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A desconfiguração do Poder no século XXI: uma análise dos três "M" de Moisés Naím sob a ótica brasileira

Abundância, mobilidade e mentalidade estão redesenhando o exercício do poder no Brasil.

Antônio Augusto de Queiroz

Antônio Augusto de Queiroz

8/9/2025 18:00

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A natureza do poder, sua aquisição, exercício e conservação, constitui o cerne da análise política desde os primórdios do pensamento organizado sobre o Estado. Tradicionalmente, entendia-se o poder como uma entidade sólida, piramidal, concentrada e, não raro, perpetuada nas mãos de poucos atores - sejam Estados-nação, grandes corporações ou instituições políticas consolidadas. Contudo, o século XXI, acelerado por uma revolução tecnológica sem precedentes, vem desafiando e, em muitos aspectos, desmontando essa concepção clássica.

É neste contexto que a tese central do livro "O Fim do Poder", do renomado intelectual venezuelano Moisés Naím, ganha extraordinária relevância. Naím argumenta que o poder no mundo contemporâneo não está meramente a mudar de mãos, mas a tornar-se mais efêmero, contestado e difícil de exercer. O autor sintetiza essa transformação radical em três fenômenos disruptivos, os chamados três "M": Mais, Mobilidade e Mentalidade.

O objetivo desta coluna é dissecar esses três eixos propostos por Naím, aplicando-lhes a lupa da realidade sociopolítica e econômica brasileira. Busca-se compreender como a abundância, a velocidade e a transformação de valores não são forças abstratas, mas elementos concretos que reconfiguram diariamente o jogo de poder no Brasil, desafiam suas instituições e remodelam a relação entre o cidadão e as esferas tradicionais de autoridade.

1. O "Mais": a abundância que paralisa e fragmenta

O primeiro "M" refere-se à explosão de opções, ofertas e vozes em virtualmente todos os domínios da vida. Naím observa que passamos de um mundo de relativa escassez para um de abundância quase asfixiante. Esta não se restringe a bens de consumo, mas estende-se à informação, a formas de trabalho, a grupos de interesse, a fontes de financiamento e, crucialmente, a canais de comunicação.

No campo da política, a era da escassez era caracterizada por poucos partidos, poucos veículos de mídia de massa (rádio, TV e jornais) e um número limitado de lideranças com acesso ao discurso público. O poder, neste ambiente, era previsível e concentrado. A abundância, por outro lado, fragmentou esse ecossistema. A proliferação de partidos nanicos, muitas vezes sem base programática sólida mas com poder de barganha, é um sintoma claro. O Congresso Nacional torna-se um ambiente de multiplicidade caótica, onde formar uma base coesa de governabilidade é uma tarefa hercúlea, comparável a montar um quebra-cabeça com peças que mudam de forma constantemente.

Na esfera da informação, o fenômeno é ainda mais evidente. Se outrora um pequeno grupo de emissoras e jornais exercia o poder de pautar a nação - um poder imenso -, hoje vivemos na era do excesso informacional. Redes sociais, blogs, portais independentes, newsletters e aplicativos de mensagens criaram um universo de "mais" onde cada indivíduo pode ser, simultaneamente, consumidor e produtor de conteúdo. Esta democratização do discurso é, em tese, positiva. Contudo, gera uma consequência paradoxal: a dificuldade de se estabelecer um consenso sobre a verdade factual.

A autoridade outorgada aos grandes veículos e às instituições de checagem é constantemente contestada por uma miríade de vozes alternativas. A abundância de fontes não levou necessariamente a um público mais informado, mas, muitas vezes, a um público que busca seletivamente informações que confirmem suas crenças prévias, criando bolhas epistemológicas e polarização. O poder de definir a narrativa nacional, outrora claro, hoje é disputado numa batalha diária e atomizada, onde o volume frequentemente supera a veracidade.

2. A "Mobilidade": a aceleração que desestabiliza

O segundo "M", Mobilidade, refere-se à vertiginosa aceleração do movimento de capitais, pessoas, ideias, tecnologias e culturas. Tudo se desloca em tempo real ou próximo disso, reduzindo drasticamente as barreiras de espaço e tempo que outrora conferiam estabilidade e proteção aos detentores do poder.

Um governo ou uma grande corporação já não pode contar com a lentidão dos processos para conter crises, articular respostas ou controlar fluxos. Um vídeo gravado em um município do interior pode viralizar e derrubar uma autoridade nacional em questão de horas. Um tweet pode desvalorizar uma moeda. Capital especulativo move-se eletronicamente através das fronteiras, desafiando políticas econômicas nacionais e limitando soberanamente a autonomia de Estados nacionais. A mobilidade do capital é, hoje, talvez um poder maior do que o poder legislativo de muitos países.

No contexto da administração pública, a mobilidade cria uma expectativa de instantaneidade incompatível com os ritmos tradicionais do Estado. A sociedade, acostumada à velocidade dos serviços digitais privados (como delivery por aplicativo ou streaming sob demanda), exige respostas igualmente ágeis dos serviços públicos de saúde, educação e segurança. A lentidão burocrática, outrora apenas um incômodo, torna-se agora um motivo de crise de legitimidade e de desconfiança generalizada nas instituições.

