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Congresso em Foco
Autoria e responsabilidade de Celeste dos Santos
18/12/2020 | Atualizado 10/10/2021 às 17:29
1. Da necessidade de reconhecimento de direitos fundamentais às vítimas
O reconhecimento da vítima como sujeito de direitos fundamentais abrange o estabelecimento de um rol mínimo que atue de forma preventiva, especialmente a vitimização secundária, a saber:
Art. 4°. Para os fins desse estatuto são assegurados às vítimas o direito à comunicação, defesa, proteção, informação, apoio, assistência, a atenção, ao tratamento profissional, individualizado e não discriminatório desde o seu primeiro contato com profissionais da área da saúde, segurança pública e que exerçam funções essenciais de acesso à justiça, à colaboração com as autoridades policiais, Ministério Público e Poder Judiciário, sendo garantida sua efetiva participação e acompanhamento mesmo após a cessação do tratamento de saúde ou julgamento do processo criminal.
A conscientização de que todos os atores do sistema de justiça e de saúde devem atuar de forma colaborativa põe em evidência que a responsabilidade pela obtenção da justiça social não pode ser relegada apenas ao Poder Judiciário. Mutatis mutandis, a eliminação de prazos decadenciais na seara penal guarda relação lógica com o microssistema de proteção as vítimas, uma vez há uma antinomia real no sistema em que a vítima que ainda não percorreu todos os passos do caminho de ruptura da vitimização (v.g. negação do próprio fato de ter sido vítima) possa perder o direito ao seu exercício. (cf. art. 4°, parágrafo único do Projeto de Estatuto da Vítima).
2. Ciclo de vitimização
Vitimização é "o processo pelo qual uma pessoa sofre as consequências de um fato traumático". A palavra trauma vem do grego traumat e significa ferida. Com frequência, é resultado de violência, que pode ser causada pela natureza (desastre natural) ou pelo ser humano (de uma pessoa a outra, a um grupo ou sociedade). A violência pode assim ser natural (furacões, terremotos), verbal (intimidação, insultos, humilhação ou ameaças), estrutural (pobreza, racismo, gênero, etc) ou decorrente de guerra. A violência crônica prejudica as relações sociais, as instituições e leva à sua banalização.
Os tipos de traumas são individuais ou coletivos, podendo ter origem em um evento único ou cumulativo. O trauma individual, se subdivide em secundário ou compartilhado, participativo e de violação da dignidade. Por sua vez, os traumas coletivos se dividem em trauma histórico, cultural e estrutural.
O trauma é, portanto, fonte de vitimização por excelência. A vitimização comporta diversos níveis, conforme o desenvolvimento do evento traumático respectivo: vitimização primária, vitimização secundária e vitimização terciária.
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A vitimização primária "é o processo pelo qual uma pessoa sofre, de modo direto ou indireto, danos físicos ou psíquicos derivados de um fato delitivo ou acontecimento traumático". A vitimização secundária constitui o conjunto de custos pessoais para a vítima de um crime, abrangendo desde o seu interrogatório policial ou judicial, a realização de perícias e o contato com o ofensor, até o tratamento despendido ao fato pela mídia.
A vitimização terciária abrange o conjunto dos custos da penalização de quem a suporta, pessoalmente ou terceiros. Refere-se à relação custo/benefício entre o dano causado pela infração penal à vítima e à sociedade e o custo/benefício da penalização para o próprio infrator e a sociedade. Já a vitimização quaternária se refere aos impactos negativos produzidos pelos veículos de imprensa e redes sociais.
Os quatro fatores interagem e devem ser analisados com cuidado, pois a estratégia de neutralização da responsabilização pelo fato (v.g. acusações de comportamento provocador da vítima ou a imputação de fatos inexistentes), por exemplo sob a alegação de que possui condição socioeconômicas inóspitas, acarreta a atribuição da responsabilidade à vítima e, portanto, sua revitimização.
O sistema de proteção à vítima tem por objetivos garantir a vida, a integridade física, a segurança, a liberdade e a indenidade sexual das vítimas e de seus familiares, e salvaguardar sua intimidade, dignidade e dos riscos da vitimização secundária ou reiterada.
A proteção em sentido estrito se refere à proteção da vítima no, através, em respeito ou independente do processo penal. As medidas de proteção à vítima devem zelar para a desvitimização desde o primeiro contato dela com os órgãos de saúde pública, persecução penal e o Poder Judiciário.
A vitimização delitiva pode ser analisada a partir de três perspectivas básicas: a vulnerabilidade pessoal das vítimas, suas carências sociais e sua exposição ao delito. Illescas atribui a esse fenômeno a expressão modelo do triplo risco vitimógeno (TRV), em complementariedade à estrutura especular do triplo risco delitivo (TRD). Pelo modelo do TRD, o comportamento criminal abrange: riscos pessoais (v.g. elevada impulsividade, valores antissociais, baixa empatia); carências de apoio pró-social (v.g. baixa supervisão, abandono escolar, amigos delinquentes) e exposição reiterada a situações de oportunidade delitiva (v.g. passar muito rápido na rua, fácil acesso a dinheiro e valores desprotegidos).
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Conclusões
O Estado de Direito Democrático visa à realização de democracia econômica, social e cultural. Em matéria penal, concluímos que para atingir essa finalidade, o Estado é depositário do dever de atribuir segurança aos seus cidadãos, intervindo na ordem econômica e social, devendo desenvolver políticas públicas que contemplem ao mesmo tempo medidas preventivas ao risco da vitimização e ao risco da delinquência, por serem fenômenos indissociáveis.
A verdadeira dignidade e igualdade social não será passível de ser obtida tão somente por meio de sua ponderação com a liberdade dos cidadãos, mas pelo seu contraponto com os deveres de solidariedade ínsitos ao pacto social. Portanto, o equilíbrio de ambos os valores constitucionais não é passível de ser obtido em sua forma estática, mas tão somente em função da dinâmica interativa entre eles.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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