Entrar
Cadastro
Entrar
Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
Tributação
20/10/2025 13:00
Em 2022, durante a campanha eleitoral, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva prometeu que, em seu novo governo, quem ganhasse até R$ 5 mil mensais estaria isento do Imposto de Renda da Pessoa Física. Proposta totalmente compreensível que, inclusive, já constava de projetos de lei apresentados por alguns parlamentares. Isto porque o limite de isenção permanecia congelado em R$ 1.903,98 desde 2015, e a defasagem acumulada frente à inflação medida pelo IPCA já superava 60%. O problema é que, em 2025, essa promessa perdeu o efeito econômico que possuía em 2022. O descaso histórico na atualização da tabela transformou-se, na prática, em um aumento silencioso da carga tributária sobre o trabalhador brasileiro.
A tabela do Imposto de Renda praticamente não acompanhou o custo de vida nas últimas duas décadas. Entre 2007 e 2014, os reajustes médios foram de apenas 4,5% ao ano, abaixo da inflação em vários períodos. De 2015 a 2022, não houve qualquer correção. Nesse intervalo, o IPCA acumulou mais de 60%, o salário-mínimo cresceu 53% e a taxa Selic passou por grandes oscilações, refletindo o comportamento cíclico da política monetária. O resultado é a perda constante do poder de compra da faixa de isenção, que deixou de representar um valor mínimo de subsistência e passou a atingir contribuintes de renda média e até baixa.
É verdade que o congelamento da tabela do Imposto de Renda em períodos de juros e inflação reduzidos, como ocorreu entre 2018 e 2020, produz efeitos menos severos sobre o contribuinte médio. Com o IPCA abaixo de 4% e a Selic em trajetória de queda, o impacto inflacionário sobre a renda nominal é limitado, suavizando a perda de poder de compra da faixa de isenção. Nesse contexto, a inércia fiscal não chega a configurar propriamente um efeito confiscatório, embora continue a representar uma violação aos direitos dos cidadãos, pois mantém a base de cálculo desatualizada em relação ao custo de vida real.
Em todo caso, os dados históricos demonstram com clareza o alcance dessa distorção. Em 2016, a defasagem da tabela já ultrapassava 18% quando comparado com o ano de 2007. Em 2022, atingiu 61,5%, e mesmo após as correções realizadas nos anos seguintes, o déficit real ainda é da ordem de 47%. Em termos práticos, metade do valor real da faixa de isenção foi corroída pela inflação, sem que o Estado tenha adotado qualquer mecanismo permanente de atualização. O contribuinte, portanto, passou a pagar mais imposto não por ter maior renda, mas simplesmente porque a inflação não foi compensada pela política fiscal.
Essa omissão não é neutra. Quando o governo congela a tabela do Imposto de Renda, ele aumenta a arrecadação de forma disfarçada, sem alterar formalmente as alíquotas. Trata-se de um efeito conhecido: se os salários são corrigidos nominalmente pela inflação (ou bem próximo), mais pessoas ultrapassam as faixas de isenção e passam a ser tributadas, embora seu poder de compra não tenha se alterado. O Estado, nesse contexto, se beneficia da inflação e transforma o tributo sobre a renda em instrumento de erosão da renda real do trabalho. É uma forma de tributação por inércia, na qual a ausência de atualização da tabela opera como um aumento indireto de imposto.
Em 2007, a faixa de isenção era de R$ 1.313,69. Se tivesse sido corrigida integralmente pelo IPCA, em 2025 ela deveria estar em torno de R$ 3.870,00, e não nos R$ 2.428,80 projetados pela tabela atual. O descompasso é de aproximadamente 40% e se reflete nas demais faixas da tributação. Além disso, a promessa de isenção até R$ 5 mil, feita em 2022, equivalia a cerca de 5,8 salários-mínimos à época. Para manter o poder de compra em 2025, esse valor deveria ser reajustado para algo próximo de R$ 5.800 a R$ 6.000 mensais. Cumprir literalmente a promessa dos R$ 5 mil, portanto, significaria entregar cerca de 15% a menos do que foi anunciado em termos reais.
O paradoxo é evidente. Entre 2007 e 2025, o salário-mínimo teve ganho real médio de 2,7% ao ano, enquanto a tabela do Imposto de Renda perdeu quase metade do seu valor real. O mesmo Estado que promete proteger a renda do trabalho é o que mais contribui para corroê-la. A política fiscal, ao ignorar a necessidade de atualização periódica, se torna um mecanismo de tributação regressiva, penalizando justamente o trabalhador assalariado. Em termos distributivos, o resultado é inverso ao que o sistema progressivo de tributação deveria produzir.
A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso IV, veda o efeito confiscatório dos tributos, e o artigo 145, parágrafo primeiro, impõe o princípio da capacidade contributiva. Tributar a inflação nominal, como se fosse aumento real de renda, é violar ambos. Corrigir a tabela do Imposto de Renda não é uma opção política, mas uma exigência constitucional e um imperativo de justiça tributária. A falta de correção é, em si mesma, um ato de renúncia a esses princípios, pois transfere ao contribuinte o ônus de financiar a inflação estatal.
A criação de uma regra automática de atualização da tabela pelo IPCA é o passo lógico e necessário. Assim como o salário-mínimo e os benefícios previdenciários são reajustados periodicamente, também a tabela do Imposto de Renda deveria ter sua correção anual assegurada por lei. Essa medida evitaria o uso político da inflação como instrumento de arrecadação e daria previsibilidade à política fiscal, restabelecendo o equilíbrio entre arrecadação e justiça social.
A proposta de ampliar a isenção para R$ 5 mil é positiva, mas insuficiente. Corrigir a tabela em valor nominal sem rever sua metodologia é apenas adiar o problema. Para recuperar plenamente o poder de compra perdido desde 2015, a faixa de isenção deveria ser hoje próxima de R$ 6 mil, e mais importante do que um novo reajuste isolado é a criação de uma política permanente de atualização que abranja toda a tabela. O Estado não pode continuar se financiando pela corrosão da renda do contribuinte, devendo, antes de tudo, repensar os gastos.
A defasagem da tabela do Imposto de Renda é mais do que um indicador econômico: é um espelho da incoerência entre o discurso de justiça social e a prática fiscal. Atualizá-la não é uma concessão, mas o mínimo necessário para preservar a legitimidade do sistema tributário e a confiança do cidadão na boa-fé do Estado. Cumprir a promessa dos R$ 5 mil seria um começo, mas corrigir a estrutura seria, enfim, um ato de responsabilidade constitucional.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
Temas