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JUDICIÁRIO

Veja como foi o 4º dia de julgamento do núcleo crucial do golpe

Quarto dia de audiências na ação penal do golpe se encerra com placar de 2x1 pela condenação de Bolsonaro.

Congresso em Foco

10/9/2025 | Atualizado às 22:56

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A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade nesta quarta-feira (10) às audiências voltadas ao julgamento de Jair Bolsonaro e demais membros do Núcleo 1 da ação penal do golpe de Estado, que chega ao seu quarto dia de reuniões. O ex-presidente e outros sete aliados são acusados de coordenar uma campanha de descredibilização do sistema eleitoral em 2022, e de depois terem tentado impedir o efeito de sua derrota eleitoral.

Esta foi a segunda sessão voltada à leitura dos votos dos ministros, com previsão o posicionamento de Luiz Fux. O ministro proferiu um voto longo, com mais de oito horas de duração. Ele abriu a primeira divergência dentro do processo, tendo votado pela absolvição de todos os réus com exceção de Braga Netto e Mauro Cid, a quem imputou o planejamento e tentativa de execução da operação clandestina Punhal Verde e Amarelo.

Com isso, o processo chega ao placar de 2 a 1 pela condenação de Bolsonaro. Votaram favoravelmente o relator, Alexandre de Moraes, e o ministro Flávio Dino.

Assista ao quarto dia de julgamento, e acompanhe a leitura dos principais eventos da audiência:

Parte 1:

Parte 2:

Não cabe ao Supremo fazer juízo político, diz Fux

O presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, abriu a sessão às 9h09 desta terça-feira (10). Após a leitura da ata anterior, passou a palavra ao ministro Luiz Fux, que iniciou a leitura de seu voto no julgamento do núcleo central da trama golpista.

O ministro destacou o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) como guardião da Constituição e enfatizou que não cabe à Corte realizar avaliações políticas.

"Cumpre-nos, enquanto magistrados, zelar pela verticalidade das normas legais e constitucionais. Não compete ao Supremo realizar juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. O que nos cabe é afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal", afirmou.

Segundo o ministro, a missão principal do STF é assegurar que a Constituição funcione como referência fundamental da vida nacional. "A Carta Magna é o ponto de partida, o caminho e o porto de chegada de todas as indagações nacionais. A jurisdição constitucional se diferencia das funções legislativa e executiva justamente porque tem limites institucionais claros", acrescentou.

Fux frisou ainda que o papel do julgador não deve se confundir com o do agente político. "Trata-se de uma missão que exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, a fim de evitar a contaminação do julgamento por critérios de conveniência política", disse.

Ao citar o professor Délio Levinson, o ministro reforçou que a legitimidade do STF está em produzir decisões distintas daquelas tomadas pelos demais poderes. "Os pressupostos da independência e da harmonia entre os Poderes consistem justamente no fato de cada um desenvolver capacidades institucionais próprias", afirmou.

Fux destacou que a Constituição delimita de forma restrita os casos em que cabe ao Supremo atuar originariamente em processos penais, conforme previsto no artigo 102. "Trata-se de competência excepcionalíssima, que aproxima o STF da rotina dos juízes criminais em todo o país", declarou.

Ministro defende rigor técnico na Justiça criminal e papel imparcial do juiz

No terceiro dia de julgamento do núcleo central da tentativa de golpe, o ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou em seu voto a importância de preservar a imparcialidade judicial e o rigor técnico na Justiça criminal. Para ele, cabe ao Ministério Público assumir o papel central na produção das provas, enquanto ao juiz compete zelar pelo equilíbrio processual e pela aplicação correta da Constituição.

Segundo Fux, a ação penal deve ser conduzida com base em provas consistentes, produzidas prioritariamente pela acusação. "O Ministério Público, como titular da ação penal, tem o primeiro ônus de produzir evidências diretas e indiretas que corroborem ou infirmem as hipóteses acusatórias", afirmou.

O ministro explicou que a missão da acusação é transformar a narrativa inicial em conclusões sólidas, "acima de qualquer dúvida razoável". Para ele, esse trabalho exige "significativo rigor analítico", já que cada elemento pode alterar o conjunto probatório e a compreensão sobre os fatos.

Fux: "Juiz deve se afastar do clamor social e político"

O ministro Luiz Fux enfatizou que o juiz não deve assumir funções de investigação ou de acusação. Seu papel, disse, é manter o distanciamento necessário para garantir imparcialidade e assegurar os direitos e garantias dos envolvidos.

"O juiz exerce dois papéis essenciais na Justiça criminal: controlar a regularidade da ação penal e firmar o juízo definitivo de certeza, distinguindo entre as hipóteses acusatórias e as que são efetivamente comprovadas por evidências concretas", afirmou.

O ministro acrescentou que a independência do magistrado é fundamental para evitar pressões externas. "O juiz deve estar afastado do clamor social e político. A maior responsabilidade da magistratura é ter premissas para condenar com certeza, mas também humildade para absolver quando houver dúvida", ressaltou.

Fux aproveitou para destacar o papel do Supremo como formador de precedentes que orientam todo o Judiciário. Ele lembrou que cada decisão da Corte não se limita às partes envolvidas no processo, mas influencia casos futuros julgados por tribunais em todo o país.

"Cada precedente firmado torna-se patrimônio público da nação, devendo assegurar estabilidade, previsibilidade e segurança à ordem jurídica constitucional", afirmou. Para o ministro, os ministros do STF devem ter plena consciência de que são "farol de coerência jurídica para todo o sistema de justiça".

Na visão de Fux, a responsabilidade do Supremo é dupla: julgar com rigor técnico os réus da ação penal e, ao mesmo tempo, produzir decisões que sirvam de referência para os mais de 18 mil magistrados brasileiros. "Não nos limitamos a decidir litígios isolados. Cada decisão do STF projeta-se para além das partes do processo e irradia efeitos normativos e interpretativos", disse.

Fux defende anulação do processo da trama golpista

O ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (10) pela incompetência da Corte para julgar o processo do núcleo central da tentativa de golpe de Estado. Para ele, como nenhum dos oito réus possui prerrogativa de foro e todos haviam deixado seus cargos quando foram denunciados, o caso deveria tramitar na primeira instância da Justiça.

Segundo o ministro, a prerrogativa de foro sofreu alterações significativas ao longo dos anos e não deve ser ampliada de forma indevida. "A prerrogativa de foro sofreu inúmeras modificações. Houve certa banalização dessa interpretação constitucional", afirmou.

"A minha primeira preliminar, ela anula completamente o processo por incompetência absoluta", disse. "Em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados", acrescentou.

Ele reforçou que o atual entendimento sobre a manutenção de processos no Supremo, mesmo após a perda de cargos, é recente e não se aplicaria ao caso. "Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, desse ano", disse.

Antes de entrar no mérito da preliminar, Fux fez uma defesa do papel constitucional do Supremo. Destacou que a Corte é guardiã da Constituição e não deve confundir suas funções com as de agentes políticos.

"Cumpre-nos, enquanto magistrados, zelar pela verticalidade das normas constitucionais e legais. Não compete ao STF realizar um juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente. Compete a este Tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal", declarou.

Para o ministro, a objetividade e o rigor técnico devem guiar a atuação da Corte. "Trata-se de missão que exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, a fim de não se confundir o papel do julgador com o de agente político", acrescentou.

Fux ressaltou ainda que a Constituição delimita de forma restrita as hipóteses em que o STF pode atuar originariamente em processos penais, conforme o artigo 102. "Trata-se de competência excepcionalíssima. Quando o Supremo exerce essa atribuição, aproxima-se em essência da rotina desempenhada pelos juízes criminais de todo o país", avaliou.

