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Parlamento

Nomes parlamentares e identidade profissional na Câmara dos Deputados

Análise mostra como títulos como "Delegado" e "Pastor" reforçam autoridade, diferenciam candidaturas e marcam posicionamento político.

Luiz Alberto dos Santos

Luiz Alberto dos Santos

30/7/2025 14:28

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A incidência da identificação de profissões nos nomes parlamentares de deputados federais brasileiros é uma característica marcante da política nacional. Esta prática não apenas informa o eleitor sobre a trajetória do candidato, mas funciona como estratégia de legitimação, aproximação e diferenciação no eleitorado.

De fato, o uso de nomes parlamentares que incorporam títulos profissionais, como "Delegado", "Pastor", "Capitão" ou "Doutor", tem se tornado uma prática recorrente, especialmente na Câmara dos Deputados. Essa escolha não é meramente estética ou casual: ela reflete estratégias de construção de identidade política, busca de diferenciação eleitoral e sinalização de compromissos ideológicos, econômicos ou morais. Ao adotar tais títulos, os parlamentares não apenas evocam sua trajetória profissional, mas também estabelecem vínculos simbólicos com segmentos específicos do eleitorado, reforçando narrativas de autoridade, competência ou pertencimento.

Este fenômeno se manifesta tanto no nome de urna quanto na forma como os parlamentares se apresentam oficialmente no exercício do mandato. A frequência com que esses nomes aparecem entre os eleitos, em comparação com o total de candidaturas que utilizam títulos profissionais, pode oferecer pistas sobre a eficácia eleitoral dessa estratégia. Além disso, a predominância de determinadas categorias, como militares, policiais e religiosos, levanta questões sobre os efeitos dessa prática na composição e na dinâmica do Legislativo, especialmente no que diz respeito à representação de interesses corporativos e à personalização da política.

Da mesma forma, restando evidente que a taxa de eleitos com nome profissional, notadamente no caso de militares e policiais, supera a dos demais candidatos, pode haver uma correlação (não, necessariamente, causalidade) que incentive, cada vez mais, o uso dessa estratégia.

Profissões nos nomes parlamentares funcionam como rótulos simbólicos e cumprem papel estratégico na disputa por votos.

Profissões nos nomes parlamentares funcionam como rótulos simbólicos e cumprem papel estratégico na disputa por votos.Freepik

Nesse sentido, este artigo busca responder a duas indagações:

  • O uso de títulos profissionais nos nomes de urna e parlamentares, como estratégia de diferenciação eleitoral, repercutem em suas posições ideológicas e comportamento parlamentar?
  • Qual é sua eficácia em termos de taxa de sucesso eleitoral em comparação com candidatos que não utilizam tais títulos?

Este artigo abre com uma descrição do uso de títulos profissionais na atual legislatura da Câmara de Deputados, a partir da definição de categorias predominantes, sua distribuição geográfica, por partido. Em seguida, analisamos as principais motivações que aparentemente estão por trás das escolhas dos títulos como nomes políticos, inclusive considerando suas relações com valores culturais e estruturas históricas da política brasileira. Na Seção 4, analisamos a vinculação entre o uso dos nomes e comportamento parlamentar e, finalmente, na Seção 5, tratamos da eficácia do uso de títulos como estratégia eleitoral.

"Nomes profissionais" na atual Legislatura

O emprego de "nomes parlamentares" empregando identidades profissionais é um fenômeno ainda recente, mas que vem crescendo em intensidade. Na legislatura 1995-1999, dos 635 parlamentares que exerceram mandatos (titulares ou suplentes), apenas 6 deputados (ou 0,94% do total) utilizaram nomes profissionais.

