dos votos, o elevado número de abstenções, o apoio dos Estados Unidos e da maioria dos países europeus indicavam que forças ocultas dos bastidores tramavam contra os palestinos. O movimento sionista venceu, surpreendendo apenas a quem não conhecia o linguajar oculto do mundo da diplomacia internacional.
O sionismo venceu, mas não convenceu os vencidos. Não trouxe paz tampouco obrigou o vencedor a reconhecer os milenares direitos dos originais habitantes da Palestina. É o que se constata das violações reconhecidas pela Assembleia Geral da ONU, entre elas:
a) Resolução 194/48, que reconheceu o direito de retorno dos palestinos expulsos;
b) Resolução 2.443/68, que exigiu Israel desistir de destruir casas de civis nas áreas ocupadas;
c) Resolução 51/223-1997, que determinou que Israel não construísse assentamentos nos territórios ocupados;
d) Resolução 10/6-1999, que condenou Israel pelo descumprimento das resoluções da ONU, pedindo a interrupção dos assentamentos ilegais;
e) Resolução 10/12-2003, que exigiu o fim da violência e que Israel não deportasse ou ameaçasse a integridade de Arafat;
f) Resolução 10/13-2003, que pediu que Israel a eliminasse o Muro da Cisjordânia;
g) Resolução 10/15-2004, que exigiu que Israel cumprisse a sentença que declarou ilegal o muro construído no lado palestino.
No mesmo sentido, o Conselho de Segurança da ONU aprovou diversas medidas:
a) Resolução 1544-2004, que condenou Israel pelos massacres em Gaza, em 2004;
b) Resolução 242; que pediu a retirada de Israel dos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias;
c) Resolução 33, que pediu o cessar-fogo aos participantes da Guerra do Yom Kippur;
d) Resolução 446 que reconheceu que política israelense de promover "assentamentos nos territórios palestinos e árabes ocupados não tem validade legal;
e) Resolução 799, que condenou a deportação de centenas de civis palestinos e exigiu o seu imediato retorno;
f) Resolução 904, que condenou Israel pelo massacre de 29 palestinos na mesquita de Hebron e exigiu a presença internacional na Cisjordânia e em Gaza para proteger os palestinos;
g) Resolução 1397, que apoiou a criação dos dois Estados, Israel e Palestina;
h) Resolução 1402, que pediu a retirada israelenses das cidades palestinas, incluindo Ramala, onde os escritórios de Arafat foram bombardeados; e, em 2009, a Resolução 1860, que pediu que a Israel e ao Hamas o cessar-fogo em Gaza, a retirada israelense e a entrada sem impedimentos de ajuda humanitária no território palestino.
Das resoluções da ONU, observa-se que, guerras, assassinatos, expulsões, exílios, confisco de bens, humilhações, restrições civis e desprezo ao povo palestino, o Estado de Israel, a pretexto de autodefesa, invadiu a área destinada ao Estado Palestino. Vale lembrar que, à época da partilha, a população judaica era numericamente inferior à da população árabe, entretanto, a ONU reconheceu como integrante do Estado de Israel aproximadamente 54% do território em disputa. Aos majoritários árabes, couberam o restante da Palestina, divididos entre terras menos férteis e que não se comunicavam, ilhando-os na boa vontade dos governantes judeus.
Hoje, o Estado de Israel, desrespeitando a ONU, ocupa aproximadamente 79% da Palestina. E não só o crime de ocupação. Por décadas, o Estado de Israel destruiu e despovoou centenas de cidades localizadas na área árabe, promovendo assentamentos ilegais, fortemente armados e geradores de conflitos. Também promoveu o Êxodo Palestino, expulsando milhões de pessoas ali nascidas, confinadas nos maiores campos de refugiados do mundo. Construiu o vergonhoso e condenado Muro da Cisjordânia na área ilegalmente ocupada e mantém a população sob rígido controle, impedindo o seu desenvolvimento econômico.
Histórica e politicamente, a "certidão de nascimento" de Israel é a Resolução da ONU 181/1947, a mesma que também determinou a criação do Estado da Palestina. No entanto, a comunidade internacional, embora reconhecendo os crimes cometidos e as violações internacionais, nunca agiu contra o reincidente infrator. E mesmo diante do novo e televisionado genocídio em Gaza - condenado pelo Tribunal Penal Internacional - segue relutante em aplicar sansões duras e eficazes contra o Estado de Israel.
Hoje, anuncia-se novamente a perspectiva de uma paz que faça cessar o genocídio contra o povo palestino. A tentativa merece ser elogiada, assim como toda iniciativa que proteja a dignidade humana. Mas é preciso lembrar: a busca pela paz já foi tentada antes, com o pomposo nome Cúpula para a Paz no Oriente Médio, em Camp David e nos Acordos de Oslo. Assim, para que a nova iniciativa não resulte no estrondoso, decepcionante e previsível fracasso do passado, é necessário levar à sério a criação do Estado da Palestina, como previsto na Resolução da ONU 181/1947.
É trágico e irônico que um país nascido de uma decisão política da ONU desrespeite a própria organização que o criou, especialmente quando se trata da questão Palestina e na busca pela solução dos dois Estados. Enfim, a paz só será possível quando o mundo reconhecer, de forma inequívoca, que a Palestina é livre.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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