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Jogados para debaixo do tapete

Congresso em Foco

18/5/2007 0:00

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Lucas Ferraz

 

A loucura ainda é um tema incômodo, seja para o próprio portador de doença mental e sua família, seja para o Estado. Sem falar no pouco – e restrito – debate sobre o assunto, seus estereótipos e a pouca atenção dada a ela pela mídia. Assim como os doentes mentais, também o debate sobre o assunto ainda é marginalizado.     

 

Hoje (18), quando se comemora o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, data instituída há 20 anos, haverá manifestações em algumas cidades do país para lembrar o assunto – uma rara oportunidade para a sociedade ver os doentes mentais. Mas o dia, acima de tudo, serve para lembrar o pouco que se evoluiu no país desde a implantação da chamada reforma psiquiátrica, impulsionada pela Lei 10.216/01.

 

A lei, sancionada há seis anos, tinha como objetivo regularizar as internações psiquiátricas, na tentativa de humanizar o tratamento e promover mudanças no modelo assistencial em todo o Brasil.    

 

Aprovada no acender das luzes do século 21, a lei atendia a anseios reclamados desde a segunda metade do século passado. Doentes mentais eram internados nos hospitais psiquiátricos e por lá ficavam anos, enjaulados como animais ou presos perigosos, recebendo tratamento desumano: torturas, choques-elétricos, falta de água, comida e até roupas. Isso sem falar na venda de cadáveres, prática até então comum em alguns hospitais, como o Hospital-Colônia de Barbacena (MG).

 

Apesar das mudanças, muitos doentes ainda vivem marginalizados, alguns internados em instituições há anos, muitos em situação deplorável, sem nenhuma perspectiva de melhora. E a parcela da sociedade que sofre com transtornos mentais não é pequena: o Ministério da Saúde estima que há cinco milhões de pessoas com a doença no Brasil – para a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% da população mundial sofre de algum problema mental.

   

O debate sobre o assunto, além de polêmico, não converge. Há divergências entre os próprios psiquiatras, além das dificuldades enfrentadas pelos familiares, que muitas vezes acham no abandono do doente a maneira mais cômoda de resolver a questão. Por tudo isso, o fim dos hospitais psiquiátricos e dos antigos métodos de tratamento ainda é questionado, apesar de a reforma psiquiátrica prever o gradual fechamento dessas instituições. Elas, muitas vezes, são o único – e último – refúgio do doente mental.

 

No divã

 

Autor da lei da reforma psiquiátrica, o ex-deputado Paulo Delgado (PT-MG) vê mais pontos positivos do que negativos nesses seis anos em que a lei está em vigor, mas, segundo ele, há um desencontro entre gestões de estados, municípios e a União. “A lei ainda não é uma regra. Depende do fluxo de recursos e do nível de compreensão dos gestores: se eles são mais ou menos humanistas. Não houve uma desmanicomialização das gestões, tanto em âmbito municipal como estadual”, diz.

 

Delgado também aponta falhas no ensino da psiquiatria nas universidades, que estaria “aquém da reforma psiquiátrica”. “Há um aspecto fatalista sobre a doença mental presente nas escolas de psiquiatria. A academia abastece a sociedade com um saber ultrapassado”, afirma o ex-parlamentar, que atualmente presta assessoria para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

 

Os pontos positivos, de acordo com Delgado, são a descentralização do tratamento – destacada como uma das áreas em que mais se aplicou a universalização do Sistema Único de Saúde (SUS) – e a humanização da doença. “O edifício da loucura rachou um pouco”, diz Paulo Delgado. “Avançou, mas a passos brasileiros”, resume.

 

Tratamento alternativo

 

Um dos pontos da reforma psiquiátrica é a desospitalização. Em tese, todo leito desocupado deve ser fechado, para evitar a internação de novos pacientes. Outro ponto é a chamada rede extra-hospitalar, com a criação de Centros de Assistência Psicossocial (CAPS) e outras unidades de atendimento ambulatorial, ligados às unidades de saúde dos municípios. Dessa forma, os doentes atendidos só ficam internados se sofrerem alguma crise aguda, por exemplo. A internação, contudo, só ocorre com prazo definido e se for da vontade do paciente ou de sua família. 

 

Essas unidades oferecem ainda atividades terapêuticas, como música, dança, teatro e atividades artesanais, o que psiquiatras destacam como essencial para o sucesso do tratamento. Mas, como mostram dados do Ministério da Saúde, a rede extra-hospitalar ainda não se desenvolveu completamente. Cinqüenta e seis por cento da verba do SUS ainda são destinados para os hospitais psiquiátricos, enquanto a rede recebe o restante – 44%. Houve, contudo, alguns avanços. Por exemplo, em 2001, ano que a lei da reforma psiquiátrica foi sancionada, havia 295 CAPS. Hoje, eles já são 1.016.

