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FRAUDE AO INSS
19/5/2025 12:52
A Operação Sem Desconto, promovida pela Polícia Federal, com o auxílio da Controladoria-Geral da União, trouxe ao conhecimento do público fatos graves, com grande impacto social, revelando a fragilidade de sistemas de controle no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social e prejuízos a milhões de aposentados e pensionistas.
Constatado o fato, e sua dimensão, a crise criada a partir da divulgação de que, desde 2019, pelo menos, milhões de segurados do INSS em gozo de benefícios de aposentadoria e pensão sofreram descontos indevidos, a partir da consignação de mensalidades e contribuições a entidades sindicais e associativas, sem a devida comprovação de sua autorização, suscita o debate sobre a responsabilização do Estado e o direito ao ressarcimento das importâncias indevidamente descontadas.
Estimativas apontam que, entre 2019 e 2024, foram descontados mais de R$ 6,3 bilhões dos proventos de aposentados e pensionistas do INSS. Em face da gravidade das apurações feitas pela Polícia Federal e Controladoria Geral da União, foram demitidos o presidente, o diretor de Benefícios e o procurador-geral do INSS, além de outros servidores, e o próprio ministro da Previdência acabou forçado a pedir demissão, o que redundou na decisão da bancada do PDT na Câmara de declarar-se "independente" e deixar a base de sustentação do governo.
Além disso, foram cumpridos 211 mandados de busca e apreensão e ordens de sequestro de bens no valor de mais de R$ 1 bilhão e seis mandados de prisão temporária no Distrito Federal e em outros 13 estados.
A situação tem gerado, com é comum nesses casos, abordagens sensacionalistas e oportunistas dos partidos de oposição no Congresso, que tentam responsabilizar o governo (e o presidente Lula) pelos fatos, sem lembrar que as suas causas e origens são mais remotas.
Assiste, em certa medida, razão ao ministro-chefe da Casa Civil da Presidência, quando afirma, segundo o jornal O Globo (08.05.2025) que a Controladoria-Geral da União "falhou ao não fazer os alertas devidos assim que as primeiras informações apareceram". Segundo O Globo, "o ministro afirma que ele e Lupi não foram avisados com antecedência", o que "na visão do chefe da Casa Civil, impediu uma resposta célere do governo".
"A Controladoria-Geral tem o papel de evitar o problema, apontar falhas de procedimentos. É uma função preventiva, não corretiva ou punitiva. Deixamos passar dois anos, período no qual mais pessoas foram lesadas, para poder corrigir? Se você atua em 2023, tinha diminuído a quantidade de pessoas (afetadas), e eu diria que não tinha impactado basicamente o nosso governo afirmou Rui Costa ao Globo.
Segundo a Lei nº 14.600, de 19 de junho de 2023, que "estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios", são áreas de competência da CGU, entre outras, a "defesa do patrimônio público", o "controle interno e auditoria governamental" e a "fiscalização e avaliação de políticas públicas e de programas de governo", além da "correição e responsabilização de agentes públicos e de entes privados", e a "prevenção e combate a fraudes e à corrupção".
A lei prevê ainda que suas competências incluem "realizar inspeções, apurar irregularidades, instaurar sindicâncias, investigações e processos administrativos disciplinares, bem como acompanhar e, quando necessário, avocar os referidos procedimentos em curso em órgãos e em entidades federais para exame de sua regularidade ou condução de seus atos, além de poder promover a declaração de sua nulidade ou propor a adoção de providências ou a correção de falhas" e "instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas com fundamento na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, acompanhar e, quando necessário, avocar os referidos procedimentos em curso em órgãos e em entidades federais para exame de sua regularidade ou condução de seus atos, além de poder promover a declaração de sua nulidade ou propor a adoção de providências ou a correção de falhas, bem como celebrar, quando cabível, acordo de leniência ou termo de compromisso com pessoas jurídicas".
Dessa forma, ainda que o papel da CGU não seja, ao contrário do que alega o ministro da Casa Civil, apenas "preventivo", o fato é que apenas passados dois anos, a CGU cumpriu sua função. E a demora, com efeito, contribuiu para o agravamento do problema cujo início antecede o atual Governo, e que já vinha merecendo atenção desde, pelo menos, 2023.
