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FEITO HISTÓRICO
Congresso em Foco
30/6/2025 | Atualizado às 18:52
Em junho de 2010, no último ano de seu segundo mandato, o presidente Lula sancionou a Lei da Ficha Limpa, resultado de uma ampla mobilização popular que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas. A proposta endureceu as regras para barrar políticos condenados pela Justiça, restringindo a participação de quem tivesse condenações por órgãos colegiados, ainda que sem sentença definitiva.
Ironia do destino: a mesma lei que Lula sancionou acabou impedindo sua candidatura em 2018 e, atualmente, trava o retorno de Jair Bolsonaro às urnas em 2026. Ao completar 15 anos neste mês, a Ficha Limpa se mantém como uma das principais referências mundiais no combate à corrupção eleitoral, mas segue alvo de tentativas de flexibilização no Congresso e de críticas de políticos de diferentes correntes.
Mobilização histórica
A Ficha Limpa nasceu de uma rede organizada por entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reúne mais de 70 organizações, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), liderada na ocasião por Dom Dimas Lara Barbosa. A coleta de assinaturas começou em 2008, contando com forte engajamento de paróquias, associações civis e campanhas na internet. Em setembro de 2009, o projeto foi apresentado ao Congresso, que, pressionado pela opinião pública, o aprovou de forma célere no primeiro semestre de 2010.
O texto final, transformado na Lei Complementar nº 135/2010, alterou a antiga Lei de Inelegibilidades de 1990 e estabeleceu 14 hipóteses de inelegibilidade. Entre elas, a proibição de candidatura para quem tivesse mandato cassado, contas rejeitadas, condenação por abuso de poder ou corrupção, mesmo sem decisão transitada em julgado.
Impacto imediato
O efeito da Ficha Limpa foi imediato. Além de Lula e Bolsonaro, outros políticos tiveram suas candidaturas indeferidas em algum momento, entre eles os ex-deputados Deltan Dallagnol, José Dirceu, Daniel Silveira e Roberto Jefferson, além dos ex-governadores José Roberto Arruda, Agnelo Queiroz e Anthony Garotinho.
Segundo levantamento da CNN Brasil no Tribunal Superior Eleitoral, apenas entre 2014 e 2024 a lei impediu quase 5 mil candidaturas, cerca de 8% de todas as registradas no período. O mecanismo ajudou a filtrar candidatos com histórico de crimes graves e se transformou em símbolo de participação popular na construção de regras mais rígidas para a política. Muitos sequer se arriscam a concorrer por saber que não atendem às exigências para disputar as eleições.
Pressão fez diferença
Jovita Rosa, que foi diretora do MCCE na época da elaboração da lei, recorda como o Congresso, inicialmente refratário, mudou de posição diante da pressão social.
"Na época eu percebia que a sociedade estava sedenta por mudança. As pessoas dizem ter nojo da corrupção, mas não conseguem sair desse discurso terraplanista de direita e esquerda. É preciso ressaltar que a corrupção não é exclusividade do meio político, está nas empresas, está nas pessoas", afirmou Jovita, hoje presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), ao Congresso em Foco.
Segundo ela, os parlamentares sentiram um verdadeiro "levante da sociedade" em 2010. "Os políticos tinham resistência ao projeto e medo da sociedade. Os partidos eram contra", lembrou. "Hoje perderam o receio de se colocar favoráveis a questões de desvio. Não têm mais medo", acrescentou. O projeto foi aprovado sem nenhum voto contrário na Câmara ou no Senado. As casas eram presididas na época por Michel Temer (MDB-SP) e José Sarney (MDB-AP), respectivamente.
Lula e Bolsonaro
A Ficha Limpa também marcou a eleição presidencial de 2018 ao impedir a candidatura de Lula, preso após condenação na Operação Lava Jato. O TSE barrou o registro de sua candidatura, decisão que só seria revertida anos depois, quando o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações ao concluir que houve irregularidades no processo e ausência de provas de crime.
Na época, além de protestarem contra a condenação de Lula, seus aliados criticavam o rigor da lei de inelegibilidade. Nenhum parlamentar, porém, propôs a revogação da Ficha Limpa.
Agora, quem está fora da disputa graças à mesma lei é Jair Bolsonaro. O ex-presidente foi declarado inelegível até 2030 por abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação ao atacar, sem provas, a segurança das urnas. Incomodado, Bolsonaro já defendeu reduzir o tempo de inelegibilidade de oito para dois anos, chegando até a propor a revogação completa da lei, sob o argumento de perseguição à direita mesmo tendo votado a favor dela em 2010, quando ainda era deputado.
"A Lei da Ficha Limpa serve apenas para isso: perseguir a direita, e ponto final", disse Bolsonaro em fevereiro deste ano. Ele defendeu a revogação integral do texto: "Eu sou até radical, o ideal seria revogar essa lei, que assim não vai perseguir mais ninguém, e quem decide se vai eleger ou não o candidato é você", completou.
