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Cezar Britto
Cezar Britto
Cultura
15/12/2025 12:00
A pergunta-título, provocativamente estudada, foi lançada à plateia ao término da peça teatral "Os irmãos Timótheo da Costa", apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil. Ela implodiu no teatro quando ainda estávamos impactados pela dura beleza da narrativa e emocionados com as vidas e as obras dos geniais João e Arthur Timótheo da Costa, dois dos maiores e premiados pintores do Brasil. Percebemos, então, que havia razão na indagação apresentada, pois ela nos pegou, envergonhados, confessando publicamente que desconhecíamos a história dos dois precursores do movimento modernista e da Semana de Arte Moderna de 1922.
A montagem, que conta com a dramaturgia de Cláudia Valli e a direção Luiz Antonio Pilar, revela, sem disfarces, o racismo estrutural e perverso que teima em apagar a cultura, as contribuições, a importância, a identidade e as histórias de personalidades negras que se confundem com o pedaço do planeta chamado Brasil. É o que explica a própria Cláudia Valli, quando, em desabafo certeiro, registra que "o esquecimento e o apagamento são sentimentos irmãos que cospem na nossa cara a rejeição de toda uma sociedade". E complementa Luiz Antônio Pilar, reafirmando que esses artistas, "pretos e pretas, são a base da cultura e da sociedade brasileira e fazem ecoar para sempre um recado: nós temos legado".
Saber do legado, divulgá-lo e denunciar a política de apagamento-embranquecimento é questão de sobrevivência. Não apenas no que se refere aos irmãos João e Arthur Timótheo da Costa, mas, sobretudo, em relação a todas as personalidades negras vitimadas pelo racismo ceifador de biografias. E as listas aproximam-se do "infinito e além", como no fictício dizer de Buzz Lightyear. Abdias do Nascimento, Adhemar Ferreira da Silva, Aleijadinho, André Rebouças, Antonieta Barros, Caetana, Canga Zumba, Carolina Maria de Jesus, Chica da Silva, Clementina de Jesus, Dandara dos Palmares, Enedina Alves Marques, Esperança Garcia, Fernando de Melo Viana, Francisco Gê de Acaiaba Montezuma, João Mulungu, José do Patrocínio, Lima Barreto, Lélia Goncalez, Luiz Gama, Luíza Mahin, Luzia Pinta, Machado de Assis, Maria Firmina dos Reis, Maria Odília Teixeira, Mariana, Nilo Peçanha, Sabina das Laranjeiras, Tereza de Benguela, Tobias Barreto, Zumbi dos Palmares, dentre outras.
Luiz Gama é um bom exemplo da resistência à política de apagamento. Resgatada sua história pelo movimento negro, ele recebeu, post mortem, a Carteira de Advogado, inscrito nos quadros da OAB/SP, em solenidade oficial ocorrida no dia 3 de novembro de 2015. As Leis 13.628/2018 e 13.629/2018, respectivamente, incluíram seu nome no "Livro de Heróis e Heroínas da Pátria" e o consagraram como "Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil".
O mesmo ocorreu com a escravizada Esperança Garcia, após a descoberta da petição-denúncia, escrita por ela quase trezentos anos atrás, em que pediu que a Justiça retirasse a venda dos olhos e olhasse para ela e, sobretudo, para a comunidade que também era vítima da violência e do patrimonialismo patriarcal. A coragem de Esperança Garcia fez dela o símbolo mais vivo de uma advocacia que não teme a luta, sendo, por isso mesmo, reconhecida como a primeira advogada brasileira.
Não pretendo, aqui, contar as histórias deliberadamente apagadas dos irmãos João e Arthur Timótheo da Costa, respondendo às justas provocações da peça teatral. Elas não cabem nas poucas linhas de um artigo — seria injusto com eles. Cabe-me, apenas, pedir que rejeitem o esquecimento que lhes fora imposto pelo racismo estrutural que embranquece a cultura brasileira. Leia, pesquise e divulgue suas trajetórias. Ou, caso tenha interesse, procure saber onde a peça será exibida em sua cidade e permita-se deliciar com as interpretações de Jeniffer Dias, Lucas da Purificação, Luciano Quirino, Pablo Áscoli e Sérgio Kauffmann.
E que, assim como Luiz Gama, Esperança Garcia e tantos outros personagens que romperam a política do apagamento-branqueamento, os irmãos Timótheo sejam reconhecidos pelo que foram e ainda significam para a História do Brasil. Afinal, conhecer é a melhor forma de combater o perverso racismo cultural brasileiro.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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