Segundo estimativas divulgadas pelos meios de comunicação, a arrecadação de entidades que tinham acordos de cooperação técnica com o INSS para realizar descontos diretos em aposentadorias e pensões cresceu 253% entre 2022 e 2024, segundo uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), e o valor arrecadado pelas entidades aumentou de R$ 702 milhões em 2022 para R$ 2,5 bilhões em 2024. Segundo a CGU, 11 das 31 entidades que possuíam acordos com o INSS concentraram 84,6% dos valores descontados, e arrecadaram R$ 1,1 bilhão em 2023, de um total de R$ 1,3 bilhão.
Embora o tema mereça estudo mais aprofundado, parece ser o caso de aplicação da responsabilização do Estado brasileiro, nos termos do art. 37, 6º da Constituição, segundo o qual "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
A responsabilidade objetiva do Estado, portanto, é o que justificaria o ressarcimento do dano, e o Estado teria, posteriormente, por meio de ação própria ou processo administrativo, assegurada ampla defesa, que responsabilizar os culpados (agentes públicos e privados) e buscar a recomposição do que gastou indenizando os aposentados e pensionistas pelos descontos sofridos indevidamente.
O grande problema surge ao se caracterizar o que seria desconto indevido. Como configurar isso, sem uma investigação que poderia levar anos? São milhões de descontos por mês, ao longo de um largo período de tempo. Seria necessário, primeiramente, caracterizar a inexistência de manifestação clara e inequívoca de vontade dos segurados em associar-se; e, uma vez associado, se o desconto, por meio de consignação na folha de pagamentos do INSS, processada pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência - Dataprev, atualmente vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, foi abusivo.
Para chegar a conclusões corretas, seria necessário grande esforço da Administração. Contudo, o INSS não tem condição de fazer isso, nem CGU, nem a Polícia Federal, nem o Tribunal de Contas da União, dada a dimensão da tarefa e as carências de recursos humanos e tecnológicos para esse fim.
O TCU, no Processo: TC 032.069/2023-5, que deu origem ao Acórdão 1019/2025, concluiu em 7 de maio de 2025 o julgamento de recursos do INSS e entidades associativas em processo sobre descontos na folha de aposentados.
Essa decisão sucede o que foi examinado pelo TCU em 5 de junho de 2024, quando adotou, na TC 032.069/2023-5, que deu origem ao Acórdão 1.115/2024, medidas cautelares para proteger os beneficiários e determinou ao INSS que novos descontos de associações só poderiam ser feitos com assinatura eletrônica avançada e biometria, além do bloqueio automático para todos os novos descontos, tanto de empréstimos consignados quanto de mensalidades associativas. O TCU, então, também determinou ao INSS o ressarcimento dos valores descontados indevidamente e instou a autarquia a divulgar para toda a população a possível ocorrência de descontos indevidos em seus contracheques e informar os procedimentos para recuperação dos valores descontados indevidamente.
Esse acórdão foi adotado em razão de solicitação do Congresso Nacional (SCN), encaminhada pela presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC), da Câmara, deputada Bia Kicis (PL-DF), que enviou em agosto de 2023 o Requerimento 285/2023-CFFC, de autoria do deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) com pedido de medida cautelar, para a apuração de irregularidade no âmbito do INSS, entidades sindicais, associativas e instituições bancárias, com descontos indevidos nos proventos de aposentadoria de milhões de aposentados.
A denúncia encaminhada ao TCU apontou estar presente "vício de consentimento", posto que, no ato da contratação de empréstimos consignados, os aposentados, sobretudo idosos com maiores dificuldades na compreensão de determinadas informações e inovações, estariam sendo "induzidos a anuir com suas adesões a entidades sindicais ligadas a aposentados e idosos, sob o argumento de que tal medida seria indispensável ou mais vantajosa para a contratação do empréstimo consignado".