Parlamentares aliados apresentaram o PLP 141/2023, que encurtaria o período de inelegibilidade. Se aprovado, poderia permitir a candidatura de Bolsonaro em 2026, mas a proposta ainda enfrenta resistência e precisaria passar por revisão judicial.
Disputas jurídicas e críticas
Desde a sanção, a Lei da Ficha Limpa já foi alvo de vários testes no Supremo Tribunal Federal. Em 2010, havia expectativa de aplicá-la imediatamente, mas o STF decidiu que ela só valeria a partir das eleições municipais de 2012, em respeito ao princípio da anualidade eleitoral. Posteriormente, a Corte reconheceu plenamente sua constitucionalidade, considerando a lei um pilar para proteger a moralidade e a probidade no processo democrático.
Críticos, contudo, apontam que a Ficha Limpa fere a presunção de inocência, já que impede candidaturas antes do trânsito em julgado. Também alertam para o risco de politização de tribunais de contas estaduais, cujos conselheiros podem ser indicados por governadores e usar rejeição de contas para barrar adversários. Para evitar injustiças, a lei prevê a possibilidade de recursos cautelares para tentar reverter a inelegibilidade.
Antes e depois da Ficha Limpa
Antes da Ficha Limpa, políticos condenados por corrupção podiam voltar a disputar eleições poucos anos depois, já que a Lei Complementar 64/90 estabelecia prazos de inelegibilidade geralmente de até 3 anos e exigia decisão definitiva para impedir candidaturas. Com a LC 135/2010, as restrições ficaram mais duras e claras, elevando o prazo para até 8 anos após o término do mandato e incluindo decisões colegiadas.
Na prática, a nova lei trouxe filtros que mudaram a forma como o eleitor avalia o histórico dos candidatos. Hoje, qualquer cidadão pode consultar no site do Tribunal Superior Eleitoral se existem processos ou irregularidades capazes de barrar uma candidatura.
Desafios e futuro
Mesmo comemorando 15 anos, a Lei da Ficha Limpa continua em disputa. Tentativas de flexibilizá-la não faltam, seja para reduzir prazos, seja para reinterpretar dispositivos. Especialistas alertam, porém, que as cortes superiores tendem a preservar o espírito da norma e não devem aprovar retrocessos que fragilizem seu alcance. Ainda assim, a pressão política promete seguir intensa nos próximos meses.
Vigilância e legado
Um dos atuais diretores do MCCE, Luciano Santos considera um desafio constante manter as regras mais rígidas da Ficha Limpa, tarefa que exige vigilância permanente da sociedade civil. Na avaliação dele, mais do que a lei em si, importa o debate que ela impulsiona no país.
"Nossa luta é contínua. Diversas vezes tentaram alterá-la. Acreditamos que ela é importante. Hoje tem clubes e condomínios exigindo em seus estatutos que os candidatos sejam 'ficha limpa'. Apesar desses ataques recentes, a lei é relevante porque traz esse debate", declarou ao Congresso em Foco.
Luciano também ressaltou o legado popular. "Ela mostrou que, quando a população se mobiliza, pode criar novas leis. Não precisa depender apenas do Congresso. Esse mecanismo de iniciativa popular pode ser uma alternativa para outros temas importantes", afirmou.
Para propor um projeto de lei de iniciativa popular, é necessário reunir o apoio de pelo menos 1% do eleitorado nacional. As assinaturas precisam estar distribuídas por ao menos cinco estados, com um mínimo de 0,3% dos eleitores de cada um deles.
Preocupação de momento
Assim como Jovita Rosa, Márlon Reis era diretor do MCCE e juiz eleitoral à época. Mesmo de volta à advocacia com atuação em oujtras frentes, Márlon defende vigilância constante sobre iniciativas do Congresso que tentam enfraquecer a Ficha Limpa. Sua maior preocupação hoje é com o projeto de reforma do Código Eleitoral, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A polêmica se refere à contagem do prazo de inelegibilidade. Pelo projeto, os oito anos passariam a ser contados a partir da condenação por órgão colegiado, somando também o tempo até o trânsito em julgado, independentemente do cumprimento da pena.
"Isso praticamente torna inaplicável a punição da Lei da Ficha Limpa", afirmou Márlon ao Congresso em Foco. "É pior do que antes, quando a inelegibilidade era de apenas três anos após o cumprimento da pena", completou.
Segundo ele, o novo modelo permitiria que um condenado a penas longas, como 10 ou 12 anos de prisão, cumprisse a pena já com o prazo de inelegibilidade esgotado, podendo disputar eleições assim que deixasse o sistema prisional. "Essa mudança permite que alguém recém-saído da prisão entre direto na disputa eleitoral, sem nenhum tempo de afastamento, sem depuração alguma", criticou.
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