As defesas dos acusados já haviam sustentado a tese da incompetência do STF, alegando que nenhum dos réus tinha direito a foro especial. O voto de Fux reforça essa linha de argumentação, em contraposição ao relator, Alexandre de Moraes, que considerou a Corte competente e votou pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete acusados.

"Tsunami de dados" compromete defesa, diz Fux em voto sobre trama golpista

O ministro Luiz Fux defendeu o direito ao contraditório e à ampla defesa como pilares da Justiça criminal. Citando filósofos, tratados internacionais e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, ele lembrou que ninguém pode ser considerado culpado sem julgamento público e sem a garantia de defesa plena.

"Toda pessoa acusada tem direito à plena igualdade e diversas garantias, entre as quais dispor de tempo necessário para preparar sua defesa", afirmou, destacando que os advogados devem ter acesso integral aos autos e condições adequadas para contestar as acusações.

Fux também chamou a atenção para um suposto cerceamento de defesa no processo, que teria ocorrido devido à entrega tardia de um volume maciço de documentos e informações digitais às defesas. Para ele, essa prática - que chamou de "tsunami de dados" - compromete o exercício pleno do contraditório.

"O contraditório e a ampla defesa são garantias incorporadas ao direito ocidental há séculos. Quem decide sem ouvir a outra parte, mesmo que decida com justiça, não age de forma justa", citou, referindo-se a passagens clássicas da filosofia do direito e à própria Declaração de 1948.

Divergência sobre competência do STF

Após tratar da questão do contraditório, o ministro voltou-se à discussão sobre a competência do STF para julgar o caso. Para Fux, a decisão de levar a ação à Primeira Turma, em vez do plenário, rebaixa a importância do processo e "silencia" vozes que poderiam contribuir com entendimentos divergentes.

"Ao rebaixar a competência originária do plenário para uma das duas turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam exteriorizar sua forma de pensar sobre os fatos a serem julgados", disse, defendendo que casos dessa magnitude deveriam ser analisados pelo colegiado completo, formado por 11 ministros.

O magistrado lembrou que, historicamente, o regimento interno do Supremo sempre atribuiu ao plenário a competência para julgar presidentes da República em crimes comuns, e que processos conexos já haviam sido apreciados no órgão máximo da Corte.

Foro e mudanças de entendimento

Fux também criticou o que chamou de "casuísmos" na aplicação recente das regras sobre foro privilegiado, observando que os réus perderam seus cargos antes do atual entendimento da Corte. "Estamos julgando pessoas que não têm prerrogativa de foro. Houve certa banalização dessa interpretação constitucional personalista", disse.

Segundo ele, a aplicação retroativa de entendimentos recentes para manter o caso no STF fere o princípio do juiz natural e a segurança jurídica.

Impacto no julgamento

Com seu voto, Fux diverge dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que já haviam se manifestado pela competência da Primeira Turma e pela condenação dos réus. Para ele, há "incompetência absoluta" da Turma, o que poderia levar à anulação de todos os atos processuais até aqui.

O julgamento, que analisa a responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete acusados pela tentativa de golpe de Estado, prossegue nesta semana com os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

Fux vota novamente pela anulação do processo por cerceamento à defesa

O ministro Luiz Fux levantou dúvidas sobre a forma como o processo tem sido conduzido e alertou para possíveis violações ao direito de defesa dos réus. Em seu voto, o magistrado citou parecer do professor Gustavo Badaró, da USP, que apontou risco de cerceamento diante do grande volume de provas produzidas e da dificuldade de acesso tempestivo pelas defesas. Pela segunda vez, ele acolheu os argumentos das defesas e defendeu a anulação do processo.

"Eu confesso que tive dificuldade para elaborar o voto. Eu acolho a preliminar de violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia", afirmou.

"São bilhões de páginas"

Fux chamou a atenção para a dimensão do material apreendido nas investigações, comparando a ação penal da trama golpista ao escândalo do Mensalão, que também julgou no Supremo.

"Estou há 14 anos no STF. Julguei casos complexos, como o Mensalão. Foram dois anos apenas para receber a denúncia e cinco anos para o julgamento. Procurei analisar cada detalhe do relatório de Joaquim Barbosa, um trabalho muito denso. Agora, no caso da trama golpista, salta aos olhos a quantidade de material apreendido. Nem acreditei: são bilhões de páginas", afirmou.

O ministro destacou que a entrega das mídias às defesas só foi autorizada em 30 de abril de 2025, mais de um mês depois do recebimento da denúncia, o que, segundo ele, reforça a tese de que houve prejuízo ao contraditório. "As defesas alegaram cerceamento justamente em razão desse 'tsunami de dados, disponibilizado de forma tardia", disse.

Além da questão do acesso às provas, Fux voltou a criticar a decisão do STF de manter o caso na Primeira Turma, apesar de nenhum dos réus ter prerrogativa de foro. Para o ministro, a Corte alterou seu entendimento sobre competência depois da prática dos crimes narrados pela Procuradoria-Geral da República.

"Estamos diante de uma ação penal recebida em 26 de março de 2025 contra oito réus em um primeiro grupo, e no total 34 acusados pela prática de crimes como organização criminosa e tentativa de golpe de Estado. Ocorre que o STF mudou a competência depois da data dos crimes, e essa regra passa a ser lindeira à criação de um tribunal de exceção", afirmou.

Crítica à condução do processo

Fux sustentou que mudanças de interpretação posteriores aos fatos podem afetar princípios fundamentais do direito, como o juiz natural e a segurança jurídica. "O órgão jurisdicional constitucional é absolutamente diverso do órgão ordinário. A modificação da competência após os crimes gera um desequilíbrio e ameaça a legitimidade do processo", concluiu.

Com esse posicionamento, o ministro se coloca em divergência em relação a Alexandre de Moraes, relator do caso, e a Flávio Dino, que já votaram pela competência da Turma e pela condenação dos oito réus do núcleo central.

Fux defende validade da delação de Mauro Cid e acolhe benefícios propostos pela PGR

Pela primeira vez o ministro Luiz Fux rejeitou uma contestação das defesas dos réus ao votar pela validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em sua manifestação, Fux acolheu os termos da delação e os benefícios negociados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Segundo o ministro, a delação de Cid trouxe elementos relevantes sobre a organização da trama golpista. "Há uma externalidade positiva, já que o réu foi chamado. Ele não foi chamado para inventar, mas para fatos novos que a própria polícia noticiava a ele", afirmou.

Fux destacou que o ex-ajudante de ordens sempre foi ouvido acompanhado de advogado e com os devidos cuidados legais. "As advertências pontuais feitas ao delator sobre eventual descumprimento do pacto fazem parte do rol de perguntas que se pode fazer a um colaborador. Ele acabou se autoincriminando, o que reforça a autenticidade de seus relatos", observou.

O voto de Fux surge em meio a divergências jurídicas sobre a validade do acordo. O próprio Ministério Público, que havia proposto a colaboração, chegou a se manifestar pelo arquivamento da delação. Para o ministro, contudo, mudanças de entendimento fazem parte da dinâmica do direito.

"Mudar de entendimento é manifestação de humildade judicial, é evoluir. O direito não é um museu de princípios, está em constante mutação", afirmou.

Mauro Cid é delator no processo que apura a tentativa de golpe de Estado atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a outros aliados. Em seus depoimentos, revelou bastidores do planejamento golpista, reuniões com militares e a circulação da minuta de intervenção.

Ao acolher o acordo, Fux acompanha posição já defendida por outros ministros da Turma, como Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que também reconheceram a colaboração de Cid como válida e útil para o processo.

Luiz Fux vota pela suspensão da ação contra Ramagem

O ministro Luiz Fux se manifestou sobre o alcance da ação penal que envolve o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado de integrar o núcleo da trama golpista junto ao ex-presidente Jair Bolsonaro e outros aliados.

A Câmara dos Deputados havia aprovado a suspensão parcial do processo contra Ramagem, restringindo a tramitação apenas aos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Com isso, os crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado foram excluídos do julgamento.