Na atual legislatura (2023-2026), observa-se a ocorrência de 51 "nomes parlamentares" associados a profissões*, o que representa quase 10% da composição total da Câmara dos Deputados, como mostra a tabela a seguir:

Organizados por área de atuação profissional, temos:

A distribuição por partidos é a seguinte:

E, por fim, temos a seguinte distribuição por Unidade da Federação:

Predominância de profissões nos nomes parlamentares

A análise da atual composição da Câmara dos Deputados revela que determinadas áreas profissionais são significativamente mais empregadas como parte do nome parlamentar, no curso do mandato. Dentre as principais identificações estão:

  • Militar (por exemplo, "Coronel", "General", "Capitão", "Tenente", "Sargento" e "Cabo")
  • Polícia (como "Delegado", "Delegada")
  • Saúde (usualmente médicos, representados por "Dr." ou "Dra.", e enfermeiros/enfermeiras)
  • Religião (como "Pastor", "Padre")
  • Educação (como "Professor", "Professora")

Do total de identificações, áreas ligadas a forças militares (14) e polícia (13) se destacam, seguidas pela saúde (12), religião (8) e educação (4).

A distribuição de militares e policiais, que soma 27 parlamentares, ou 53% dos que adotam nomes profissionais, por partido, é a seguinte:

Essa concentração evidencia o apelo que essas categorias profissionais exercem no processo eleitoral, sugerindo alta confiança social e potencial de transferência simbólica de reputação ou credibilidade dessas profissões para o cargo de deputado. Além disso, podem favorecer uma "identidade ideológica" do parlamentar, em especial no caso dos parlamentares identificados com a atividade policial ou militar, notadamente associados a pautas da direita conservadora, como o fim da maioridade penal, pena de morte, rejeição à pauta de direitos humanos e direito ao porte de armas.

O mesmo pode ser vislumbrado, em menor escala, nos parlamentares com identidade religiosa, face à projeção da Bancada Evangélica e a defesa de pautas como a proibição do aborto, de casamento entre pessoas do mesmo sexo, e rejeição à políticas identitárias.

A identidade reputacional sem associação a ideologias conservadoras, assim, é mais relevante no caso de parlamentares com identidades profissionais ligadas à saúde e à educação.

Distribuição por partido

A identificação profissional nos nomes não é exclusivamente de um espectro partidário, mas partidos específicos concentram maior número de representantes dessas áreas:

  • O PL (Partido Liberal) apresenta forte presença de militares e policiais, além de figuras religiosas. No PL, estão assim representadas as profissões identificadas pelo nome parlamentar:

  • O UNIÃO e PP também reúnem representantes de diferentes profissões, notadamente da saúde, além de alguns militares. Dos 8 parlamentares do partido que utilizam profissões no nome parlamentar, 2 estão em cada uma das áreas de saúde, religião, polícia e militar.
  • Outros partidos, como PSD, PT, PDT, PSOL e MDB, também contam com parlamentares que utilizam títulos profissionais, sobretudo na saúde e educação, mas também nas áreas de religião e polícia, no caso do PT e PSOL, em especial.

Isso evidencia que, apesar de majoritariamente atrelada a ideologias conservadoras, a tática transcende as divisões ideológicas e é instrumentalizada por diversas legendas para capitalizar o prestígio de certas carreiras em busca de votos, ou permitir que o eleitor associe o nome do candidato a sua trajetória profissional.

Distribuição regional

Ao observar a variável "UF", nota-se ampla distribuição desses parlamentares em quase todos os estados, com leve predominância nos estados mais populosos como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Apenas Rio Grande do Sul e Tocantins não têm deputados que utilizam identificação profissional. Contudo, representantes com títulos profissionais aparecem em estados de todas as regiões do país, corroborando a ideia de que o recurso é nacionalmente válido, independentemente das diferenças regionais, densidade demográfica ou particularidades locais.

Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais apresentam maior diversidade de profissões nos nomes - policiais, militares, médicos, professores e religiosos. Em estados menores ou de menor representatividade numérica, a identificação tende a se concentrar mais em uma ou duas categorias, por exemplo, militares no Norte, policiais e saúde em outros casos.

São Paulo apresenta o maior número de deputados e deputadas que usam títulos profissionais nos nomes, com destaque para militares e policiais, com 8 casos registrados. O Rio de Janeiro também tem expressiva presença, com 5 casos, especialmente de policiais e militares. Minas Gerais, com 4 casos, têm deputados que utilizam identificação profissional, em especial nas áreas de saúde, polícia e religião. Goiás e Pará têm, ambos, 4 deputados identificados, com casos de médicos, policiais, pastores e professores.