Esta mobilidade também impacta o mundo do trabalho e a organização social. Profissões estáveis e carreiras lineares, que conferiam poder e status a corporações profissionais, dão lugar a formas mais fluidas e precárias de trabalho (a gig economy - trabalho informal, temporário ou instável e inseguro). A mobilidade laboral, embora ofereça flexibilidade, também fragiliza o poder de negociação coletiva de sindicatos, outro ator tradicional que vê sua influência se esvair em um mundo de relações de trabalho cada vez mais individualizadas e voláteis.

Fragmentação política, a velocidade e a mudança de mentalidade dificultam o exercício do poder no país.

Fragmentação política, a velocidade e a mudança de mentalidade dificultam o exercício do poder no país.Freepik

3. A "Mentalidade": a transformação ética e a erosão da autoridade

O terceiro e talvez mais profundo "M" é a mudança de Mentalidade. Naím aponta para uma transformação radical nas expectativas, aspirações, valores e comportamentos dos cidadãos, em especial das novas gerações. Há uma rejeição crescente a hierarquias rígidas, a padrões de autoridade tradicionais e a uma ética baseada em princípios estáticos como verdade, justiça e equidade, que são frequentemente relativizados em prol de narrativas convenientes.

Esta alteração de mentalidade é visceralmente observável na relação do cidadão com a política. O respeito quase automático a figuras de autoridade - presidentes, governadores, juízes, generais, bispos - evaporou-se. A credibilidade já não é outorgada pelo cargo ou título; deve ser conquistada e reconquistada a cada ato, a cada fala, em tempo real e sob o escrutínio implacável das redes sociais. A cultura do "cancelamento" é a face mais extrema desta nova dinâmica, onde o poder de reputação pode ser construído ou destruído por um crowd (multidão) virtual de forma instantânea e, por vezes, injusta.

No Brasil, essa mudança de mentalidade alimenta um ciclo perverso de descrença institucional. A expectativa por transparência absoluta e por uma ética imaculada - embora nobre - choca-se com a realidade complexa e imperfeita da política e da gestão pública. Cada deslize, real ou amplificado, é visto não como uma exceção, mas como a confirmação de uma regra de corrupção generalizada. Isso gera cinismo, desengajamento e, paradoxalmente, abre espaço para atores que se apresentam como "antissistema", prometendo demolir as instituições que eles próprios identificam como podres. O perigo reside no fato de que, ao se demolir as instituições, demolem-se também os freios e contrapesos essenciais à própria democracia.

A relativização de princípios como a verdade factual é talvez o aspecto mais preocupante. Em um ambiente onde "a minha verdade" vale tanto quanto "a verdade", o debate público fica impossibilitado. O poder deixa de ser disputado com base em argumentos e projetos e passa a ser disputado com base na força bruta de narrativas emocionais, na pós-verdade e na manipulação direta da informação. A arena política se transforma em um campo de batalha onde os mais éticos nem sempre são os mais bem-sucedidos, mas sim os mais hábeis em manipular as novas mentalidades e canalizar o descontentamento.

Conclusão: o poder não acabou, mas tornou-se ingovernável

A tese de Naím não deve ser interpretada ao pé da letra. O poder não "acabou". Ele permanece como a força motriz das relações humanas. No entanto, a análise dos três "M" - Mais, Mobilidade e Mentalidade - demonstra que ele se tornou radicalmente diferente: mais difuso, mais líquido, mais contestado e de mais difícil exercício estável.

Os grandes atores tradicionais - o Estado, os grandes partidos, a grande mídia, as corporações - ainda detêm imenso poder, mas já não o monopolizam. Eles agora precisam disputá-lo diariamente com uma legião de micropoderes: o influenciador digital, a startup disruptiva, o movimento social viralizado, o grupo de WhatsApp, o fundo de investimento internacional e o cidadão comum armado com um smartphone e uma conta nas redes sociais.

Para o Brasil, esta nova configuração apresenta um duplo desafio. Por um lado, oferece a oportunidade histórica de superar estruturas de poder arcaicas, oligárquicas e profundamente entranhadas em nossa história, através de uma maior participação, transparência e accountability possibilitadas pela tecnologia. A abundância de vozes pode enriquecer o debate democrático; a mobilidade pode modernizar o Estado; e uma nova mentalidade pode exigir padrões éticos mais elevados. Por outro lado, o risco é de que a desconfiguração do poder caminhe para uma simples desordem, onde a fragmentação paralise a governança, a velocidade impeça a reflexão e a relativização de valores solape os próprios alicerces da convivência democrática.

O grande dilema do século XXI, portanto, não é como concentrar poder como outrora, mas como construir novos consensos, novas legitimidades e novas instituições ágeis e resilientes o suficiente para governar um mundo que se move na velocidade dos três "M". O poder não terminou; tornou-se, simplesmente, ingovernável. E aprender a governar essa nova paisagem é a tarefa política definidora de nossa era.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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