Ao analisar a questão, Fux defendeu que, no caso de Ramagem, deve ser respeitada a decisão da Câmara. Assim, votou pela suspensão da ação penal em relação a esses pontos.

No entanto, ao tratar da acusação de organização criminosa, o ministro ressaltou que esse tipo penal tem caráter permanente, ou seja, a prática se prolonga no tempo enquanto a estrutura estiver ativa. Por isso, segundo ele, essas acusações também devem ser suspensas.

"Diferentemente de um crime instantâneo, como o furto, que se consuma no exato momento da subtração, o crime de organização criminosa continua a ser praticado a cada dia em que a estrutura persiste, com todos os seus membros agindo em conjunto. Estamos diante de um único crime que se prolongou no tempo", afirmou.

Fux vê risco à legitimidade do processo por falta de tempo e excesso de provas

Um dos pontos centrais do voto do ministro Luiz Fux no julgamento da trama golpista está na tese de cerceamento de defesa diante da forma como o processo foi conduzido. Para ele, a pressa no andamento da ação e a disponibilização tardia de um acervo gigantesco de provas podem comprometer a legitimidade do julgamento.

"O contraditório e a ampla defesa são cláusulas essenciais do Estado Democrático de Direito e não podem ser relativizadas, sob pena de transformarmos um julgamento histórico em um processo questionável", afirmou.

O tamanho do desafio probatório

Segundo Fux, a Polícia Federal apreendeu 1.200 equipamentos eletrônicos e deles extraiu 255 milhões de mensagens de áudio e vídeo, além de produzir 1.214 laudos técnicos. O volume total chega a 70 terabytes, equivalentes a bilhões de páginas.

"Salta aos olhos a quantidade de material probatório envolvido. Até eu, ao elaborar o voto, enfrentei extrema dificuldade para lidar com esse acervo. Trata-se de um verdadeiro tsunami de dados entregue de forma tardia às defesas", disse.

A decisão que liberou o acesso às mídias só foi tomada em 30 de abril de 2025, mais de um mês após o recebimento da denúncia e a menos de 20 dias do início das audiências. Além disso, apenas cinco dias antes dos interrogatórios a PF forneceu links de acesso, sem qualquer indexação que facilitasse a pesquisa. Novos arquivos ainda foram incluídos em 15 de junho de 2025, já em plena fase de instrução.

Jurisprudência internacional e parecer técnico

Fux citou jurisprudência de cortes da Alemanha, Itália, Espanha e da Corte Europeia de Direitos Humanos, além do parecer do professor Gustavo Badaró (USP), para reforçar que a ampla defesa só se concretiza quando os advogados têm acesso integral e tempestivo às provas.

"Esse direito é um verdadeiro instrumento de proteção dos imputados e da sua própria dignidade humana", afirmou, lembrando que a falta de tempo razoável para organizar a defesa fere princípios fundamentais do processo penal.

Comparação com o Mensalão

Para dimensionar a complexidade, Fux comparou a ação atual ao Mensalão, em que também atuou no STF. "No Mensalão, foram dois anos até o recebimento da denúncia e cinco anos até o julgamento. Aqui, tivemos apenas cinco meses entre a denúncia e o início da análise, com um acervo infinitamente maior", observou.

A denúncia da PGR, apresentada em 26 de março de 2025, envolve 34 réus e aponta cinco crimes, entre eles organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Para Fux, a complexidade e o volume de provas exigiriam mais tempo e condições adequadas para garantir um julgamento justo.

Bolsonaro tem primeira derrota em julgamento: maioria valida delação de Mauro Cid

O Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quarta-feira (10) para validar o acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. A decisão representa a primeira derrota expressiva da defesa do ex-presidente no julgamento da trama golpista, que pode levá-lo a uma condenação de mais de 40 anos de prisão.

Em seus depoimentos, Cid revelou detalhes sobre o planejamento golpista, encontros com militares e até a circulação da chamada minuta de intervenção. Para a maioria dos ministros, a colaboração trouxe elementos relevantes para esclarecer a participação de Bolsonaro e de outros acusados. A maioria foi alcançada com o voto de Luiz Fux, sendo esta a única contestação feita pelos advogados dos réus rejeitada pelo ministro.

A anulação integral da delação era um pedido da defesa de Bolsonaro.

Ao votar pela manutenção do acordo, o ministro afirmou que a anulação seria uma medida excessiva. "Me parece desproporcional a anulação, a rescindibilidade dessa delação. Então, estou acolhendo a conclusão de sua excelência o relator (Alexandre de Moraes) e voto no sentido de aplicar a Mauro Cid os benefícios propostos pela Procuradoria-Geral da República", declarou.

Fux ressaltou ainda que omissões ou inconsistências nos depoimentos não anulam o acordo, mas podem justificar apenas a redução dos benefícios concedidos ao colaborador.

Antes do início da sessão, o advogado Paulo Cunha Bueno, que representa Jair Bolsonaro, voltou a atacar a delação de Cid. "A delação tem que ser derrubada até para não criar um precedente de jurisprudência horroroso para o país. É uma coisa que não deveria existir. É um mentiroso", afirmou à imprensa.

Durante o julgamento, na sessão de terça-feira (9), o relator do caso, Alexandre de Moraes, rebateu indiretamente esse argumento e disse que questionar o número de depoimentos prestados pelo delator "beira a litigância de má-fé". O ministro destacou que Cid prestou oito depoimentos, cada um sobre assuntos distintos, e que não há contradição entre eles.

Divergências de Fux

Apesar de ter acompanhado Moraes e Flávio Dino neste ponto, Fux também votou pelo acolhimento de outras três preliminares apresentadas pelas defesas. Para o ministro, o processo deveria ser anulado integralmente desde o recebimento da denúncia e remetido para a primeira instância da Justiça:

  • a incompetência do STF para julgar o caso, já que os réus não têm prerrogativa de foro;
  • a necessidade de o plenário, e não a Primeira Turma, analisar o processo;
  • e o alegado cerceamento de defesa em razão do volume gigantesco de provas reunidas.

Ou seja, ao mesmo tempo em que reconheceu a validade da delação, o ministro defendeu a anulação do processo por questões formais.

O cenário do julgamento

Com a maioria consolidada pela manutenção da delação de Cid, a defesa de Bolsonaro perde um de seus principais argumentos para tentar deslegitimar o processo. A colaboração do militar é vista pelos investigadores como peça-chave para demonstrar a existência de uma organização criminosa armada com o objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em 2023.

O julgamento prossegue nos próximos dias, com a expectativa de que até sexta-feira (12) a Primeira Turma conclua a análise sobre a condenação do ex-presidente e de outros sete réus do chamado núcleo crucial da trama golpista. Luiz Fux prossegue com a leitura de seu voto. Flávio Dino e Alexandre de Moraes já votaram pela condenação dos oito réus.

Fux refuta enquadramento do núcleo golpista como organização criminosa armada

O ministro Luiz Fux defendeu que o núcleo crucial formado por Jair Bolsonaro e aliados não pode ser enquadrado no crime de organização criminosa com uso de arma de fogo.

Segundo ele, a tipificação penal exige comprovação do efetivo emprego de arma durante as atividades do grupo, e não apenas o porte. "É preciso que a denúncia narre e comprove efetivo emprego de arma de fogo por algum membro do grupo durante as atividades da organização criminosa", disse o ministro.

Fux retomou conceitos clássicos do direito penal para diferenciar organização criminosa de concurso de pessoas. Quando há apenas a união momentânea de indivíduos para cometer um delito específico, explica o ministro, o caso se enquadra no concurso de pessoas.

Já a organização criminosa pressupõe estrutura estável, divisão de tarefas e prática reiterada de crimes indeterminados.