 

Nos porões da loucura

 

A Lei 10.216 é fruto de um movimento que começou nos anos de 1970, quando psiquiatras e outros profissionais da área começaram a se reunir para discutir a situação dos hospitais psiquiátricos brasileiros. O ponto alto foi a visita ao Brasil, em 1979, do psiquiatra italiano Franco Basaglia, considerado um dos pais da anti-psiquiatria e um dos responsáveis pela mudança na legislação italiana sobre o assunto.

 

Basaglia, na época, visitou os três principais hospitais psiquiátricos brasileiros: Juliano Moreira, no Rio de Janeiro; Juqueri, em São Paulo, e o Hospital-Colônia de Barbacena (MG). Ele ficou tão impressionado com o que viu que classificou a situação dessas unidades como semelhante à dos campos de concentração nazistas – o termo cunhado foi a “Auschwitz brasileira”, em referência ao campo de concentração, na Polônia, onde milhares de judeus foram executados.

 

Segundo o psiquiatra Antônio Soares Simone, um dos organizadores da visita do italiano a Barbacena, a vinda de Franco Basaglia impulsionou a criação do movimento de luta antimanicomial. Nos anos seguintes, com o clima de redemocratização no Brasil, o assunto ganhou corpo e voz, sendo discutido abertamente em seminários, nas universidades e principalmente pela imprensa. A lei de 2001 é um dos resultados desse movimento.

 

Enclausurados

 

A atual realidade dos hospitais psiquiátricos, felizmente, nem de longe lembra o terrível cenário de 20 ou 30 anos atrás, mas ainda é muito cruel. Este repórter, juntamente com os jornalistas Mateus Rabelo, João Ventura e Décio Amorim, passou o último semestre de 2006 percorrendo os três principais hospitais psiquiátricos públicos de Minas Gerais – Raul Soares e Galba Veloso, em Belo Horizonte, e Hospital-Colônia, em Barbacena.

 

O trabalho resultou no livro Histórias da Loucura, publicado em novembro de 2006. Tomando-se o exemplo de Minas dá para tirar algumas conclusões, já que a situação não é muito diferente nos outros hospitais psiquiátricos do país.

 

Constata-se o grande aumento no número de jovens internados, muitos viciados em crack. Como definiu o psiquiatra Antônio Soares, a droga é a “cachaça do século 21”, em referência ao fato de se encontrarem nos manicômios, antigamente, muitos alcoólatras. Há, sobretudo, forte presença de idosos, igualmente abandonados pela família.  

 

No hospital Raul Soares, o mais antigo da capital mineira, está internado Luís Cláudio, o mais antigo interno. Com 78 anos, ele chegou à instituição quando Getúlio Vargas ainda era presidente da República, nos anos de 1950. Sem família e em estado senil, Luís raramente consegue manter um diálogo.

 

No Hospital-Colônia, em Barbacena, instituição de triste memória e apontada por profissionais da luta antimanicomial como exemplo das práticas mais bárbaras adotadas num passado não muito distante, foi construído há dez anos o Museu da Loucura, que tem o objetivo de manter viva a memória dos muitos que ali se internaram – e morreram. Atualmente há cerca de 250 leitos, onde já foram “depositados” mais de cinco mil internos ao mesmo tempo.

 

Num arquivo morto do hospital, há vários livros de registro que não estão expostos no museu. Neles é possível contar vários dos mortos de Barbacena. No auge de sua lotação, em 1966, morreram 1.253 pessoas (800 homens e 453 mulheres). Como ninguém morre de loucura, foi a terrível situação do local (e do tratamento) que provocou as mortes: água contaminada, a falta dela e de comida, além da precariedade dos leitos e da quase ausência de roupas. Barbacena é uma cidade que tem um inverno rigoroso, o que contribuía para o agravamento de doenças, como pneumonia.

 

Triste é que muitos desses mortos não eram sequer enterrados. No mesmo arquivo há registros da venda de cadáveres para universidades. Cada “peça”, como se referiam aos corpos dos mortos, era comercializada por 50 cruzeiros (moeda da época). A venda era justificada: só os indigentes levavam esse fim. Muitas famílias, no entanto, descobriram apenas mais tarde que os corpos de seus entes não haviam sido sepultados no cemitério de Barbacena, como foram informadas. Haviam virado peças anatômicas de estudantes de medicina.

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