O TCU não concedeu, de imediato, a medida cautelar requerida, por entender "não estarem presentes os pressupostos para a concessão da medida cautelar pleiteada pelo solicitante, tendo em vista a inexistência dos elementos necessários para sua adoção", em especial:
"não restar caracterizado o pressuposto da plausibilidade jurídica, tendo em vista: (i) não ser possível concluir que todos os empréstimos consignados concedidos de forma atrelada ao desconto de taxas de associação sejam prejudiciais aos contratantes de empréstimos consignados (alguns associados podem optar pela contratação de empréstimo consignado associada ao pagamento de taxa de associação por considerá-la mais vantajosa em comparação com outras opções disponíveis no mercado, e alguns associados podem ter interesse legítimo nos serviços e em outras vantagens oferecidas da entidade associativa, como serviços advocatícios, acesso a descontos ofertados por estabelecimentos comerciais, de ensino, prestadores de serviços etc.); e (ii) em análise preliminar, os controles implementados pelo INSS e pela Dataprev pareceram compatíveis com as competências legais da autarquia no que tange a empréstimo consignado e ao desconto de taxas de associação."
Considerou, também, estar presente o pressuposto do "perigo da demora reverso, em função de a imediata suspensão do repasse de recursos às entidades associativas poder impedir o acesso dos associados a benefícios ofertados pelas associações, além de poder modificar as condições atualmente contratadas de empréstimo consignado, o que pode acarretar, por exemplo, o aumento nas taxas de juros em empréstimos consignados atualmente vigentes."
O TCU, em sua auditoria, constatou que, a despeito de norma expressa então vigente (Instrução Normativa PRES-INSS 128/2022, revogada pela Instrução Normativa PRES-INSS 162, de 14/3/2024) prever que o beneficiário interessado deveria autorizar o desconto consignado mensal em seu benefício e que, para a autorização dos descontos, as associações, confederações e entidades de aposentados e/ou pensionistas deveriam apresentar os termos de filiação e de desconto de mensalidade associativa, o entendimento do INSS era de que "a documentação autorizando a filiação e o desconto mensal, bem como cópia da documentação pessoal do beneficiário, deve ficar acautelada nas associações e sindicatos, e disponibilizada ao INSS, para efeito de controle, quando devidamente solicitada".
Em sua análise, o TCU já reconhecia o fato de que o quantitativo total de associados teve crescimento expressivo (mais de 150% em dois anos, sendo que algumas associações como Ambec, ABSP, CBPA tiveram crescimentos exponenciais, assim como cresceu significativamente o aumento dos repasses (de R$ 544 milhões em 2021 para R$ 1.55 bilhões em 2023, com aumento de 184,7%).
O TCU já reconhecia, então, a responsabilidade civil do INSS quanto aos descontos indevidos de empréstimos consignados, considerando-se o decidido no Tema 183 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) do Conselho da Justiça Federal (CJF):
Tema 183 da TNU:
Questão submetida a julgamento: Decidir se INSS tem responsabilidade civil pelos danos patrimoniais ou morais decorrentes de empréstimo consignado não autorizado.
Tese firmada: I - O INSS não tem responsabilidade civil pelos danos patrimoniais ou extrapatrimoniais decorrentes de "empréstimo consignado", concedido mediante fraude, se a instituição financeira credora é a mesma responsável pelo pagamento do benefício previdenciário, nos termos do art. 6º, da Lei n. 10.820/03; II O INSS pode ser civilmente responsabilizado por danos patrimoniais ou extrapatrimoniais, se demonstrada negligência, por omissão injustificada no desempenho do dever de fiscalização, se os "empréstimos consignados" forem concedidos, de forma fraudulenta, por instituições financeiras distintas daquelas responsáveis pelo pagamento dos benefícios previdenciários. A responsabilidade do INSS, nessa hipótese, é subsidiária em relação à responsabilidade civil da instituição financeira." (grifo nosso)
Em conclusão, em junho de 2024, o TCU adotou medida cautelar para que o INSS somente averbasse novos descontos de mensalidade associativa por meio de assinatura eletrônica avançada e biometria previstas no art. 4º, inciso II, da IN PRES/INSS 162/2024; ou ainda por meio da confirmação da existência dos documentos previstos no art. 655, III, da IN PRES/INSS 128/2022 c/c art. 115, V, da Lei 8.213/1991 e realizasse o bloqueio automático para averbação de novos descontos, sejam de empréstimo consignado, sejam de mensalidade associativa, para todos os segurados do INSS, independente da data de concessão do benefício. E determinou ao INSS que, no prazo de noventa dias, instituísse a avaliação periódica de que trata o 1º-F do art. 154 do Decreto 3.048/1999 e, caso identificadas irregularidades frequentes ou substanciais, aplicas as penalidades previstas na legislação e nos acordos de cooperação técnica. E exigiu, sob pena de os descontos serem excluídos automaticamente, que todas as autorizações de consignação referentes às mensalidades associativas fosse revalidadas, utilizando como critério para comprovação da manifestação de vontade do segurado o uso de ferramenta tecnológica que permita a assinatura eletrônica avançada e a biometria previstas no art. 4º, inciso II, da IN PRES/INSS 162/2024; ou ainda por meio da confirmação da existência dos documentos previstos no art. 655, III, da IN PRES/INSS 128/2022 c/c art. 115, V, da Lei 8.213/1991.