"Sempre que presente imputação de crimes a uma pluralidade de agentes e não esteja narrada a finalidade de praticar delitos indeterminados, afasta-se a incidência do crime associativo autônomo", afirmou.

Segundo o ministro, não há descrição na denúncia que os réus tenham empregado arma de fogo. "As alegações finais contêm uma única menção com arma de fogo, que não guarda relação alguma com os supostos membros da organização criminosa", disse.

Para embasar seu voto, Fux relembrou o julgamento do Mensalão, em que o STF concluiu que a associação de agentes para práticas de corrupção e lavagem de dinheiro não configurava, por si só, crime de organização criminosa.

O ministro também destacou que a criminalidade organizada é uma preocupação global e citou exemplos como máfias, cartéis e esquadrões voltados a crimes graves e contínuos. "Não se pode banalizar o conceito de crime organizado que, com frequência, conta com planejamento empresarial. Não há como confundir esse planejamento com mero programa delinquencial", acrescentou.

Fux anunciou que seguirá estabelecendo "premissas teóricas" para cada crime imputado pela Procuradoria-Geral da República antes de aplicá-los ao caso concreto. No caso da organização criminosa, sustentou que não há elementos para manter o agravante de uso de arma, embora reconheça a gravidade da atuação dos réus no episódio da tentativa de golpe.

Fux absolve Bolsonaro e sete réus da acusação de organização criminosa

Além de votar pela improcedência das acusações de organização criminosa armada, o ministro Luiz Fux também rejeitou o enquadramento do chamado núcleo crucial como organização. O núcleo é formado por Jair Bolsonaro e outros sete réus, acusados de tentativa de golpe. Para o ministro, a denúncia da PGR não apresentou elementos que comprovem a tipicidade penal desses delitos.

Fux destacou que não há qualquer descrição na denúncia de que os réus tenham utilizado armas de fogo em suas ações. Segundo o ministro, as alegações finais da PGR trazem apenas uma menção genérica a armas, sem relação com os acusados.

"As alegações finais contêm uma única menção com arma de fogo, que não guarda relação alguma com os supostos membros da organização criminosa. Houve menção a CACs nos acampamentos, mas sem indicação de que tenha sido apreendida alguma arma de fogo nesses locais e, mais importante, sem qualquer vinculação com algum dos réus", afirmou.

Ao analisar a tipificação, Fux reiterou que o crime de organização criminosa exige estabilidade, permanência e divisão de tarefas para a prática reiterada de delitos indeterminados. Para ele, esses requisitos não aparecem na denúncia. "A denúncia não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização criminosa."

Nesse sentido, o ministro avaliou que a acusação do Ministério Público configurou, na prática, um concurso de pessoas para a prática de crimes determinados, e não uma organização criminosa autônoma.

Dupla imputação considerada equivocada

Fux também criticou o que chamou de "dupla imputação penal" feita pela PGR, ao atribuir simultaneamente os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado. "Essa dupla incidência típica, no meu modo de ver, revelou-se equivocada", disse. A argumentação ainda será detalhada pelo ministro.

Com o voto, todos os oito réus foram absolvidos por Fux das acusações ligadas à organização criminosa. Ainda restam em análise os outros quatro crimes atribuídos ao grupo: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento prossegue na Primeira Turma do STF, que deve concluir até sexta-feira (12) a definição das penas ou absolvições dos réus.

Fux descarta crime de dano qualificado e admite apenas responsabilização por dano a bem tombado

O ministro Luiz Fux afastou a imputação de dano qualificado aos réus do chamado núcleo crucial e defendeu que a destruição ocorrida em 8 de janeiro de 2023 não pode ser analisada como crime autônomo, mas sim como meio para a prática de delitos mais graves, como a tentativa de golpe de Estado e a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

"O crime de dano qualificado, diante do princípio da subsidiariedade, cede lugar ao delito de maior gravidade", afirmou o ministro. Segundo ele, a denúncia da PGR descreve a depredação das sedes dos Três Poderes como parte de um plano político maior, e não como uma finalidade em si mesma.

Apesar disso, Fux abriu espaço para responsabilização específica no caso do dano a bem tombado, previsto na Lei de Crimes Ambientais. "A lei especial prevalece sobre a lei geral", destacou, sinalizando que os réus ainda podem ser condenados por esse delito, dado o caráter de proteção cultural e histórico dos prédios atacados.

Para Fux, Bolsonaro e demais réus não ordenaram vandalismo em 8 de janeiro

O ministro também rejeitou a tese de que Bolsonaro e seus aliados tenham tido autoria imediata nos atos de vandalismo. Para Fux, reconhecer esse vínculo significaria ignorar a responsabilidade dos próprios invasores que destruíram o patrimônio público. "Não é cabível uma responsabilidade solidária em ação penal", disse.

Ele frisou que a liderança intelectual, sem comprovação de ordem direta ou omissão deliberada, não é suficiente para a condenação. "Embora se possa concluir que o réu exercia papel de liderança, não há indicação segura de que tenha sido ele o autor dos danos patrimoniais", avaliou.

Os ataques de 8 de janeiro de 2023 causaram prejuízos estimados em mais de R$ 20 milhões. Segundo a PGR, eles faziam parte de um projeto iniciado em 2021 para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Para Fux, contudo, a destruição não deve ser vista como objetivo final, mas como instrumento para a concretização da tentativa de golpe.

Com essa interpretação, o ministro absolve os réus do crime de dano qualificado, mas mantém a possibilidade de punição pelo crime de dano a patrimônio tombado, em razão da proteção especial conferida às sedes dos Três Poderes. A pedido dele, a sessão foi suspensa por uma hora para que os ministros e demais presentes possam se alimentar. Na sequência, ele falará sobre a eventual culpabilidade de cada réu por dano ao patrimônio.

Fux retomou a leitura de seu voto às 14h16. O ministro analisa o crime de abolição do Estado Democrático de Direito.

Fux usa voto para alertar sobre riscos à democracia e cita fragilidades do Brasil

O ministro Luiz Fux dedicou parte de seu voto, no início desta tarde, a reflexões sobre o conceito de democracia e os riscos de regimes autoritários. A sessão ocorre em meio à ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que permanece em prisão preventiva em sua casa em Brasília e foi autorizado por Alexandre de Moraes a realizar um procedimento médico no próximo domingo (14).

Conceito de democracia e Estado de Direito

Fux iniciou sua exposição sobre o crime de abolição do Estado Democrático de Direito com uma digressão teórica. Citando autores clássicos e os "Pais Fundadores" dos Estados Unidos, o ministro afirmou que democracia e Estado de Direito são conceitos complementares, mas multifacetados.

"A ideia de igualdade pública exige ainda que direitos liberais e civis fundamentais sejam igualmente respeitados pelo processo democrático, funcionando assim como limite à atuação da decisão majoritária", disse.

O ministro destacou que não há consenso sobre quais instituições devem necessariamente compor esse conceito, mas que é preciso criar filtros institucionais para evitar tanto a tirania de grupos quanto a da maioria.

Pesos e contrapesos

Ao falar sobre o sistema de "checks and balances" - ou pesos e contrapesos -, Fux ressaltou que essa lógica é essencial para a proteção dos direitos dos cidadãos e para o equilíbrio entre os Poderes.

"O Estado de Direito é composto por várias dimensões, muitas das quais também são multifacetadas", afirmou, lembrando que diferentes interpretações coexistem no debate constitucional.

Fragilidades brasileiras

Fux também recorreu a rankings internacionais para dimensionar a posição do Brasil. Segundo ele, no Índice de Estado de Direito 2024, o país ocupa apenas a 80ª posição entre 142 nações, sendo a justiça criminal o eixo mais fragilizado. Já em outro índice global, o Brasil aparece em 56º lugar entre 165 países, classificado como uma "democracia imperfeita".