A região Sudeste concentra a maior quantidade absoluta, em especial São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, refletindo densidade populacional e representatividade parlamentar. Destacam-se militares, policiais e religiosos. No Nordeste, Estados como Bahia, Pernambuco e Maranhão apresentam fortes representações de deputados com identificação religiosa (pastores) e profissionais da saúde. No Centro-Oeste, destacam-se títulos de policiais e militares.

A identificação profissional nos nomes parlamentares é um fenômeno nacional, mas quantitativamente mais concentrado nos estados com maior número de cadeiras e densidade populacional, sobretudo no Sudeste. Militares e policiais são especialmente fortes em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Pará. Pastores e profissionais da saúde aparecem de forma relevante no Nordeste e em estados do Centro-Oeste.

O caso do Pará é significativo: apresenta uma das mais elevadas proporções de nomes parlamentares profissionais, correspondendo a 23,5% dos eleitos. Considerada a totalidade de candidatos que se apresentaram ao eleitor com nomes profissionais, foram 23,2% do total de candidatos, e candidatos ligados à polícia tiveram, proporcionalmente, maior sucesso eleitoral, correspondendo a 50% dos nomes "profissionais" que foram bem-sucedidos no pleito.

A diversidade profissional nos nomes é maior nos estados grandes, enquanto nos menores tende a se localizar em uma ou poucas categorias. E essa diversidade é ainda maior se considerarmos os candidatos que se apresentaram ao pleito, incluindo setores como indústria, comércio e serviços, esporte, cultura, jornalismo, engenharia e outros.

A sub-representação de profissionais cujo título aparece nos nomes parlamentares na Bahia, conforme os dados da planilha, pode ocorrer por uma combinação de fatores políticos, sociais e eleitorais locais. No caso da Bahia, a tradição política marcada por movimentos populares e por uma base mais forte de representantes ligados a partidos e lideranças com apelidos ou nomes focados em identidades regionais, culturais ou políticas, coloca em segundo plano a profissão como parte do nome parlamentar. Isso pode reduzir o uso formal de títulos profissionais no registro eleitoral. É possível que profissões específicas como militares e policiais (que lideram o uso do título profissional) tenham menor penetração ou influência política na Bahia em comparação a estados como São Paulo ou Goiás. Deputados baianos podem preferir construir sua identidade política reforçando elementos locais (como apelidos carismáticos, origens comunitárias ou lideranças religiosas sem uso formal do título) em vez de explicitarem a profissão no nome parlamentar. Essa escolha pode refletir a cultura política e o que é mais valorizado pelo eleitorado local.

A composição partidária na Bahia, governada desde 2007 pelo Partido dos Trabalhadores, pode ter um peso maior de legendas e líderes com outras estratégias de identificação - por exemplo, mais ênfase em "marca pessoal", trabalho comunitário ou alianças políticas - que não envolvam necessariamente a identificação profissional explícita.

Ademais, a Bahia tem menos deputados federais (39 cadeiras) comparado a São Paulo (70 cadeiras), o que naturalmente restringe o número absoluto e a diversidade de representações profissionais, dificultando que determinados grupos profissionais atinjam maior visibilidade no uso formal do título.

Assim, a sub-representação na Bahia provavelmente decorre tanto das características sociopolíticas e culturais locais, quanto de escolhas estratégicas dos deputados e partidos de como apresentar suas identidades eleitorais, além da menor proporção absoluta de cadeiras que limita a diversidade visível de categorias profissionais com título nos nomes parlamentares.

