Entrar
Cadastro
Entrar
Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
Congresso em Foco
24/2/2021 | Atualizado 10/10/2021 às 17:10
 
 
 Os Termos de Uso
Quando um cidadão for acessar a plataforma de algum órgão aderente ao Cadastro Base do Cidadão, seja para resolver algum problema ou mesmo fazer uma mera consulta, será obrigado a se cadastrar no Cadastro. Para tanto, deverá aceitar os "Termos de Uso".
O item 5.1.6 dos termos de uso inova o ordenamento jurídico, autorizando o compartilhamento dos dados e informações dos usuários com o Ministério Público e Polícias, vejam só:
O Órgão poderá, a qualquer tempo, fornecer dados ou informações relativas aos usuários da Plataforma de Autenticação a outros serviços públicos digitais cuja finalidade seja a efetiva prestação de serviço público pelo compartilhamento de dados ou informações ou atender demanda judicial ou policial ou por requisição do Ministério Público, conforme a LGPD.
Essa previsão dos Termos de Uso causa bastante estranheza. Ao contrário do que leva a crer, a LGPD não autoriza o compartilhamento de dados ou informações para atender demanda policial ou por requisição do Ministério Público.
Na verdade, a LGPD é expressa em dizer que não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado para fins de segurança pública ou de atividades de investigação e repressão de infrações penais (art. 4º, III, a e d).
O que é previsto na Lei 13709/2018 é que o compartilhamento de dados por órgãos e entidades públicas ocorrerá no cumprimento de suas competências legais (art. 5º, XVI). Além disso, uma das bases legais para o tratamento de dados pessoais está prevista no artigo 7º, III: "pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres".
Ainda, no artigo 26 se explica que "o uso compartilhado de dados pessoais pelo Poder Público deve atender a finalidades específicas de execução de políticas públicas e atribuição legal pelos órgãos e pelas entidades públicas, respeitados os princípios de proteção de dados pessoais elencados no art. 6º desta Lei". Além disso, o art. 23, I, ressalta a necessidade de transparência do tratamento feito pela administração pública, que deverá fornecer "informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades".
A previsão de compartilhamento para atender a "demanda policial" ou "requisição do Ministério Público" feita sorrateiramente em Termos de Uso vai contra todo o sistema constitucional brasileiro, que garante a privacidade como um direito fundamental e estabelece como regra a necessidade de ordem judicial que autorize o acesso de autoridade policial a dados (art. 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal).
Há exceções estabelecidas por leis, como, por exemplo, ocorre no artigo 10, §3º do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que prevê que o "acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição". Não há notícia de exceções feitas por normas infralegais, muito menos por Termos de Uso.
Riscos do Cadastro Base do Cidadão
Há motivos de sobra para preocupação. Parte da sociedade civil e comunidade acadêmica critica o Cadastro Base pelos riscos que ele oferece à proteção de dados pessoais e à privacidade do cidadão brasileiro. A Coalizão Direitos na Rede fez uma análise da política e questionou a ausência de harmonia do decreto com a LGPD, o escalonamento na vigilância estatal com a criação do cadastro e a ausência de participação social no Comitê Central de Governança de Dados.
A Organização não Governamental Coding Rights fez um relatório abrangente sobre o tema, chamado "Cadastro Base do Cidadão - A Megabase de Dados" que destrincha os potenciais riscos do Cadastro Base. Eles apontaram preocupação ante as iniciativas realizadas pela Polícia Federal para integração dos bancos de dados estaduais em um só banco de informações criminais de todo país, o Córtex, o que facilitaria o cruzamento de informações, agilizaria processos e contribuiria para a diminuição de fraudes. Indicaram, ainda, o caso da elaboração de um dossiê com informações da vida pessoal de servidores públicos identificados como integrantes de um movimento antifascista, pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça.
Houve, ainda, o caso da lista de jornalistas e personalidades formadoras de opinião, chamado de "Mapa de Influenciadores" feito por uma empresa contratada pelo Governo Federal, para ser utilizada pelo Ministério da Economia, em que as personalidades mapeadas foram classificadas como "detratores" e "favoráveis".
A proteção da privacidade é fundamental para o exercício da cidadania. A ideia de que autoridades policiais e Ministério Público (sem mencionar outros órgãos e até mesmo a Abin) possam ter acesso a virtualmente qualquer dado pessoal sem determinação judicial subverte nossa ordem constitucional. Espera-se que a recém criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados possa se debruçar sobre o fato, para trazer esclarecimentos e corrigir as rotas do Cadastro Base do Cidadão.