"Vale mencionar que o Brasil, infelizmente, ocupa a 80ª posição entre 142 do Índice Estado de Direito 2024, em que o eixo mais baixo diz respeito à justiça criminal", destacou.

Autoritarismo consolidado

O ministro também fez um alerta ao citar exemplos históricos e contemporâneos de regimes autoritários: "Regimes autoritários consolidados caracterizam-se pelo fechamento quase absoluto do espaço democrático, com eleições fechadas e direitos fundamentais suprimidos".

Para Fux, compreender esse risco é indispensável ao analisar a tentativa de golpe de 2022 e os ataques de 8 de janeiro de 2023.

Fux diz que bravatas e manifestações não configuram crime contra a democracia

O ministro Luiz Fux levantou a bandeira da liberdade de expressão em seu voto e descartou que palavras "mal-postas" ou bravatas de agentes políticos possam ser consideradas crimes contra o Estado Democrático de Direito.

"Bravatas proferidas por agentes políticos contra membros de outros Poderes não podem ser consideradas atentados ao Estado Democrático de Direito, ainda que extremamente reprováveis", afirmou o magistrado, em referência indireta ao discurso de Jair Bolsonaro no 7 de setembro de 2022, quando o então presidente atacou Alexandre de Moraes.

Liberdade de expressão e manifestações

Fux destacou que manifestações políticas, mesmo diante de quartéis, fazem parte do exercício democrático. "Não configuram crimes eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem em manifestação política com propósitos sociais, assim entendido o desejo sincero de participar do governo democrático, mesmo quando isso inclua a resignação pacífica contra os poderes públicos", disse.

Segundo ele, o Código Penal exige o uso de violência ou grave ameaça para que se configure crime. "Voltamos novamente àquela hipótese em que a mão não cabe na luva", completou.

Limites do crime de abolição do Estado Democrático de Direito

O ministro também fez uma análise detalhada sobre o alcance do tipo penal da tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Para ele, comportamentos que atinjam apenas "um ou alguns" elementos da democracia não são suficientes para configurar o crime.

"O emprego do verbo abolir demonstra que, para estar caracterizado, o crime de atentado contra o Estado de Direito deve ser cometido em dimensão suficiente para atingir diversos aspectos da institucionalidade", afirmou. "É necessário perigo real, não meramente hipotético, do agente da ação contra todos os aspectos do Estado de Direito."

Discursos inflamados e democracia

Fux também ressaltou a diferença entre magistrados e agentes eleitos. "Diferentemente de nós juízes, que devemos nos abster de declarações públicas frequentes, notadamente de cunho político, tendo em vista o nosso dever constitucional de preservar a imparcialidade das instituições, os agentes públicos eleitos devem, por natureza, engajar-se no debate público. Esse debate, essencial para a democracia, ocorre muitas vezes por discursos inflamados."

As observações de Fux foram feitas enquanto ele analisava as imputações de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado apresentadas pela PGR contra Jair Bolsonaro e outros sete réus. O ministro defendeu que, embora determinadas condutas sejam politicamente nocivas, nem todas configuram delitos.

Fux cita black blocs e diz que atos isolados não configuram golpe de Estado

O ministro Luiz Fux recorreu a episódios de violência política do passado para sustentar que comportamentos de turbas desordenadas não podem ser enquadrados como tentativa de golpe de Estado. Em seu voto, ele lembrou manifestações marcadas por depredação e enfrentamento com forças de segurança ao longo da década de 2010.

Entre os exemplos, citou a invasão da Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 2013 e os ataques a policiais em Brasília no ano seguinte, ambos atribuídos à estratégia dos chamados black blocs. "É fato notório que em todos esses eventos houve envolvimento de pessoas doutrinadas pela estratégia denominada black blocs, destinada a incitar a população à desobediência civil", afirmou.

Fux destacou que, mesmo diante da violência, não se cogitou à época enquadrar esses manifestantes nos crimes hoje discutidos no Supremo Tribunal Federal como golpe de Estado ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

"Não satisfazem o núcleo do tipo penal comportamentos de turbas desordenadas ou iniciativas esparsas despidas de organização e articulação mínima dos poderes constituídos", disse.

Segundo o ministro, a história mostra que golpes de Estado não resultam de atos isolados ou manifestações pontuais. "A experiência histórica e a análise empírica dos processos de ruptura demonstram que golpes de Estado não resultam de atos isolados ou de manifestações individuais desprovidas de articulação, mas sim da ação de grupos organizados, dotados de recursos materiais e capacidade estratégica aptos a enfrentar e substituir o poder incumbente", acrescentou.

Mais cedo, Fux já havia afastado a caracterização de organização criminosa no núcleo crucial da trama golpista, que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus. Agora, ao analisar a imputação de tentativa de golpe, ele reforçou a necessidade de diferenciar atos de vandalismo e manifestações violentas de iniciativas realmente voltadas a depor um governo legitimamente eleito.

Fux: tentativa de golpe absorve crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito

O ministro Luiz Fux defendeu que não é possível punir duplamente os acusados pelos crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, já que um se sobrepõe ao outro.

Segundo Fux, quando a abolição da ordem democrática é buscada por meio da deposição violenta de um governo legitimamente eleito, a responsabilização deve ocorrer apenas com base no crime de golpe de Estado. "Um golpe é um meio para a abolição do Estado Democrático de Direito", afirmou. "Nessa situação específica que estamos analisando, a tentativa de golpe de Estado absorve o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito."

O ministro também fez uma distinção entre atos preparatórios e atos executórios. Para ele, manifestações políticas, ainda que violentas, não podem automaticamente ser enquadradas como tentativa de golpe. "Há que se adotar extrema cautela na análise do caso concreto para demarcar a linha divisória entre atos preparatórios e executórios, de maneira a não equiparar uns e outros como merecedores de sanção", afirmou.

Ele destacou que tanto o golpe quanto a abolição do Estado Democrático de Direito são crimes de atentado, ou seja, exigem um ato concreto que coloque em risco real a ordem democrática. "O crime se diz tentado quando iniciada a execução e não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. () Ninguém pode ser punido pela cogitação", disse Fux.

Ao reforçar seu argumento, o ministro relembrou episódios da década passada envolvendo manifestações violentas e grupos como os black blocs. Segundo ele, apesar dos ataques a prédios públicos e confrontos com policiais, os acusados não foram enquadrados na antiga Lei de Segurança Nacional, mas em crimes mais brandos, com muitas ações sendo até suspensas. Na ocasião, porém, não havia suspeita de envolvimento de agentes políticos nem manifestações por intervenção militar no governo.

Com essa análise, Fux sustenta que a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República deve ser ajustada para evitar uma "dupla imputação equivocada" e concentrar a responsabilização no crime de tentativa de golpe de Estado, considerado mais abrangente e adequado ao caso em julgamento.

Fux refuta acusações contra Bolsonaro e critica falhas na denúncia da PGR

O ministro Luiz Fux apresentou uma série de ressalvas à acusação formulada pela PGR contra Jair Bolsonaro. Em seu voto, ele afastou a responsabilidade direta do ex-presidente pelos ataques de 8 de janeiro de 2023, além de criticar pontos da denúncia que, segundo ele, carecem de base jurídica sólida.

Fux recorreu a uma expressão usada pelo jornalista Elio Gaspari para criticar a associação entre os atos de 2022 e 2023 como elementos de uma mesma trama golpista. "Colocando-se a trama golpista em 2022, no mês do processo de hoje, já ali em 2023, esticaram-se as pernas e o pescoço do bicho, encolhendo-lhe a cabeça, ficou bonito, até elegante. Mas é uma girafa, um inscrito denominado, uma girafa no Supremo."

Um dos principais argumentos de Fux foi que Bolsonaro não tinha a obrigação legal de manter a ordem pública durante a invasão das sedes dos Três Poderes. "O denunciado não ocupava mais a posição de chefe de Estado em 8 de janeiro de 2023", afirmou o ministro, rejeitando a tese da PGR de que a omissão do ex-presidente teria sido determinante para a eclosão dos atos golpistas.

