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28/8/2025 12:00
O Grupo de Trabalho (GT) da reforma administrativa retoma o debate sobre mudanças constitucionais em um contexto distinto e supostamente com um conteúdo diferente em relação à PEC 32/2020. No entanto, é fundamental combatê-la porque se encontra em descompasso com o que vem sendo implementado pelo governo federal em nível infraconstitucional e pode comprometer medidas em elaboração no Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) que sinalizam para a valorização do serviço público, para a modernização das formas de prestação de serviço e para a valorização dos servidores.
Para deixar claras as visões em debate e fundamentar as razões pelas quais os servidores devem considerar essa nova tentativa do Congresso Nacional de fazer uma reforma administrativa às pressas como inadequada, inoportuna e fora de contexto, é necessário comparar as motivações das três propostas em discussão: a PEC 32/2020, a proposta do GT e as diretrizes do governo federal para a administração pública.
As motivações da PEC 32/2020 são conhecidas de todos: a proposta era vista pelo governo anterior como um instrumento para ajuste fiscal, que teve no congelamento salarial ocorrido entre 2019 e 2022 a mais pura expressão da "granada no bolso do inimigo", no caso, o servidor público, como declarou o então ministro da Economia, Paulo Guedes. Seu objetivo final era o desmonte e a privatização dos serviços públicos, a venda do patrimônio público e a contratação de serviços pelo setor privado, sob a supervisão de um pequeno número de gestores nomeados politicamente pelo governo de plantão.
Equivocada sobre a natureza e a forma de funcionamento do Estado, a PEC partia de três pressupostos falsos, comuns à abordagem da Nova Gerência Pública, de caráter neoliberal, que inspirou reformas na década de 1990: a suposta superioridade do setor privado em relação ao setor público na gestão de políticas públicas; a ideia de que o servidor público é ineficaz, ganha salários acima da média do setor privado e trabalha pouco; e a crença de que o Estado é ineficiente por natureza e tudo que produz ou faz custa mais caro do que se adquirido no setor privado.
A lógica, portanto, além de fiscalista, era persecutória ao serviço público e aos servidores. O delírio do governo anterior era tal que acreditava que os servidores públicos eram socialistas e de esquerda, privilegiados com a estabilidade e altos salários e, por isso, era necessário desmontar o Estado para que a iniciativa privada pudesse produzir e prestar serviços livre da concorrência e das amarras estatais, permitindo que governos liberais pudessem governar sem o suposto boicote ideológico de servidores de carreira, e reduzindo despesas.
Para provar que o governo Bolsonaro perseguiu servidores, basta dizer que seu governo congelou salários e promoveu cortes de vários direitos, além de realizar privatizações e tentativas de venda e extinção de empresas públicas, assim como a desativação de instâncias e espaços de diálogo com a sociedade, como o Conselhão, a Mesa de Negociação Coletiva e os conselhos de previdência. Apenas a título de exemplo, pode-se demonstrar que não houve concurso público, os salários dos servidores ficaram congelados por quatro anos, foi aprovada a Reforma da Previdência (EC 103/2019) e a PEC Emergencial (EC 109/2021), com restrições e gatilhos que suspendem reajustes, progressões e promoções em período de calamidade ou excesso de despesa primária obrigatória, além de impor restrições ao parcelamento de reajustes.
A posse do presidente Lula em janeiro de 2023 interrompeu o desmonte do Estado. Foram retomados os espaços de diálogo, houve reajuste salarial já no primeiro ano, foram instaladas as mesas de negociação e promovidos concursos para reposição de quadros na administração pública. O atual governo rejeita a abordagem fiscalista e considera a PEC 32 superada, pois afrontava os princípios de administração e de gestão pública, além de ser completamente adversa à ideia de um Estado forte e presente no cotidiano dos brasileiros.
As diretrizes do governo Lula para a Administração Pública passam por reformas em nível infraconstitucional que fortaleçam o Estado, democratizem a gestão e valorizem os servidores, mediante a modernização das estruturas administrativas e foco em capacidades estatais, pois entende que a Constituição Federal de 1988 já fornece os fundamentos para que o Estado cumpra suas funções, especialmente as de garantir direitos e prestar serviços universais (saúde, educação, segurança, etc.), promover o bem-estar e o desenvolvimento, proteger a cidadania, a dignidade, o trabalho e a livre iniciativa, perseguir os objetivos de uma sociedade justa, solidária e sem desigualdade e assegurar o cumprimento dos direitos sociais que exigem atuação do Estado. Embora haja alguns equívocos, como a imposição de tabelas alongadas, e continue a não ser cumprida a obrigação da revisão geral anual, para reposição da inflação, e a contribuição previdenciária dos servidores aposentados e o confisco contributivo instituídos pelas "reformas da previdência" de 2003 e 2019 não tenham sido revistos, a linha geral das medidas é favorável aos servidores.