*Gustavo Carneiro é advogado pela Universidade de Brasília. Mestre em Políticas Públicas pela Hertie School of Governance, Berlim.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
Os Termos de Uso
Quando um cidadão for acessar a plataforma de algum órgão aderente ao Cadastro Base do Cidadão, seja para resolver algum problema ou mesmo fazer uma mera consulta, será obrigado a se cadastrar no Cadastro. Para tanto, deverá aceitar os "Termos de Uso".
O item 5.1.6 dos termos de uso inova o ordenamento jurídico, autorizando o compartilhamento dos dados e informações dos usuários com o Ministério Público e Polícias, vejam só:
O Órgão poderá, a qualquer tempo, fornecer dados ou informações relativas aos usuários da Plataforma de Autenticação a outros serviços públicos digitais cuja finalidade seja a efetiva prestação de serviço público pelo compartilhamento de dados ou informações ou atender demanda judicial ou policial ou por requisição do Ministério Público, conforme a LGPD.
Essa previsão dos Termos de Uso causa bastante estranheza. Ao contrário do que leva a crer, a LGPD não autoriza o compartilhamento de dados ou informações para atender demanda policial ou por requisição do Ministério Público.
Na verdade, a LGPD é expressa em dizer que não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado para fins de segurança pública ou de atividades de investigação e repressão de infrações penais (art. 4º, III, a e d).
O que é previsto na Lei 13709/2018 é que o compartilhamento de dados por órgãos e entidades públicas ocorrerá no cumprimento de suas competências legais (art. 5º, XVI). Além disso, uma das bases legais para o tratamento de dados pessoais está prevista no artigo 7º, III: "pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres".
Ainda, no artigo 26 se explica que "o uso compartilhado de dados pessoais pelo Poder Público deve atender a finalidades específicas de execução de políticas públicas e atribuição legal pelos órgãos e pelas entidades públicas, respeitados os princípios de proteção de dados pessoais elencados no art. 6º desta Lei". Além disso, o art. 23, I, ressalta a necessidade de transparência do tratamento feito pela administração pública, que deverá fornecer "informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades".
A previsão de compartilhamento para atender a "demanda policial" ou "requisição do Ministério Público" feita sorrateiramente em Termos de Uso vai contra todo o sistema constitucional brasileiro, que garante a privacidade como um direito fundamental e estabelece como regra a necessidade de ordem judicial que autorize o acesso de autoridade policial a dados (art. 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal).
Há exceções estabelecidas por leis, como, por exemplo, ocorre no artigo 10, §3º do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que prevê que o "acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição". Não há notícia de exceções feitas por normas infralegais, muito menos por Termos de Uso.
Riscos do Cadastro Base do Cidadão
Há motivos de sobra para preocupação. Parte da sociedade civil e comunidade acadêmica critica o Cadastro Base pelos riscos que ele oferece à proteção de dados pessoais e à privacidade do cidadão brasileiro. A Coalizão Direitos na Rede fez uma análise da política e questionou a ausência de harmonia do decreto com a LGPD, o escalonamento na vigilância estatal com a criação do cadastro e a ausência de participação social no Comitê Central de Governança de Dados.
A Organização não Governamental Coding Rights fez um relatório abrangente sobre o tema, chamado "Cadastro Base do Cidadão - A Megabase de Dados" que destrincha os potenciais riscos do Cadastro Base. Eles apontaram preocupação ante as iniciativas realizadas pela Polícia Federal para integração dos bancos de dados estaduais em um só banco de informações criminais de todo país, o Córtex, o que facilitaria o cruzamento de informações, agilizaria processos e contribuiria para a diminuição de fraudes. Indicaram, ainda, o caso da elaboração de um dossiê com informações da vida pessoal de servidores públicos identificados como integrantes de um movimento antifascista, pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça.
Houve, ainda, o caso da lista de jornalistas e personalidades formadoras de opinião, chamado de "Mapa de Influenciadores" feito por uma empresa contratada pelo Governo Federal, para ser utilizada pelo Ministério da Economia, em que as personalidades mapeadas foram classificadas como "detratores" e "favoráveis".
A proteção da privacidade é fundamental para o exercício da cidadania. A ideia de que autoridades policiais e Ministério Público (sem mencionar outros órgãos e até mesmo a Abin) possam ter acesso a virtualmente qualquer dado pessoal sem determinação judicial subverte nossa ordem constitucional. Espera-se que a recém criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados possa se debruçar sobre o fato, para trazer esclarecimentos e corrigir as rotas do Cadastro Base do Cidadão.
*Gustavo Carneiro é advogado pela Universidade de Brasília. Mestre em Políticas Públicas pela Hertie School of Governance, Berlim.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

Tags
Temas
SEGURANÇA PÚBLICA
Derrite assume relatoria de projeto que trata facções como terroristas
Relações exteriores
Senado dos EUA aprova projeto que derruba tarifa contra o Brasil