Outro ponto de divergência foi a alegação de que Bolsonaro deveria ter reconhecido a derrota eleitoral e atuado para desmobilizar os acampamentos que se formaram em frente a quartéis do Exército após o segundo turno. Para Fux, esse argumento não se sustenta.

"Há uma falha argumentativa nessa parte da acusação. Não há demonstração de qualquer dever jurídico senão simplesmente a invocação de uma expectativa protocolar de reconhecimento da derrota eleitoral ou de uma suposta obrigação moral de desmobilização dos acampamentos", declarou.

Segundo ele, não ficou demonstrado como tais condutas, mesmo que adotadas, seriam suficientes para impedir a depredação ocorrida em Brasília. "Nem se demonstrou como esses comportamentos juridicamente exigidos seriam necessários e suficientes para impedir o vandalismo de 2023", completou.

Fux também enfatizou a necessidade de diferenciar atos preparatórios de atos executórios. Para o ministro, apenas comportamentos que configurem perigo real e imediato ao Estado Democrático de Direito podem ser punidos como tentativa de golpe ou abolição da ordem constitucional.

"É isso que nós vamos analisar na individualização das condutas. Se alguém entrou nessa fase dos atos executórios", disse.

Ele ressaltou que tramas golpistas, ainda que contem com recrutamento de apoiadores e busca por ocasião favorável, permanecem na esfera preparatória se não forem acompanhadas de atos concretos capazes de colocar em risco imediato o regime democrático.

Liberdade de expressão e manifestações políticas

O ministro voltou a citar episódios de manifestações violentas no passado, como os atos dos black blocs em 2013 e 2014, para reforçar que nem toda depredação com motivação política pode ser enquadrada como golpe de Estado. "Não se cogitou, à época, aplicar a Lei de Segurança Nacional, mas apenas tipos penais mais brandos", recordou.

Para Fux, é necessário avaliar o dolo - a intenção criminosa - de forma contemporânea ao ato executório. "A tentativa exige a certeza não só de que o agente pode prever, mas também de que queria produzir tal efeito. Não existe dolo subsequente", concluiu.

Condutas de Mauro Cid

Após uma breve pausa, Fux deu início à leitura das condutas individuais dos réus, debruçando-se sobre as acusações da PGR contra o Tenente-Coronel Mauro Cid. Ele considera que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro não pode ser condenado por organização criminosa. "Não há qualquer prova nos autos de que o réu se uniu com mais de quatro pessoas em unidade e designo para, de forma duradoura, praticar um número indeterminado de crimes destinados à tomada do poder no Brasil", declarou.

Ele reconhece que as mensagens trocadas entre ele e demais réus podem configurar caráter ilícito, mas não de modo a enquadrá-lo em organização. "O que se apura do comportamento do réu a prática de crimes em concurso de agentes e sem as presenças elementares do crime de organização criminosa".

Por outro lado, considerou que ele deve sim responder por tentativa de abolição violenta do Estado de Direito. Ele citou o papel ativo de Mauro Cid na elaboração da Operação Punhal Verde e Amarelo, planejada em reunião entre militares com Braga Netto. Cid teria sugerido o valor a ser pago para a execução do plano, recolhido o dinheiro e levado aos demais envolvidos.

O ministro também cita o pedido de Mauro Cid a integrantes do governo Bolsonaro para que fosse monitorado ilegalmente o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE. A solicitação foi confessada em sua delação premiada, e confirmada em suas trocas de mensagens.

Fux também apontou para as mensagens de Cid com oficiais manifestando seu desejo por um golpe de Estado, e sua permanência, após o fracasso do Punhal Verde e Amarelo, na campanha por convencimento de militares para que aderissem à trama golpista.

"A prova dos autos é firme e inequívoca no sentido de que todos aqueles que queriam convencer o então presidente da República [Bolsonaro] da necessidade de adotar ações concretas para abolição do Estado Democrático de Direito, faziam solicitações e encaminhamentos por meio do colaborador. (...) Tal circunstância não decorria apenas do fato de o colaborador ser ajudante de ordens do presidente da República, mas de um contexto que contava com o seu apoio, (...) aceitação e esforço pessoal para que o que estava sendo planejado se tornasse realidade", afirmou.

Com isso, Fux considera procedente em parte as acusações da PGR contra Cid, condenando-o por tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e improcedente o de golpe de Estado. Ele descarta a tese de que os ataques de 8 de janeiro de 2023 configurem um golpe, e descarta o envolvimento de Cid, afastando também as acusações de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Fux ainda avalia que não há correlação entre os atos realizados por membros do governo Bolsonaro no final de 2022 e os ataques de 8 de janeiro, não sendo plausível atribuir responsabilidadea eles pela ação dos vândalos.

Almir Garnier

Concluída a análise do caso de Mauro Cid, Fux seguiu para a leitura da parte pertinente ao Almirante Almir Garnier. Tal como em Mauro Cid, Fux descarta a inclusão do ex-comandante da Marinha no crime de organização criminosa armada. "Não se menciona que o acusado tenha se associado para a prática de uma série indeterminada de delitos punidos com pena máxima superior a quatro anos", pontuou.

Ele apontou para a existência de apenas dois eventos ao longo da trama com a participação de Garnier, nas reuniões em que abordou e, em seguida, se dispôs a colaborar com a execução dos termos da minuta do golpe. Também disse discordar da tese de que o desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios, em 2021, seria para intimidar o Congresso Nacional durante a votação da PEC do voto impresso, e que esse fato não estava citado na denúncia original da PGR.

Fux avalia que a conduta alegada a Garnier se aproxima muito mais da de um colaborador externo e eventual para o cometimento de um crime predefinido. "Não há qualquer evidência de que o réu Almir Garnier tenha aderido a uma tal associação criminosa", declarou.

A declaração do almirante que estaria "à disposição" de Bolsonaro na execução da minuta, na visão de Fux, é excessivamente anterior a uma execução para poder se enquadrar na tentativa dos crimes de golpe de Estado ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito. "Com efeito, apenas afirmar que está à disposição ou que tropas estão à disposição não corresponde efetivamente a um auxílio material concreto", avalia. "Há uma enorme distância que não foi percorrida pelo réu", completou.

O ministro acrescenta que não vê prova material de que Garnier de fato tenha se comprometido a aderir a eventual tentativa de golpe ou demonstrado concordância. Ele considera que o depoimento do General Freire Gomes não confirma a tese, e que Baptista Júnior se retirou da reunião antes da suposta declaração. Com isso, considerou improcedentes as acusações contra ele.

Jair Bolsonaro

Fux seguiu diretamente para a análise das acusações contra Bolsonaro. O ministro divide a cronologia entre ações realizadas no curso de seu mandato e as posteriores à conclusão. Ele também criticou a PGR, afirmando que, na peça acusatória, não foi feita a devida ligação entre as condutas e os respectivos tipos penais.

Ele também alega não haver possibilidade de tipificação por golpe de Estado, entendendo que o crime exige a deposição do mandatário, função que o próprio réu ocupava até então. Fux também não considera razoável atribuir declarações proferidas durante o mandato à ação dos vândalos em 8 de janeiro de 2023.

"Não encontra amparo na legislação criminal a pretensão de considerar alguém partícipe de um crime praticado mês ou anos depois, por terceiros, com os quais não possuem qualquer relação, tão somente por ter proferido palavras e palas genericamente consideradas como incentivo à ruptura institucional", disse Fux.

Sobre as acusações relacionadas à Abin Paralela, Fux descarta que se enquadrem nos crimes contra o Estado de Direito. Acrescenta ver "incoerência da acusação" nos trechos em que tratam da utilização da First Mile, ferramenta que permitia a localização de autoridades pelo aparelho celular. Também não foi especificado qual seria a norma proibindo a contratação da plataforma. O caso, ao seu ver, se enquadra no máximo em desvio de finalidade da Abin.

