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Paulo José Cunha
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Escuta aqui: e quando vão pôr na cadeia esses pastores ladrões?
Comunicação e justiça
12/6/2025 14:31
Há um aspecto nas análises feitas aqui sobre os depoimentos dos réus da tentativa de golpe que ainda não vi abordado. E como tem tudo a ver com minha atividade de comunicador, julgo conveniente e necessário chamar a atenção para ele, na esperança de que seja mais observado em eventos futuros.
Trata-se da decisão tomada pelo Ministro Alexandre de Moraes de autorizar a transmissão AO VIVO dos depoimentos, ao contrário dos eventos semelhantes ocorridos antes, quando os depoimentos não puderam ser transmitidos ao vivo. E os jornalistas credenciados até puderam acompanhar, mas sem poder fotografar nem gravar.
E aqui tocamos no pronto crucial da questão: num evento dessa natureza, não estão em jogo apenas os conteúdos factuais dos depoimentos. Claro que o QUE se diz é o ponto fulcral, mas é preciso considerar o aspecto MIDIÁTICO envolvido numa transmissão aberta e ao vivo de um evento de enorme repercussão como foi o caso. Porque, se os conteúdos são importantes, a repercussão que eles podem gerar a partir de sua ampla divulgação ao vivo têm igual ou até maior importância.
Qualquer comunicador sabe da importância da forma, da maneira como se diz, e não apenas DO QUE se diz numa entrevista, num depoimento, numa aparição na tv, numa entrevista coletiva ao vivo ou pré-gravada, para rádio, televisão, jornal, revista, blog ou site de notícias.
Ficou evidente para qualquer pessoa que assistiu aos depoimentos, mesmo leiga no assunto, que todos os participantes, sem exceção, passaram por algum tipo de preparo, submeteram-se a um treinamento (mídia-training), testaram respostas, posturas e comportamentos, e corrigiram aspectos que poderiam depor contra si próprios. Enfim, não apenas participaram do circo, mas, sim, montaram o próprio circo. Circo aqui não no sentido pejorativo, mas de arena onde se apresenta um espetáculo. Sim, um espetáculo, ou alguém tem alguma dúvida da milionária audiência que acompanhou ao vivo a transmissão da sessão pela TV Justiça, reproduzida integralmente por diversas emissoras da mídia de mercado, como a Globonews, não foi vista como um espetáculo?
Diante dessas considerações, vale a pena refletir: será que a autorização para a transmissão ao vivo da sessão de oitivas serviu verdadeiramente como instrumento a favor da liberdade de acesso à informação, ou funcionou como circo midiático a favor dos depoentes?
Basta lembrar um único depoimento, o do ex-presidente Jair Bolsonaro, para constatar que... não. A transmissão ao vivo prestou-se muito mais a uma encenação midiática - e com certeza eleitoreira - do que a um serviço a favor da liberdade de expressão. Quem estava ali não era o Bolsonaro que durante os quatro anos de governo tratou jornalistas, opositores, membros do judiciário e até especialistas nas mais diversas áreas, literalmente na ponta do pé. Ou da bota. Pelo contrário, Bolsonaro, durante o depoimento, comportou-se de forma absolutamente diversa. Calmo, sorridente às vezes, compreensivo, sem apelar para o grito nem para o impropério. Tratou até o antigo algoz, Alexandre de Moraes, de forma amigável e até brincalhona. Chegou a perguntar se podia "fazer uma piada", quando o convidou para ser seu vice na próxima eleição, mesmo estando inelegível.
Aquele, para quem o conhece e acompanha seus desempenhos anteriores - "você é tão feia que não merece nem ser estuprada", "vamos fuzilar a petralhada", "uma granadinha mata todo mundo" - não compareceu ao depoimento. Quem estava lá era outro Bolsonaro, construído milimetricamente para não ser ele mesmo, e sim um personagem criado cuidadosamente para o momento.
Não faltaram orientações (que ele seguiu à risca) nem mesmo quanto aos gestos. Um dos mais notáveis foi o cumprimento ao delator Mauro Cid, responsável pela maior parte da encrenca em que está enredado. Em condições normais, Cid seria escorraçado por Bolsonaro se aparecesse à sua frente, alguém duvida? E quanto ao convite para Moraes ser seu vice, alguém acredita que saiu ali, na hora, num surto de bom-humor e criatividade ou foi uma peça cuidadosamente ensaiada?
Em suma: os depoimentos anteriores, sem transmissão ao vivo, foram muito mais consistentes - e autênticos - do que as falas ensaiadas que o Brasil parou para assistir. E com certeza foram muito mais úteis para informar os processos.
É hora de as ilustríssimas autoridades darem uma parada para refletir e avaliar se é mesmo verdade que estão "contribuindo com a liberdade de acesso à informação" ou apenas oferecendo palanque midiático para os réus do processo.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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