Já no caso do Rio Grande do Sul, a ausência de parlamentares federais que utilizem a identificação por profissão nos nomes parlamentares, pode ser explicada por um conjunto de fatores sociopolíticos, culturais e estratégicos. O Rio Grande do Sul, governado, desde 2015, por partidos de centro e centro-direita, possui uma tradição política distinta, com forte influência de partidos históricos e uma cultura política muito ligada a identidades regionais, movimentos sociais, sindicatos e lideranças locais. É possível que a estratégia de incluir a profissão no nome parlamentar não seja tão valorizada ou percebida como eficaz pelos candidatos gaúchos, que podem preferir investir em outros atributos como sobrenomes de peso, trajetórias políticas ou ativismo público. E, na eleição de 2022, quando concorreram a mandato de deputado federal 523 candidatos, 76 (14,5%) se apresentaram com identificação profissional, com destaque para profissões na área de educação (19), saúde (16), militares (15), religião (8) e policial (8). Outros 9 se apresentaram com identidades profissionais nas áreas de cultura, esporte e jornalismo. Contudo, de todos os candidatos que adotaram, na urna, identidade profissional, apenas dois (Danrlei de Deus Goleiro e Tenente Coronel Zucco) se elegeram, e, ao tomar posse, não empregaram a identidade profissional no nome parlamentar.

Como é visível a partir desses dados, os candidatos do RS, em 2022, preferiram explorar marcas pessoais e apoios partidários mais consolidados, e menos o uso de títulos profissionais para captar votos. Isto pode estar relacionado ao perfil do eleitorado local, que valoriza outras qualidades, como experiência política, projetos regionais ou identificação com causas locais, e não necessariamente a profissão de origem. Além disso, os partidos e líderes no RS podem não estimular ou priorizar o uso do título profissional como parte da identidade pública, fundamental em sistemas eleitorais proporcionais concorridos como o brasileiro. E, embora o RS tenha um número razoável de cadeiras na Câmara, se o uso do título profissional é uma prática minoritária em geral, a sua ausência nos "nomes parlamentares" pode ser resultado do acaso e do perfil específico dos parlamentares eleitos nessa região nesta legislatura.

Razões semelhantes podem ter, também, influenciado os parlamentares eleitos pelo Paraná: apenas 2 dos 30-deputados eleitos empregam nome parlamentar associado a uma profissão, sendo um "delegado" e um "sargento". Apesar da expressiva votação de Jair Bolsonaro no Paraná, no segundo turno das eleições de 2022 (62,4%), e do elevado número de candidatos que disputaram a eleição com nomes profissionais (131, num total de 588, ou 22,3%), com expressiva participação de candidatos ligados às áreas militar e de segurança (31), apenas 2 foram eleitos (6,7% do total de eleitos).

No Paraná, de fato, apesar do viés conservador do Estado nas últimas eleições, há uma tradição de valorização da trajetória política, do trabalho comunitário e da militância partidária como forma principal de legitimação eleitoral. Isso pode reduzir o apelo em destacar a profissão de origem, já que o eleitorado pode dar mais importância ao histórico político do que à profissão.

Motivações para a identificação profissional

A adoção de títulos profissionais nos nomes parlamentares possui motivações multifacetadas:

  • Capital simbólico e eleitoral: Profissões como médico, professor, delegado, militar ou pastor são associadas à autoridade, respeito, proteção, saber, ética ou liderança moral. Essa estratégia busca transferir o capital simbólico da carreira para o capital político-eleitoral no momento da votação.
  • Diferenciação no pleito: Em eleições fragmentadas e personalistas como as brasileiras, esse tipo de identificação auxilia na diferenciação dos candidatos e aumenta a taxa de lembrança, fundamental em campanhas proporcionais com mais de quinhentos concorrentes por estado.
  • Reforço de narrativas políticas: Parlamentares militares e policiais, por exemplo, representam bandeiras como a segurança pública e a ordem; já médicos e professores conectam-se a pautas caras como saúde e educação. A profissão no nome sinaliza ao eleitor segmentos de atuação e prioridades programáticas.
  • Aproximação com o eleitor: O uso do título facilita a criação de vínculos identitários com segmentos da população (por exemplo, religiosos, militares da reserva, professores públicos, profissionais de saúde), ampliando os laços de confiança.

Considerações sociológicas e políticas

O fenômeno guarda relação com valores culturais e estruturas históricas da política brasileira. Desde o império, a política era dominada por elites profissionais, como advogados, militares e clérigos. Atualmente, advogados, médicos, policiais e religiosos continuam exercendo influência desproporcional no Congresso, refletindo a confiança depositada pela sociedade nessas figuras.

