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Direitos da infância
22/9/2025 11:00
No último 17 de setembro, o Brasil deu um passo importante com a sanção presidencial da lei que combate a adultização de crianças no meio digital. Um passo necessário, esperado e urgente. Mas, como mãe de dois adolescentes - Isabella, de 18 anos, e Enrico, de 17 - e como mulher que viveu de perto a responsabilidade da gestão pública, preciso dizer: só a lei não basta.
A infância e a adolescência de nossos filhos não cabem em decretos. Elas acontecem na sala de casa, nas escolas, nas ruas e, cada vez mais, nas telas dos celulares e computadores. Redes sociais, sites, jogos eletrônicos e aplicativos diversos se tornaram o espaço onde meninos e meninas constroem sua visão de mundo. É ali que se relacionam, aprendem e, infelizmente, também se expõem a riscos que, até hoje, nossa legislação não soube enfrentar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, foi um marco. Ele colocou a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, não mais como meros objetos de tutela. Mas pensemos: de 1990 até aqui, duas gerações inteiras cresceram sem que tivéssemos produzido nada tão robusto quanto o ECA para protegê-las neste novo ambiente digital. Não houve atualização efetiva da lei para lidar com os desafios que nasceram com a internet. O mundo mudou radicalmente - e nós, adultos, muitas vezes não conseguimos acompanhar.
Essa nova legislação é um sinal de que começamos a olhar para esse abismo. Mas, como mulher pública e como mãe, sei que a letra fria da lei não tem força sozinha. É preciso sensibilidade, políticas públicas estruturadas e atuação integrada. O Estado precisa estar ao lado das famílias, apoiando pais, escolas, professores e profissionais de saúde no enfrentamento desse desafio.
Durante os meus anos como prefeita de Saquarema (RJ), vivi essa realidade de forma intensa. Nas escolas, conduzi um processo de digitalização que se acelerou com a pandemia. Investimos na capacitação de professores para que não apenas dominassem as ferramentas, mas também soubessem orientar as crianças sobre como navegar nesse universo digital com consciência e segurança. Criamos a Mostra Pedagógica, premiando projetos inovadores de professores, muitos deles voltados a trabalhar questões ligadas ao uso das redes e à prevenção do bullying.
Na saúde, olhamos com atenção para os impactos das redes sociais na saúde mental, especialmente entre crianças e adolescentes. Essa pauta não pode ser tabu e sempre parti do pressuposto de que as ações neste sentido não podem ficar restritas ao Setembro Amarelo. Bullying, exposição excessiva, ansiedade, depressão: todos esses problemas se agravam quando não há um ambiente de cuidado.
Outro projeto que me marcou foi o Educa Saquá, um incentivo de R$ 250 mensais por aluno, condicionado não apenas à frequência escolar, mas também à participação das famílias em atividades pedagógicas. Nessas reuniões, falávamos de internet, de redes, de convivência digital. Porque proteger a infância não é tarefa apenas da escola ou apenas da família: é um esforço conjunto.
E aqui volto ao ponto central: não podemos acreditar que uma lei, por mais importante que seja, resolverá o problema por si só. Ela precisa ser acompanhada de investimento em políticas públicas, campanhas de conscientização e apoio efetivo às famílias e às escolas. Precisa vir de mãos dadas com o olhar humano, com a escuta, com a proximidade.
Como mãe, aprendi a equilibrar minha vida pública com a privacidade dos meus filhos. Desde os primeiros dias como prefeita, essa sempre foi uma preocupação: construir a persona pública sem expor Isabella e Enrico além do que fosse saudável e respeitoso com suas idades. Esse cuidado que exerci em casa, busquei levar para a gestão. Porque não há fronteira entre a vida pessoal e o compromisso público quando se trata de proteger nossas crianças.
Hoje, ao ver essa lei ser sancionada, meu coração se divide. De um lado, a esperança de que finalmente o Brasil está despertando para um problema que há muito tempo atravessa nossas casas. De outro, a consciência de que ainda temos muito a caminhar. A lei é só o começo. O que fará diferença, de verdade, é nossa capacidade de transformar sensibilidade em ação. De entender que cada criança exposta, cada adolescente pressionado a viver uma vida que não condiz com sua idade, representa uma derrota coletiva. Como mãe e como gestora pública, sei que nossa missão não é apenas proteger a infância: é também garantir que ela exista.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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