E, após a avaliação supramencionada, o INSS deveria adotar "as medidas administrativas para identificar e responsabilizar as entidades associativas e sindicais com suspeita de fraudes na autorização das consignações de mensalidades, bem como promover o ressarcimento de valores eventualmente descontados indevidamente".
A omissão do INSS em adotar essas medidas o que deveria ter sido objeto de monitoramento pela CGU e demais órgãos do Executivo, notadamente a própria Casa Civil, como órgão de coordenação governamental -, associado ao fato de que os atingidos são, em grande parte, pessoas idosas, cuja taxa de mortalidade é elevada, tornou ainda mais graves as consequências dos fatos apurados e que, com a Operação Sem Desconto, vieram ao conhecimento do grande público.
Quanto ao ressarcimento, não parece haver dúvida de que a despesa decorrente caberá, de forma imediata, ao Tesouro Nacional.
Em 8 de maio de 2025, a Ministra do Planejamento e Orçamento, taxativamente afirmou que "se precisar a União complementar, nós iremos complementar, mas vamos complementar com dinheiro público. Então temos que ter a responsabilidade de só restituir para quem deve". Segundo o Portal Infomoney:
"A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, afirmou, nesta quinta-feira (8), em São Paulo, que todos os aposentados e pensionistas que sofreram descontos sem autorização de associações e sindicatos em seus benefícios serão ressarcidos pelo governo."
A devolução dos valores, segundo a ministra, seria feita "por meio do bloqueio de bens dos fraudadores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)", e que se essa medida for insuficiente "a União terá que arcar com esse compromisso".
No caso de o ressarcimento vir a ser feito pelo Tesouro Nacional assegurado o direito de regresso contra os responsáveis pelas fraudes ocorridas cabe examinar a possiblidade de que o aporte orçamentário seja feito mediante crédito extraordinário, dado que a Lei Orçamentária de 2025 não previu a despesa. Ademais, a edição de medida provisória de crédito extraordinário não afeta o limite de despesas da União fixado nos termos da Lei Complementar nº 200, de 2023:
"Art. 3º Com fundamento no inciso VIII do caput do art. 163, no art. 164-A e nos 2º e 12 do art. 165 da Constituição Federal, ficam estabelecidos, para cada exercício a partir de 2024, observado o disposto nos arts. 4º, 5º e 9º desta Lei Complementar, limites individualizados para o montante global das dotações orçamentárias relativas a despesas primárias:
I - do Poder Executivo federal;
................................
1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá: (Vide ADI 7064)
..........................
II - para os exercícios posteriores a 2024, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido nos termos dos arts. 4º e 5º desta Lei Complementar, observado que as alterações nas dotações orçamentárias realizadas para atender à situação prevista no caput do art. 9º desta Lei Complementar não deverão ser incluídas para a definição do limite do exercício subsequente.
2º Não se incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos neste artigo:
............................
II - os créditos extraordinários a que se refere o 3º do art. 167 da Constituição Federal;
............................."
Segundo o art. 167, 3º da CF, "a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62."
As hipóteses são limitadas, e, no caso concreto, parece estar presente a hipótese de "comoção interna".
O caso assumiu tal dimensão - com um vídeo de parlamentar oposicionista, voltado ao disseminar o pânico entre os segurados do INSS, viralizando para mais de 100 milhões de pessoas... -, capaz, até, de desestabilizar o Governo, que não parece haver dúvida de que o assunto causou "comoção".
Sobre a questão, o Supremo Tribunal Federal se manifestou da seguinte forma:
"III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, 3º c/c o art. 62, 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, 3º c/c o art. 62, 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias (ADI 4048-DF, Rel. Min. Gilmar Mendes)." (grifo nosso)
Não parece haver dúvida de que a persistência do fato, e a indefinição sobre a devolução de recursos indevidamente descontados, afetam gravemente a confiança no Governo e a paz social.
