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Paulo José Cunha
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Sociedade
18/11/2025 15:00
Pelo que se sabe, sonhar ainda é permitido. E grátis. Então... sonhemos! Mais à frente o leitor vai entender essa abertura estranha. Vamos lá. A cultura da resolução de conflitos por meio da violência é tão forte que não abre espaço a brasileiros que pautaram sua atuação pela negociação e pelo diálogo. Nas comemorações das datas nacionais, sobretudo o 7 de setembro, não se celebra a paz, e sim a violência, mesmo que tenha sido por uma causa justa. Nas ruas do país, desfilam combatentes e armamentos. São tanques de guerra, blindados, canhões, aviões de combate e soldados das três forças exibindo armas e marchando em ordem unida. Não existe uma única data nacional que celebre alguém que tenha cultivado a concórdia, a negociação, o acordo. E olha que existem vários.
Na diplomacia, o Barão do Rio Branco, cuja atuação no início do século XX foi fundamental para a consolidação das fronteiras do Brasil com os vizinhos sul-americanos, por meio de negociações pacíficas e arbitragens, como a Questão do Amapá e a Questão do Acre. Lá atrás, no período colonial, Alexandre de Gusmão foi um dos principais artífices do Tratado de Madrid, em 1750, igualmente por meio da negociação, e utilizando o princípio do uti possidetis (posse de fato), permitindo a fixação de grande parte do atual território brasileiro. Tudo sem sangue, sem tiros, sem armas. Só que, no imaginário popular, herói não é quem negocia, é quem... mata. Por isso, ninguém se lembra deles. Rio Branco é uma avenida no Rio de Janeiro e uma praça em Teresina. Alexandre de Gusmão? Ninguém nem se lembra...
Na política, o princípio é o mesmo. Elegem-se "heróis" que apoiaram a violência como método. Um "cabra macho". Nem que seja...mulher!
O Congresso Nacional, que deveria ser a casa do diálogo, depois da atual polarização, transformou-se na casa do confronto. Não há exemplo recente de alguma divergência resolvida em conversa entre as partes. Tudo é decidido no confronto. A história, infelizmente, desmente todo dia o mito do "homem cordial" de que falava Sérgio Buarque de Holanda. Desde a colônia, o que a história registra e celebra é uma sequência de guerras, conflitos religiosos e políticos, extermínio de índios etc. Com banhos de sangue, corpos decepados e até canibalismo. Violência na veia. Violência cujos autores são celebrados como heróis, e, portanto, alçados à condição de "salvadores da pátria".
Não por outra razão a maioria da população carioca aprova e aplaude uma operação policial sanguinolenta como a realizada nos morros do Alemão e da Penha, que resultou em 121 cadáveres. A ausência de uma cultura da não-violência permite a certeza de grande parte da população de que governante bom não é o que busca o fim do crime organizado através da aplicação de políticas públicas eficazes, mas o que autoriza a polícia a subir o morro e atirar pra matar, como Claudio Castro fez. Essa cultura é a mesma que consagrou a repressão violenta durante a ditadura militar. Na época, ficou famosa uma frase do delegado Sérgio Paranhos Fleury que sintetiza tudo: "atira primeiro, depois interroga".
Curiosamente, um ser delirante como José Datrino, o Profeta Gentileza, tornou-se conhecido por fazer inscrições urbanas que vão na contramão da política da violência. Sua frase mais famosa - "Gentileza gera gentileza" - ele desenhou com caligrafia e design próprios nas pilastras do Viaduto do Caju, no Rio de Janeiro. Mas a prefeitura carioca mandou apagar tudo. Na época, final dos anos 90, Marisa Monte fez uma canção a respeito. Os primeiros versos dizem: "Apagaram tudo/ pintaram tudo de cinza/ A palavra no muro/ Ficou coberta de tinta// Apagaram tudo/ Pintaram tudo de cinza/ Só ficou no muro /Tristeza e tinta fresca".
Trago a lembrança do Profeta Gentileza para finalizar este texto como provocação. Se um ser delirante, um doido manso como Gentileza notabilizou-se por preferir a concórdia e a gentileza como virtude maior, por que não seria possível reverter a escalada da violência estrutural na busca de uma outra forma de prática política e de exercício do poder? Sonho? Quimera? Ingenuidade? Sim, tudo isso e mais aquilo. Porém, vale a pena refletir sobre o assunto e, assim, quem sabe, ajudar a mudar o curso dessa história, tal como ocorreu com Gentileza. E olha que isso ocorreu no mesmo Rio de Janeiro da chacina do Alemão e da Penha. Pois saiba: alguém refletiu sobre o assunto e mandou restaurar as pinturas de Gentileza. Sim, eu sei: estender essa expectativa para o dia-a-dia da atuação policial e política é puro sonho, delírio, quimera. Mas ainda é permitido sonhar. Então, pelo menos... sonhemos.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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