Quanto aos ataques ao sistema eleitoral, Fux descarta que os questionamentos públicos à confiabilidade das urnas eletrônicas e a defesa do voto impresso possam configurar cometimento de crime. "Ao contrário, as instituições de legitimam e se fortalecem pelo livre debate público, enfrentando todos os argumentos falaciosos e demonstrando que o Brasil realiza eleições seguras", declarou.

Fux também descartou que a ação judicial apresentada pelo PL após a derrota eleitoral pedindo a anulação de votos de urnas antigas possa ser considerada como parte da execução de um crime. "As provas apresentadas pela PGR apenas denotam que o réu Jair Bolsonaro tinha o intuito de buscar a verdade dos fatos do sistema eletrônico de votação".

A respeito da acusação de uso da PRF para obstruir o acesso de eleitores do Nordeste às urnas, o magistrado avalia não haver comprovação de que Bolsonaro estaria a par da manobra, não podendo responder por ela, ou mesmo de que seu consentimento seria necessário para a execução.

O ministro também não considera suficientemente comprovadas as acusações de que Bolsonaro teria acompanhado de perto a elaboração da minuta do golpe, ou de que teria conhecimento da articulação entre membros de seu governo e oficiais superiores do Exército na elaboração da carta ao Estado Maior cobrando intervenção militar. Além disso, a própria força rebateu a carta e investigou os autores, demonstrando que o documento não representou ameaça real à ordem democrática.

Retornando às alegações relacionadas à minuta do golpe, Fux retomou o argumento de que a acusação se contradiz a respeito da suposta insistência do governo para que os comandantes das Forças Armadas aderissem ao decreto. Ele relembrou um episódio da acareação entre Baptista Júnior e Freire Gomes. "Eu perguntei ao general Freire Gomes, o 'senhor disse que ia prender o presidente?' 'De jeito nenhum. Eu disse que poderia haver consequências jurídicas do ato, mas jamais disse isso'".

Fux comentou a reunião de Bolsonaro com o general Estevam Theophilo, então comandante do Comando de Operações Terrestres (Coter) do Exército, acusado de ter aderido à trama golpista, ficando encarregado de comandar o golpe após a eventual transformação da minuta do golpe em decreto. Ele ressaltou que o Coter não possui tropas sob seu comando, e que não há prova de que o então presidente planejava de fato assinar a ordem.

Punhal Verde e Amarelo

Encerradas as indagações sobre a minuta do golpe, Fux adentrou a questão da Operação Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, bem como do presidente Lula e seu vice Geraldo Alckmin. Ele também considerou insuficientes as provas de envolvimento de Bolsonaro na elaboração ou execução do plano.

"Os autos demonstram que o réu Jair Bolsonaro não autorizou nenhuma ação por parte de Mário Fernandes, o que foi motivo de lamentação", argumentou. O General Mário Fernandes foi o responsável pela execução do plano, no dia da diplomação do presidente Lula, em 12 de novembro de 2022.

Fux considera que os autos demonstram que Bolsonaro não estava a par nem dos planos do Punhal Verde e Amarelo e nem do plano de criação de um gabinete de crise pós-golpe. Sobre omanuscrito do plano "Operação 142", localizado na casa do coronel Peregrino, ex-assessor de Braga Netto, o ministro citou que sequer há conhecimento sobre em que momento teria sido redigido.

Acampamentos

Sobre a acusação de que Bolsonaro teria liderado os movimentos que acamparam em frente a quartéis das forças armadas exigindo uma intervenção militar, Fux citou a delação premiada de Mauro Cid, que reforçou não haver ligação entre o presidente e os manifestantes.

Independente do teor dos protestos, Fux argumentou que "o réu Jair Bolsonaro não tinha dever algum de desmobilizar essas manifestações: pelo contrário. Caso o tivesse feito utilizando o aparato do poder público, estaria violando direito fundamental previsto no Art. 5º, XVI da Constituição".

Com isso, votou pela absolvição de Bolsonaro em relação a todos os crimes imputados. Em seguida, a reunião foi suspensa por 10 minutos.

Braga Netto

De volta à reunião, Fux deu andamento ao voto, agora abordando as condutas atribuídas ao ex-ministro e vice na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto. Desta vez, foi breve, afirmando enxergar, para a maioria das alegações, as mesmas lacunas probatórias das acusações contra Bolsonaro. Ele avançou para a cronologia da operação Punhal Verde e Amarelo, da qual o general é citado como financiador e organizador.

Ao contrário de Bolsonaro, Fux enxerga que há sim envolvimento de Braga Netto na operação clandestina. "No meu modo de ver, o réu Braga Netto (...) planejou e financiou o início da execução de atos destinados a ceifar a vida do relator desta ação penal, o ministro Alexandre de Moraes. Sendo que o intuito criminoso somente não foi alcançado pela eventualidade de ter sido abruptamente suspensa uma sessão do plenário desta corte, prejudicando a preparação dos executores do crime".

Um eventual sucesso na operação poderia, desta vez, incorrer na tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Por outro lado, o conluio não foi permanente e nem com objetivo de realizar crimes não determinados, afastando a tese de organização criminosa armada.

Paulo Sergio Nogueira

Quanto ao ex-ministro da Defesa, o ministro retomou a tese de que a trama golpista não chega a configurar organização criminosa armada. Também abordou as acusações de que o general teria aderido aos supostos ataques ao sistema eleitoral, e atrasado propositalmente, sob orientação de Bolsonaro, o relatório de auditoria das forças armadas às eleições de 2022, do qual teria tentado manipular.

Ele relembrou que as forças armadas acompanharam o processo eleitoral a pedido do próprio TSE, e retomou sua tese de que questionamentos à segurança das eleições não configuram crime. A demora na entrega do relatório, e a publicação de nota alegando falsamente que a possibilidade de fraude não estava inteiramente descartada, ao seu ver são práticas "deploráveis", mas insuficientes para configuração de crime.

Sobre as demais acusações, avaliou também não haver provas de início da execução de conspiração para a prática de um golpe, no máximo que teria cogitado a possibilidade. "Ainda que se admitisse que o réu efetivamente desejava a ruptura institucional, (...) o desejo ou aprovação não preenchem as elementares dos tipos penais".

O ministro acrescentou que Mauro Cid chegou a afirmar em sua delação premiada que Paulo Sergio Nogueira não estava de acordo com a ideia de ruptura institucional, e que ele próprio demonstrava desconforto nas reuniões em que supostamente seria discutida a minuta do golpe.

Com isso, considerou improcedentes as acusações da PGR contra o general.

Augusto Heleno

O General Augusto Heleno, ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi citado em seguida, também descartando em seu caso o enquadramento em organização criminosa.

Ele relembrou os discursos recorrentes do militar contra o sistema eleitoral vigente e contra a atuação do STF, mas ressaltando que eles não possuem potencial de resultar em desmonte do aparato institucional, não podendo ser criminalizadas. Sobre as notas de sua agenda detalhando um eventual plano de golpe, destacou que são "anotações rudimentares", nas quais sequer é possível saber o dia em que foram registradas.

"Além de pretender criminalizar discursos críticos ao sistema eleitoral, também se pretende punir até rascunhos privados. Evidentemente a cogitação, mesmo quando documentada por rascunhos, é impunível", defendeu o ministro.

Ele também citou não haver a prova de uso da Abin para monitorar parlamentares por ordens de Heleno.

Sobre a reunião ministerial em que Heleno teria falado em "virar a mesa" e agir antes do pleito, Fux destacou que a própria PGR reconhece que ele se retratou. Por fim, o absolveu de todos os delitos.

