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Previdência
3/12/2025 8:00
Há lutas que começam pequenas, quase silenciosas, e atravessam décadas sem perder o sentido. A dos aposentados do serviço público contra a contribuição previdenciária que insistem em cobrar deles é uma dessas. Em 2003, quando a Emenda Constitucional 41 entrou em vigor e criou o desconto sobre aposentadorias e pensões, o discurso oficial prometia equilíbrio fiscal, modernização e responsabilidade.
A narrativa dominante dizia que era preciso "sacrificar um pouco para salvar o sistema". Soava como remédio amargo, mas temporário. Os defensores da reforma insistiam que o regime próprio estava desequilibrado e que seria necessário "um tempo" para ajustar contas. Nunca se falou em cobrar aposentados para sempre. A mensagem era de travessia, não de permanência.
Em 2025, a EC 41 completou 22 anos de vigência, tempo suficiente para que toda uma geração de servidores tenha ingressado e caminhado quase até a aposentadoria já sob as novas regras. A promessa de transitoriedade, porém, nunca se cumpriu. E são justamente os idosos, muitos acima dos 70 anos, que seguem pagando por um sistema que mudou completamente, exceto naquilo que os penaliza.
Os pilares que justificavam a cobrança deixaram de existir. Paridade e integralidade foram extintas para novos servidores. O teto do INSS tornou-se limite das aposentadorias. A previdência complementar se consolidou. Idades mínimas e tempos de contribuição subiram. A estrutura previdenciária mudou; só a cobrança permaneceu.
Nesse intervalo, a PEC 555/2006 se tornou símbolo dessa disputa. Apresentada para revogar a cobrança sobre aposentados, envelheceu junto com seus defensores, arquivada, desarquivada, esquecida e ressuscitada, mas sempre presente.
Em 2024, a PEC 6 reabriu o debate. Batizada de "PEC Social", propôs transição gradual e mobilizou 327 deputados a pedirem seu apensamento à PEC 555, gesto raro no Congresso recente. Ainda assim, o pedido segue parado na Presidência da Câmara.
Enquanto isso, o tempo cobra seu preço. Muitos dos que iniciaram essa luta já não estão aqui para ver seu desfecho. Os que permanecem integram uma categoria em extinção, e cada falecimento encerra, junto com uma vida de serviço, uma injustiça que não se corrige por decisão política, mas simplesmente porque sua vítima se vai.
A discussão se agrava num país que envelhece aceleradamente. Em menos de duas décadas, o Brasil deixou de ser majoritariamente jovem e passou a conviver com desafios típicos de nações mais envelhecidas. Ainda assim, uma parcela expressiva dos idosos continua financiando um sistema previdenciário que já não lhes oferece contrapartida alguma. É um paradoxo: fala-se em proteger a pessoa idosa enquanto se retira, mês após mês, parte de seus proventos.
Essa cobrança não é abstrata. Ela interfere no remédio, no plano de saúde, na autonomia, na vida cotidiana. Exigir de pessoas acima de 65 ou 70 anos contribuições sem destino e sem expectativa de retorno é tudo, menos solidariedade. É retirar justamente de quem tem menos capacidade de recompor renda em um país que envelhece rapidamente, mas ainda planeja devagar.
Os artigos 2º e 3º do Estatuto da Pessoa Idosa falam em dignidade, autonomia e preservação de condições materiais básicas. Dignidade não cabe num desconto eterno. Uma sociedade que envelhece precisa proteger seus idosos, não insistir em subtrair deles o que já foi conquistado e revisado ao longo de sucessivas reformas.
O Brasil mudou. A Previdência mudou. O perfil dos servidores mudou. Só o desconto ficou congelado no tempo. Vinte anos depois, não se pede privilégio, nem benesse. Pede-se coerência. E coerência, neste caso, significa finalmente apensar a PEC 6 à PEC 555, para que a proposta possa ser votada como se espera em um regime que se afirma democrático. O desconto da contribuição previdenciária no contracheque de quem já deu ao Estado uma vida inteira de serviço não pode se perpetuar até a morte dos aposentados e aposentadas do serviço público, nem de seus pensionistas.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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