Outro aspecto relevante é como essas identificações profissionalizadas podem mascarar a experiência política prévia - já que muitos desses parlamentares são políticos de carreira que optam por ressaltar a profissão de origem para se mostrar "independentes do sistema", numa tentativa de captar o desejo de renovação manifestado pela sociedade.

Roberto DaMatta, um dos principais estudiosos da cultura política brasileira e da formação das identidades sociais no Brasil, destaca a importância das distinções sociais baseadas em símbolos, categorias e hierarquias, onde o exercício da autoridade legitima o poder e a influência social. Um conceito central em DaMatta, explorado em obras como "Você sabe com quem está falando - Estudos sobre o autoritarismo brasileiro" (Rocco, 2020), é a ideia de que a sociedade brasileira funciona por meio de um sistema de "ordem e autoridade", na qual a autoridade se reconhece por meio de marcas simbólicas e rituais. A autoridade não é só institucional, mas passa pela legitimação cultural e social, baseada em reconhecimento e respeito, e a figura dos "medalhões", muitas vezes associada a determinadas profissões que possuem prestígio social e que remetem a valores como proteção, cuidado, ordem, saber técnico e moralidade. Como ilustra DaMatta,

"Medalhões são frequentemente figuras nacionais. Celebridades que somam nas suas pessoas os principais traços de um dado domínio da vida social. Suas figuras, como não poderia deixar de ser, projetam largas sombras e nelas se abrigam muitas outras pessoas. Ser o filho do Presidente, do Delegado ou do Diretor conta como chave ou cartão de visitas. Ou, para sermos históricos e concretos, ser "filho do Pelé" pode possibilitar, a despeito de todos os preconceitos, a um negro pobre alguns dias de esplendor num hotel de luxo (cf. Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1977)." (DaMatta, op. Cit.)

Na perspectiva de DaMatta, o "argumento de autoridade" pode ser compreendido como a estratégia em que candidatos evocarão sua formação profissional para transmitir credibilidade, liderança e competência diante do eleitorado, antecipando uma transferência simbólica do respeito da sua profissão para sua atuação parlamentar.

Profissionais de saúde são historicamente associados ao cuidado, à ciência e à competência técnica. Na cultura política brasileira, invocar o título "Doutor" ou profissões do campo da saúde sugere responsabilidade, ética e conhecimento científico. O uso dessa identidade faz parte de uma "hierarquia simbólica" onde o médico, em especial, goza de status social elevado, conferindo ao parlamentar uma aura de autoridade legítima para tratar, por exemplo, de temas sociais e de política pública.

Do mesmo modo, a autoridade do militar ou policial é associada a valores de ordem, controle, disciplina e proteção da sociedade. Esses arquétipos estão fortemente enraizados na cultura política brasileira, especialmente em narrativas que valorizam a "segurança pública" como uma área que carece de políticas mais incisivas. O uso desses títulos se alinha ao "dispositivo de autoridade" que conecta o político ao papel de protetor do cidadão, legitimando sua capacidade de cuidar da segurança coletiva, da moral e da ordem pública. O parlamentar, nesse sentido, incorpora simbolicamente a figura da autoridade moral e prática.

Dessa forma, poder e autoridade são reiterados por meio de rituais e símbolos - a inclusão do título profissional no nome parlamentar atua exatamente como um símbolo ritual que reforça e comunica a autoridade do candidato. É uma forma de "performance social" que ajuda a construir a legitimidade do político, num cenário em que a confiança do eleitor é condicionada pela percepção de competência e reconhecimento social, e a conferir ao parlamentar um "rótulo" ou identidade que pode facilitar a sua atuação, no âmbito das comissões e do Plenário.

