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MEMÓRIA
Congresso em Foco
26/9/2025 18:06
Demandada por parlamentares de oposição desde o início da legislatura, a anistia aos réus por envolvimento nos ataques às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 se aproxima de ser votada na Câmara dos Deputados. Seu requerimento de urgência foi aprovado no último dia 17, e o relator, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), se prepara para apresentar seu parecer na próxima semana.
A eventual aprovação pode resultar no maior hiato da história brasileira entre anistias. Em seus 203 anos de independência, o país testemunhou 48 concessões de anistia, alcançando uma média de uma a cada 4,2 anos. A última foi em 1979, marcando o início do fim da ditadura militar. Esta última, recorrentemente citada por parlamentares defensores do novo texto, tramitou em uma conjuntura em muitos aspectos oposta à de 2025. Alguns juristas inclusive argumentam que o intuito também é contrário ao de 46 anos atrás.
Ditadura em declínio
Nos anos finais da década de 1970, a ditadura militar estabelecida com o golpe de Estado de 1964 vivia seu momento de declínio. A repressão a opositores, propaganda estatal massiva e a censura a veículos de comunicação não eram mais capazes de segurar o descontentamento de uma população que observava as contradições da "abertura lenta, gradual e segura" do governo Geisel e vivenciava os efeitos de uma inflação econômica crescente e de um desdém internacional pelo regime.
Em meio ao enfraquecimento da ditadura, ganhou força o Movimento Feminino pela Anistia, fundado pela assistente social e ativista Therezinha Zerbini em 1976 em conjunto com familiares, colegas e amigos de presos e exilados políticos. Em 1978, com o fim dos atos institucionais que restringiam a liberdade política no país, o movimento ganhou força, dando origem ao Comitê Brasileiro pela Anistia, que se tornaria uma das principais pautas da oposição ao governo militar.
Diferença de origem
O General João Figueiredo foi escolhido presidente em 1979, com a promessa de conclusão do processo de redemocratização. No mesmo ano, chegou ao Congresso Nacional o projeto de lei que se tornaria a anistia aos perseguidos pela ditadura. A própria origem do texto se distancia do que hoje tramita no Congresso Nacional.
As múltiplas propostas enviadas às duas Casas legislativas para anistia aos réus de 8 de janeiro de 2023 partiram, em sua grande maioria, de parlamentares da oposição ao atual governo. O que tramita em regime de urgência é de Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), deputado que, apesar de votar majoritariamente em conformidade com a orientação do Executivo, é ideologicamente alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
A estratégia do governo para evitar a aprovação consiste principalmente em tentar adiar o debate. Por meio de requerimentos de obstrução nas comissões, distribuição de emendas parlamentares e conversas com líderes partidários e membros das Mesas Diretoras da Câmara e Senado, o PT e demais partidos do núcleo duro da base do Executivo tentam diluir a discussão na esperança de que o tempo a enfraqueça.
Em 1979, a proposta partiu do próprio Planalto, com uma estratégia oposta à do governo Lula. Buscando assegurar o controle sobre a discussão, e consequentemente dos termos da anistia, o projeto foi entregue em junho, poucos dias antes do início do recesso legislativo. O texto ficou muito diferente da versão "ampla, geral e irrestrita" exigida pela oposição. O recesso no mês seguinte limitou a capacidade de articulação do MDB, e o texto final foi votado a toque de caixa logo que os trabalhos foram retomados.
Apesar de perdoar os autores dos chamados "crimes políticos" e membros de movimentos sociais que militavam pelo fim da ditadura, a proposta mantinha de fora os autores de crimes violentos, inviabilizando, em um primeiro momento, o perdão aos condenados por terrorismo e assassinato. Ela também criava instrumentos para impedir a punição a militares envolvidos em atos de perseguição e tortura a opositores.
Parecer sob controle
A relatoria do projeto de anistia de 1979 foi entregue ao deputado arenista Ernani Satyro, ex-ministro do Superior Tribunal Militar. Aliado de primeira ordem do governo, ele ignorou os protestos de emedebistas para que o texto fosse ampliado e deu andamento à estratégia de votação em toque de caixa. Em uma conturbada sessão em 22 de agosto daquele ano, o projeto foi aprovado com a rejeição de todas as emendas apresentadas pelo MDB.
Em 2025, o cenário é outro. Uma vez aprovada a urgência para o projeto de lei da anistia, o texto ficou sob responsabilidade de Paulinho da Força, parlamentar que não ocupa nem a base do governo e nem a oposição. Logo ao assumir a relatoria, o deputado deixou claro que faria alterações no texto, e que não seria possível atender integralmente às demandas de qualquer bloco.
Paulinho da Força recebeu uma proposta de anistia "ampla, geral e irrestrita", perdoando crimes eleitorais desde o segundo turno das eleições de 2022. Diante de questionamentos à constitucionalidade da proposta, adotou outra abordagem, com mudanças nas penas previstas no Código Penal para crimes contra o Estado de Direito. O resultado caminha para um texto com efeitos limitados em relação à proposta original.
Natureza da anistia
Além das diferenças de conjuntura, a natureza da anistia de 1979 é muito distinta dos debates que movem a que pode ser aprovada em 2025. Em artigo ao Congresso em Foco, a advogada Eneá de Stutz e Almeida, ex-presidente da Comissão de Anistia do Ministério de Direitos Humanos, define a primeira como uma anistia de memória, com vistas a reparar as feridas deixadas pela ditadura, enquanto a atual é o que ela chama de "anistia de esquecimento", em que se busca proteger os autores de abusos.
"A Lei de Anistia de 79 é uma lei de memória. Isso significa dizer que nada foi apagado, esquecido. Ao contrário, as ações das pessoas que foram perseguidas pelo Estado ditador são valorizadas, como ações em defesa ou resistência pela democracia. Por isso, a lei de 79 foi o início da redemocratização", explicou.
O novo projeto, ao seu ver, funciona como uma "autoanistia" a membros da gestão anterior. "É uma amnésia imposta pelo Estado a todas as pessoas. Se alguém foi prejudicado não poderá provocar o Judiciário, por exemplo, para pedir indenização, porque para todos os efeitos jurídicos, nada aconteceu naquele período da lei", afirmou.
Esse debate, porém, não é acertado. Muitos dos parlamentares que defendem o projeto de anistia de 2025 não fazem questão de anular as penas contra Jair Bolsonaro e demais membros de seu governo, mas apenas contra os participantes dos atos de 8 de janeiro, por entenderem que foram penas exageradas.
O próprio relator tenta emplacar, no lugar do tempo "PL da Anistia", a ideia de "PL da dosimetria", retratando a proposta não como um perdão a participantes de qualquer trama política ou ataque às instituições, mas sim como um ajuste na lei para evitar excessos.
Confira a seguir a síntese das principais diferenças entre os debates da anistia em 1979 e 2025:
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