Desde a posse, o governo do presidente Lula já implementou o sistema nacional de concursos públicos unificado, reativou a mesa permanente de negociação, ampliou para 30% as cotas para negros, indígenas e quilombolas, aprovou a lei da equiparação salarial entre homens e mulheres e retomou a política de aumento real do salário-mínimo. Além disso, estão em fase de elaboração e negociação no MGI propostas sobre a regulamentação da convenção 151 da OIT, que trata da negociação coletiva no serviço público, a liberação de dirigentes sindicais para exercício do mandato, o combate aos privilégios e aos supersalários na administração pública, entre outras.
O Grupo de Trabalho (GT) da reforma administrativa, uma tentativa do presidente da Câmara dos Deputados de deixar um legado para sua gestão, pretende retomar o debate interrompido pela não apreciação da PEC 32, porém com uma nova narrativa que convença a sociedade, o parlamento, o governo e os servidores públicos de sua necessidade e conveniência. Sem debates mais aprofundados, o relator pretende apresentar 70 mudanças na administração pública, nos três níveis de governo, por meio de três tipos de proposições: PEC, proposta de Lei Complementar e Proposta de Lei Ordinária. Quer aproveitar o segundo semestre de 2025, portanto, antes do início do processo sucessório em 2026, para aprovar a toque de caixa uma reforma que, na aparência, é diferente da PEC 32, mas, na essência, é fiscalista e precarizante das relações de trabalho no serviço público, pois prioriza bônus de produtividade e contratação temporária.
Com discurso direcionado à melhoria da alocação de recursos e da gestão pública, o GT apresenta um conjunto de ideias supostamente destinadas a melhorias na prestação de serviços públicos, pôr fim aos privilégios e supersalários, instituir meritocracia, avaliação de desempenho, bônus vinculados a indicadores, metas e resultados da administração pública e adotar boas práticas em todas as esferas e níveis de governo (União, estados e municípios). Na retórica, temas como estabilidade, direitos dos servidores, recomposição salarial, aumento de salários ou reestruturação de carreiras não fariam parte das proposições do GT, conforme consta do documento de 10 de junho de 2025. Porém, nas manifestações do relator perante o público de mercado e nas entrevistas na imprensa, e até mesmo no documento entregue aos líderes partidários, a lógica do ajuste fiscal está presente.
Para comprovar que a não inclusão desses temas na reforma é apenas retórica, basta dizer que quando se vincula remuneração e estabilidade a avaliação de desempenho, na prática, está se mexendo em direitos atuais; quando se fixa a obrigatoriedade de carreiras com no mínimo 20 padrões, na prática, está se mexendo em direitos; quando se propõe tabela única, na prática, está se mexendo em direitos; quando se estabelece que a remuneração depende de desempenho e metas, na prática, está se mexendo em direitos.
Como se vê, as diferenças são grandes entre as três visões. A PEC 32 traz a visão de estado mínimo e vê a reforma como instrumento de redução de gastos, redução do Estado e de perseguição de adversários políticos; as diretrizes do governo Lula rejeitam ajuste sobre os servidores, terceirizações e precarizações, e propõem um Estado indutor do desenvolvimento, que deve ter estrutura e capital humano qualificado para prestar serviços; e as propostas do Relator do GT estão mais para a PEC 32 do que para as diretrizes do atual governo.
Frente a esse cenário, cabe aos servidores e suas entidades de classe intervir nesse debate, com propostas claras no plano geral de defesa do papel do Estado e na questão específica da defesa de seus direitos. No plano geral, os servidores e suas entidades precisam atuar junto ao Congresso em defesa do fortalecimento do Estado como instrumento de cidadania, com foco na eficiência, equidade e democracia, e do respeito à Constituição e à defesa do fortalecimento dos serviços públicos. Especificamente, devem continuar defendendo a gestão democrática, a profissionalização do serviço público, a manutenção da estabilidade, a continuidade do Regime Jurídico Único (RJU), a estruturação de carreiras racionais, a remuneração justa, a negociação coletiva, a transparência e a integridade. Genericamente, devem combater e rejeitar o modelo de estado mínimo, a pjotização, uberização e precarização do trabalho, o trabalho temporário como regra e a proposta de condicionar remuneração e estabilidade a metas de desempenho.
Para concluir, é preciso astúcia política. É claro que transparência, integridade, serviços de qualidade e combate a privilégios como férias de 60 dias, supersalários, penduricalhos e revisão de vantagens indevidas são bem-vindos. Mas os servidores e suas entidades não podem se iludir. A proposta do GT, embora ancorada em valores e ideias que, sob a perspectiva da narrativa, merecem apoio, vai na direção da fragilização dos direitos dos servidores. Por isso devem chamar a atenção para a inconveniência e inoportunidade de sua aprovação, ainda mais considerando que parte dessas medidas é de iniciativa privativa do Poder Executivo, e o governo federal já vem adotando algumas delas, e sem necessidade de mexer na Constituição. Portanto, em lugar de Estado Mínimo, como prevê a PEC 32, ou de fragilização e precarização, como defende o relator do GT, devemos defender o Estado necessário, que seja capaz de criar as condições para assegurar crescimento econômico, estabilidade fiscal, inclusão social e prestar serviços públicos de qualidade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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