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MEMÓRIA
Congresso em Foco
6/9/2025 9:00
Ao longo da última semana, um julgamento na Suprema Corte ganhou atenção mundial. Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos respondem por acusações de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado. O ponto central da trama: uma insurreição em massa de manifestantes rumo ao centro de poder na República. O ex-presidente e sua cúpula são citados como responsáveis pelos ataques, que teriam sido incitados como parte de uma conspiração para reverter uma derrota eleitoral.
O roteiro do 8 de janeiro não é novo. O episódio já aconteceu em outros países, e repete muitos dos capítulos de uma outra eleição que aconteceu há mais de dois mil anos na República Romana. Um candidato a cônsul, endividado após sua derrota, conspirou para promover sua própria insurreição, matar seu rival e queimar os prédios públicos no Fórum. O desfecho, porém, foi muito menos pacífico: o autor do crime não foi julgado e preso, e sim morto em batalha. A ordem institucional foi salva, mas permaneceu fragilizada.
Polarização ontem e hoje
As eleições romanas de 62 antes de Cristo não foram muito diferentes do pleito de qualquer país em processo de polarização no século XXI. De um lado, estava Cícero, buscando sua reeleição como um dos políticos mais poderosos de seu tempo, de perfil conservador e com uma longa carreira no Senado. Do outro, Lúcio Sérgio Catilina, um outsider, com discurso eloquente contrário à elite romana, entusiasta de uma ditadura derrubada há pouco mais de duas décadas que deixou opiniões misturadas na classe média.
A disputa pelo consulado foi marcada por ameaças, propinas e campanhas de difamação de todos os lados. Roma, que a essa altura do campeonato já controlava largas porções do litoral mediterrâneo, estava rachada entre dois grupos políticos sem escrúpulos no intuito de eliminar seus rivais. No fim, Cícero venceu, com a promessa de trazer de volta um mínimo de normalidade institucional. Catilina ficou com uma dívida impagável e uma legião de apoiadores inconformados com o resultado.
Conspiração
Roma permaneceu conturbada após a eleição. Rumores de um plano de assassinato de Cícero e de uma rebelião para incendiar o centro da cidade circularam entre apoiadores de Catilina. Insurreições começaram a surgir ao redor da Itália, em especial na Etrúria (atual Toscana), sua base de apoio político. O candidato não conseguiu manter o segredo de suas intenções por muito tempo: dois senadores revoltados por terem sofrido calote em suas propinas revelaram o plano ao cônsul.
Cícero não demorou a agir, denunciando a conspiração de Catilina ao Senado. Sua sequência de discursos, que ficariam conhecidos como "Catilinárias", se tornaria a mais conhecida de sua carreira, até hoje amplamente utilizada por professores de latim. Humilhado e consciente de que poderia ser julgado e condenado, Catilina fugiu de Roma, juntando-se aos seus apoiadores na Etrúria.
Longe da capital e cercado por seus apoiadores, Catilina foi declarado cônsul na Etrúria, onde levantou um exército para marchar sobre Roma. As notícias chegaram ao Senado, que o declarou como inimigo público e levantou suas tropas. A Itália entraria em guerra civil, encerrada com uma sangrenta batalha perto de onde hoje fica a cidade italiana de Pistoia. Sabendo que não haveria perdão em casa, Catilina e seus apoiadores mais radicais permaneceram lutando até a morte. A conspiração acabou em fracasso.
Epílogo desagradável
A conspiração de Catilina deixou um alerta para gerações futuras: a queda de seu autor não deu fim à polarização vigente em seu tempo. Cícero deu o problema como resolvido, mas as duas facções que disputavam o poder em Roma permaneceram determinadas a não dar espaço para o outro lado, colocando os próprios projetos políticos acima de um plano de pacificação.
A consequência chegou dois anos depois: com todas as instituições enfraquecidas, três senadores bem sucedidos formaram uma aliança para se apropriar de vez da República. Um deles, Júlio César, se estabeleceu como ditador perpétuo, abrindo caminho para o fim da ordem republicana em seu país (algo que, curiosamente, nunca foi reconhecido pelos romanos: o império permaneceu referindo a si como uma república até o dia de sua queda, em 1453).
Tal como em 62 antes de Cristo, a punição de um conspirador e de seus aliados acusados de tentar um golpe de Estado pode não ser suficiente para assegurar a preservação da normalidade institucional. Insurreições não nascem por acaso: são fruto de uma ruptura interna de uma população que, muitas vezes, não se vê espalhada por seus representantes. Roma optou por jogar o problema para debaixo do tapete no lugar de aprimorar seus sistemas de representação e buscar convergência entre seus diferentes grupos políticos.
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