Anderson Torres

O penúltimo réu analisado foi o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Tal como nos demais, Fux afastou a tese de organização criminosa, tendo em vista o não atendimento dos critérios.

O ministro avalia não haver prova suficiente de que Torres teria orientado o uso da PRF contra eleitores em estados com maioria simpática a Lula no segundo turno das eleições, bem como de que ele tenha participado ativamente na elaboração da minuta do golpe.

Ele também afasta a tese de que ele teria se omitido na resposta aos ataques de 8 de janeiro de 2023, ressaltando que não há forma culposa nos crimes contra o Estado de Direito, não cabendo sua culpabilização diante de um evento que ocorreu contra sua vontade.

Sobre às transmissões ao vivo em que Torres defendeu o voto impresso, Fux retomou o argumento de que isso não configura um ataque criminoso ao sistema eleitoral. "Por mais que possamos discordar do que foi dito, (...) não se pode criminalizar quem defende, tal como fez o réu, (...) a necessidade de se auditar o processo eleitoral pelo voto impresso", argumentou.

Seu voto foi pela absolvição dos crimes imputados a Anderson Torres.

Ramagem

Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, foi o último citado em seu voto. Ele destacou entender que a resolução da Câmara dos Deputados que suspende sua ação penal deve ser adotada integralmente, mas reconhece ter sido vencido, valendo apenas a suspenção relacionada aos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Tal como para os demais réus, ele afastou a tese de organização criminosa.

Fux apontou o fato de Ramagem não ter cido citado na delação de Mauro Cid como membro da trama golpista. Os documentos encontrados em seu computador, na visão de Fux, confirmam seu alinhamento às visões de Bolsonaro sobre o sistema eleitoral, mas não são suficientes para comprovar atos atentatórios ao Estado de Direito.

"Por mais que o teor dessas mensagens seja deplorável e inaceitável, (...) elas eram apenas mensagens", disse o magistrado. "Criminalizar o pensamento, por mais que dele venhamos a discordar, é absolutamente inaceitável em uma república democrática", acrescentou.

A respeito da acusação de favorecimento pessoal usando a estrutura da Abin, Fux considera não configurar como "ação violenta" contra o Estado de Direito, e que muitos dos fatos fogem ao escopo da ação penal. Também avalia não haver provas de que Ramagem teria determinado o uso da First Mile, ressaltando que a ferramenta já havia sido descontinuada na época dos fatos.

Assim sendo, Fux afastou as acusações contra Ramagem.

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Capítulos anteriores


O julgamento do Núcleo 1 começou no dia 2, com a leitura do relatório de Alexandre de Moraes e as manifestações finais da Procuradoria-Geral da República (PGR) e das defesas de cada réu. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustentou que até tentativas fracassadas de golpe devem ser punidas para resguardar a democracia.

A defesa de Mauro Cid destacou que a colaboração premiada foi voluntária e sem coação, enquanto a de Alexandre Ramagem afirmou que seus documentos eram meras anotações pessoais. Já a defesa de Anderson Torres disse que sua viagem aos Estados Unidos fora férias programadas e que a minuta encontrada em sua casa não podia ser usada como prova direta. Houve também alegações de que ele agiu para impedir protestos em Brasília, tentando afastar a tese de omissão dolosa.

No dia 3, as audiências prosseguiram com a defesa de Augusto Heleno, que criticou a condução dos interrogatórios e pediu absolvição por falta de provas, alegando que havia perdido espaço no governo após a aproximação de Bolsonaro com o Centrão. Na sequência, a defesa de Bolsonaro afirmou que não há provas de sua participação em conspirações e que ele determinou a transição de governo. Seus advogados também rejeitaram qualquer ligação do ex-presidente com os atos de 8 de janeiro de 2023, classificando as acusações como recortes descontextualizados. As sustentações do dia terminaram com as falas de Paulo Sérgio Nogueira e de Braga Netto.

O julgamento foi retomado na terça-feira (9). Alexandre de Moraes iniciou a leitura de seu voto validando a delação de Mauro Cid, rebatendo alegações de cerceamento de defesa e destacando que todas as partes tiveram amplo acesso às provas. Ele também ironizou o caderno de anotações de Augusto Heleno, tratado pela defesa como "diário pessoal", e apontou o documento como prova de planejamento golpista.

Na mesma sessão, Moraes apresentou uma linha do tempo daquilo que chamou de "cronologia criminosa", desde junho de 2021 até os ataques de 8 de janeiro de 2023. Incluiu episódios como a reunião de Bolsonaro com embaixadores, a atuação da PRF no segundo turno de 2022, os planos Punhal Verde Amarelo e Copa 22, além da minuta do golpe. Para o relator, tratavam-se de atos executórios sucessivos, não de simples preparativos.

Moraes também exibiu um organograma em que colocou Jair Bolsonaro como líder da organização criminosa, com atuação permanente e hierarquizada. Rejeitou a tese de que os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito seriam apenas um, reforçando que se tratam de condutas autônomas. Destacou ainda a reunião ministerial de julho de 2022 como prova de confissão coletiva do núcleo, ao trazer falas de Bolsonaro e ministros admitindo intenções golpistas.

O relator apontou ainda que a Agência Brasileira de Inteligência, sob Alexandre Ramagem, foi usada como "célula clandestina" para vigiar autoridades e jornalistas. Citou treze atos sequenciais que, segundo ele, comprovam a atuação do grupo como organização criminosa, incluindo espionagem, lives de Bolsonaro, uso indevido da PRF, tentativas de impedir a posse de Lula e o gabinete de crise preparado para um eventual governo paralelo.

Na conclusão de seu voto, Moraes afirmou que todos os réus praticaram atos executórios que configuram crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Comparou a minuta golpista a episódios históricos como a Noite da Agonia de 1823 e defendeu a necessidade de punição para quebrar o ciclo de impunidade de golpes no Brasil. Votou pela procedência total da ação penal.

Logo após Moraes, foi a vez de Flávio Dino votar. Ele iniciou ressaltando que se trata de um julgamento normal, sem caráter excepcional, e rejeitou a ideia de anistia para crimes contra o Estado de Direito. Afirmou que os fatos são incontroversos e que o desafio está em definir a autoria. Também disse que atos preparatórios e executórios se confundem quando há risco real ao bem jurídico protegido.

Dino ironizou a tese de que acampamentos em frente a quartéis após as eleições eram pacíficos, lembrou os episódios de violência e defendeu a validade da delação de Mauro Cid, mesmo com pequenas inconsistências. Anunciou que defenderá diferentes dosimetrias: Bolsonaro e Braga Netto no grupo mais grave; Garnier, Torres e Cid em um segundo nível; e Heleno, Ramagem e Paulo Sérgio em posição de menor envolvimento.

O ministro também respondeu às pressão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reforçando que intimidações não alteram o trabalho do Supremo. Para Dino, o julgamento afirma a democracia e não configura tirania ou ativismo judicial. Seu voto acompanhou integralmente o relator, mas antecipando a diferenciação de culpabilidade para cada réu.


Quem são os réus

  • Jair Bolsonaro - ex-presidente da República;
  • Alexandre Ramagem - ex-diretor da Abin e atual deputado federal;
  • Almir Garnier - ex-comandante da Marinha;
  • Anderson Torres - ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF;
  • Augusto Heleno - ex-ministro do GSI;
  • Paulo Sérgio Nogueira - ex-ministro da Defesa;
  • Walter Braga Netto - ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, candidato a vice em 2022;
  • Mauro Cid - ex-ajudante de ordens da Presidência.

Todos respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e ameaça, e deterioração de patrimônio tombado.

No caso de Alexandre Ramagem, a Constituição prevê a suspensão de parte das acusações por ele exercer mandato parlamentar. Assim, ele responde apenas por três crimes: golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, é o único réu do núcleo central da trama golpista presente no Supremo neste primeiro dia de julgamento.

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