O reconhecimento da situação de comoção social, em geral, está associada à decretação de Estado de Sítio. Mas no ordenamento jurídico brasileiro, a decretação do estado de sítio não é obrigatória mesmo que esteja configurada uma situação de "comoção interna".
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) prevê que a comoção interna é um dos fundamentos para o estado de sítio (art. 137, I), e pode ser reconhecida como uma situação de fato (como a grave perturbação da ordem) sem que isso implique necessariamente na decretação do estado de sítio e a adoção de medidas restritivas de liberdade, inclusive porque o estado de sítio, nos termos do art. 137 da CF, é medida extrema, e que depende da aprovação do Congresso Nacional. E não se acham presentes as razões que justificariam a sua decretação.
Assim, pode estar presente no caso em tela "comoção interna", que revele uma situação de crise, que exija do Governo medidas imediatas para a paz social.
A grande dificuldade, porém, é a de separar o "joio do trigo", de forma a identificar em que casos, efetivamente, os descontos foram efetuados sem autorização dos aposentados e pensionistas, não sendo causa suficiente para essa caracterização a hipótese de "venda casada" em que o segurado, para contratar operação de crédito consignado, tenha aceitado a condição de filiação a uma entidade associativa.
E, presente a liberdade de associação reconhecida pelo art. 5º, XVII a CF, seria precipitado atribuir a todos os descontos em razão de associação a entidades a pecha de "fraudulentos", embora, nesse sentido, o INSS tenha já adotado, desde 28 de abril de 2025, medida suspendendo os Acordos de Cooperação Técnica que envolvam descontos de mensalidades associativas em folha de pagamento de benefícios previdenciários, até ulterior reavaliação de sua regularidade e conformidade com as normas vigentes, bem como de quaisquer repasses às entidades partícipes dos ajustes, e suspendendo os descontos de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários.
Note-se, ainda, que em 17 janeiro de 2019, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 871, inserindo no art. 115 da Lei 8213 o seguinte:
"7º Na hipótese prevista no inciso V do caput, a autorização do desconto deverá ser revalidada anualmente nos termos do disposto no Regulamento."
Embora a Exposição de Motivos da MPV 871 não esclareça as razões para essa medida que, hoje, parece razoável, à luz dos fatos apurados ela veio à luz num contexto de antagonismo do Executivo com movimentos sociais, associações e sindicatos, ou seja, a medida foi interpretada como tentativa de "enfraquecimento" das entidades associativas e indevida intervenção em suas atividades.
À MPV 817, foram apresentadas mais de 500 emendas, e parte delas tentou afastar ou amenizar a exigência.
Durante a sua tramitação, foi aprovado Projeto de Lei de Conversão, apresentado pelo Relator, Deputado Paulo Eduardo Martins (PL-PR), dando ao dispositivo a seguinte redação:
" 6º Na hipótese prevista no inciso V do caput deste artigo, a autorização do desconto deverá ser revalidada a cada 3 (três) anos, a partir de 31 de dezembro de 2021, nos termos do regulamento."
Parlamentares destacados apresentaram emendas para que o prazo de revalidação fosse de 5 anos, ou mesmo para a supressão do novo parágrafo.
Entre eles, figura o senador Paulo Paim, defensor histórico dos aposentados, que propôs a supressão da alteração sob o argumento da "autotutela dos segurados", ou, ainda, que fosse fixado o prazo de 5 anos para a revalidação de autorização. Parlamentares de diversos partidos apresentaram emendas de mesmo teor, revelando preocupação legítima com a regra proposta.
Assim, a complexidade do tema exige, simultaneamente, cautela e celeridade: cautela, para que não haja condutas oportunistas que levem a distorções no encaminhamento de soluções e correção dos problemas apurados; e celeridade, para que o ressarcimento seja feito, ainda que em bases provisórias (e passíveis de compensação em caso de constatação de não ser devido o ressarcimento), no mais breve prazo possível, com o auxílio de medida provisória de crédito extraordinário para assegurar o seu custeio, e para que sejam ajuizadas as necessárias ações regressivas tanto contra autoridades envolvidas nas práticas irregulares por conivência, prevaricação ou mesmo corrupção passiva como contra as entidades que se beneficiaram dos abusos praticados.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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