A política brasileira historicamente mistura o personalismo com a valorização do "carisma" e da autoridade simbólica para legitimar o poder - DaMatta chama atenção para a centralidade das figuras de "patrão", "doutor" e "coronel" no imaginário político nacional. O uso do título profissional no nome é uma forma contemporânea de reproduzir essas figuras tradicionais da esfera política, resgatando a autoridade reconhecida socialmente pelas profissões, como forma de fortalecer a identidade eleitoral. Além disso, vincular-se a uma profissão valorada simbolicamente funciona como uma "âncora" que diferencia o candidato em um contexto de alta fragmentação e competição eleitoral, ajudando a fixar sua imagem na memória do eleitor.

A partir da perspectiva sociológica elaborada por Roberto DaMatta, o uso de nomes parlamentares associados a profissões - principalmente na saúde e segurança/militar - é uma manifestação do "argumento de autoridade" que fundamenta a legitimidade do parlamentar a partir do prestígio social e cultural dessas profissões. Estes títulos funcionam como símbolos rituais que evocam respeito, competência e liderança, elementos essenciais na construção do poder e da confiança política no Brasil.

Limitações e considerações finais

A presença de profissões nos nomes parlamentares é um fenômeno nacional, com repercussão tanto no Congresso Nacional quanto nas legislaturas estaduais e municipais, porém mais acentuado em estados mais populosos e politicamente estratégicos. A distribuição regional também reflete tradições políticas locais e o peso que certas profissões têm no imaginário eleitoral regional (por exemplo, militares no Centro-Oeste e Norte; religiosos no Nordeste). O uso desses títulos é recorrente independentemente do estado, mostrando o valor simbólico dessas carreiras na política brasileira.

Embora haja claros benefícios eleitorais, a excessiva ênfase nos títulos pode restringir o debate a identidades e categorias profissionais, em detrimento da discussão sobre políticas públicas amplas. Além disso, pode contribuir para a personalização da política, enfraquecendo partidos e programas, ou, mesmo, para atrelar os parlamentares a pautas específicas, como se fossem uma derivação do próprio sistema partidário.

Contudo, a análise dos dados demonstra que a identificação profissional cumpre função estratégica central no marketing político brasileiro. Ela traduz valores, inspira confiança, facilita a lembrança do eleitor e pode, em muitos casos, ser decisiva para o sucesso eleitoral, independentemente de partido ou estado.

Em suma, a incidência da identificação de profissões nos nomes parlamentares dos deputados é um fenômeno consolidado, multifacetado e de efeitos profundos na cultura eleitoral e na dinâmica política brasileira, e que tem se mostrado mais relevante a cada eleição. Resta saber se, por força dessa tendência, haverá ou não efeitos deletérios sobre a estrutura partidária e a atuação dos partidos em relação aos temas de interesses desses parlamentares.

Ademais, a ausência de identidade profissional expressa no nome parlamentar não impede que, no curso do mandato, o parlamentar revele-se alinhado a quaisquer uma das áreas de interesse evidenciadas pelos nomes parlamentares analisados, papel que as Frentes Parlamentares desempenham ao agregar os parlamentares de diferentes bancadas em torno de temas de interesse comum.

Não é a intenção desta brevíssima abordagem do tema extrair conclusões definitivas, ou explorá-lo em sua totalidade. Há muitas questões a serem respondidas, e um refinamento da pesquisa poderá trazer conclusões mais amplas e fidedignas, mas o que foi apresentado demonstra, de per si, a relevância do "nome parlamentar" associado a profissões ou atividades específicas, como meio de legitimação e fortalecimento da imagem de autoridade.

Estudos mais detalhados que examinem as trajetórias profissionais dos parlamentares poderão acrescentar elementos valiosos para uma melhor compreensão das identidades profissionais na Câmara dos Deputados e sua vinculação a grupos de interesse ou correntes ideológicas.


*Para os fins desta abordagem preliminar, considerou-se que todos os eleitos que utilizam o título de Doutor ou Doutora estão ligados à área de saúde. Contudo, é possível que entre eles haja algum vinculado a carreiras jurídicas. Analisando-se as candidaturas (e não os eleitos) verifica-se que alguns membros da advocacia se identificaram perante o eleitor como "Doutor" ou "Doutora". Refinamentos posteriores poderão aclarar essa situação.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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