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Regulação digital
26/8/2025 12:00
Os danos provocados pela ausência de uma regulação das plataformas de redes sociais no Brasil voltaram à pauta a partir do tema da adultização de crianças e adolescentes. O projeto de lei 2628/2022, aprovado no último dia 20 pela Câmara dos Deputados e encaminhado agora ao Senado para votação, prevê medidas para a proteção da infância em ambientes digitais, estabelecendo, principalmente, mecanismos que previnam a exposição a conteúdos danosos e combatam crimes e práticas ilegais. Ao mesmo tempo, o projeto joga luz sobre o método de exploração da atenção que está vinculado ao modelo de negócios das plataformas digitais: vício, saúde mental, utilização de dados pessoais, recompensas, perfilamento, monitoramento comportamental e publicidade direcionada. O projeto avança nesse sentido, mas não será suficiente para enfrentar as principais questões que hoje colocam em risco grupos em situação de vulnerabilidade - crianças, adolescentes, mulheres, pessoas LGBT+, ativistas, para nomear alguns.
Em geral, as discussões sobre regulação, incluindo as geradas pelo projeto 2628, se atêm e, muitas vezes, paralisam, na falsa dicotomia entre regulação e liberdade de expressão. Isso acontece por uma ênfase na moderação de conteúdo como principal medida a ser adotada. Mas um debate genuíno sobre liberdade de expressão no ambiente digital e proteção de grupos em situação de vulnerabilidade deve considerar não apenas o que deve ser removido pelas plataformas, mas também o que é priorizado e seletivamente distribuído por elas. Uma abordagem regulatória eficaz não pode prescindir da maneira como certas postagens e narrativas são amplificadas ou silenciadas na arena pública tendo por parâmetro o interesse econômico e o atual modelo de negócios dessas plataformas.
Grande parte dos problemas que enfrentamos hoje se escora em dois pilares de funcionamento das big techs: a falta de transparência sobre como os algoritmos funcionam e os modelos fechados que determinam a distribuição dos conteúdos e a venda casada de seus serviços. Ou seja, elas hospedam os conteúdos e, ao mesmo tempo, selecionam e entregam aqueles que supostamente teriam maior interesse do público. A curadoria exclusiva de conteúdo exerce, portanto, dentro do interesse econômico das plataformas, um poder significativo sobre o que aparece na tela dos usuários e tem um impacto profundo na construção de opiniões e no direcionamento do debate público. Uma forma de dominação sob a aparência de liberdade.
Diante deste risco, as respostas regulatórias devem ser reforçadas por um marco normativo que vá ao cerne do problema: o modelo de negócios destas empresas - baseado no lucro gerado a partir da amplificação de informações sensacionalistas e do engajamento forçado.
Para isso, é essencial romper o monopólio dos mercados digitais e basear a busca por soluções em outros dois pilares, desta vez da democracia: a diversidade social e a liberdade econômica. Na prática, isso significa abrir espaço para que novos participantes entrem nesse mercado, estimular a concorrência, incentivar a inovação tecnológica e promover a transparência no ambiente digital.
Um aspecto central é garantir a interoperabilidade - ou seja, permitir que diferentes serviços conversem entre si - e até mesmo "desagregar" certos serviços. Isso possibilitaria que outros atores oferecessem a curadoria de conteúdo para quem usa essas plataformas. Uma pessoa interessada em discussões sobre direitos sexuais e reprodutivos, por exemplo, poderia aderir à curadoria de conteúdos oferecidos por organizações ou empresas que se dediquem a esse serviço. Outro passo importante é ampliar quem pode ajudar a decidir essas regras, indo além das empresas e incluindo diversos setores interessados da sociedade, como a academia e a sociedade civil.
Outros dois projetos sobre o mesmo tema serão enviados pelo governo ao Congresso na semana que vem. Um deles trata de serviços digitais e proteção do usuário e outro de mercados digitais e aspectos concorrenciais. É importante que, para além da base de proteção calcada no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), CDC (Código de Defesa do Consumidor) e alinhada com as diretrizes do projeto de lei 2628, o Marco de Responsabilidade Digital também responsabilize as plataformas por remoções indevidas (em especial a proteção à manifestação da defesa de direitos e o exercício da liberdade de expressão) e abuso de poder de moderação, como um direito protegido para o usuário. Na proposta de regulação de concorrência é relevante que se trate de obrigação de transparência econômica - incluindo regras de publicidade - adoção da interoperabilidade e abertura de participação de interessados em processos de antitruste.
No contexto atual, de atritos entre Brasil e EUA, isso se torna ainda mais relevante, considerando que muitas empresas que dominam o nosso mercado não têm raízes nacionais, e o país, sabemos, tem todo o potencial para liderar a criação de tecnologias abertas, livres e descentralizadas. Em um ambiente de competição justo, é essencial investir em políticas públicas que fomentem a produção de informação orientada pela defesa de direitos, pelo interesse público e pela redução das desigualdades. É mais do que hora de garantir que o espaço digital seja moldado por valores democráticos, e não apenas por algoritmos voltados ao lucro. Regular as plataformas não é limitar a liberdade de expressão: é criar as condições para que ela floresça em um ecossistema plural, transparente e seguro para todos.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].