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O Estado Dual e o ataque do Federalismo: Uma análise das novas ordens executivas de Trump

Ordens de Trump mostram avanço do autoritarismo e desmontam o federalismo americano sob a fachada da legalidade.

Gisele Agnelli

Gisele Agnelli

2/5/2025 13:00

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Nesta segunda-feira, 28 de abril de 2025, o presidente Donald Trump assinou três novas ordens executivas que, em aparência, tratam de temas administrativos como imigração, policiamento e transporte rodoviário. Mas, ao observá-las no contexto mais amplo da arquitetura política que Trump vem construindo desde seu retorno à Casa Branca, fica claro que estamos diante de algo mais profundo: a consolidação de um Estado Dual autoritário nos Estados Unidos e a corrosão sistemática do federalismo americano.

A estratégia de Trump não é a supressão direta da democracia ou das instituições federativas, mas sua subversão interna, um processo que o jurista e cientista político alemão Ernst Fraenkel descreveu com precisão no conceito de Estado Dual (1941): a coexistência de um Estado Normativo, que mantém a aparência das leis e da constitucionalidade, e um Estado Prerrogativo, que governa por meio da exceção, do arbítrio e da violência política. As três ordens assinadas hoje ilustram com clareza essa lógica de dupla face.

Imigração, repressão policial e perseguição a estados dissidentes revelam novo modelo de exceção nos EUA

Imigração, repressão policial e perseguição a estados dissidentes revelam novo modelo de exceção nos EUADaniel Torok/Casa Branca

A primeira ordem executiva instrui a Procuradora-Geral Pam Bondi e a Secretária de Segurança Interna Kristi Noem a publicar uma lista oficial de jurisdições consideradas cidades santuário (locais que limitam sua colaboração com agentes federais de imigração); bem como buscar todos os recursos legais e medidas de execução para forçar essas jurisdições à cooperação, inclusive ameaçando cortar repasses federais. O que está em jogo aqui não é apenas imigração. Trump transforma a máquina do Estado federal em instrumento de coerção política contra cidades e estados que exercem seu direito constitucional de determinar prioridades locais. O federalismo pilar da república americana é atacado diretamente. Trata-se de um movimento típico do Estado Dual: o aparato legal permanece, mas sua aplicação torna-se arbitrária e politicamente dirigida.

A segunda ordem executiva determina que policiais acusados de má conduta poderão receber apoio jurídico especial do governo federal, mesmo quando suas ações são contestadas sob leis estaduais ou municipais. Esta ordem propõe ainda revisões e, se possível, modificações ou anulações às restrições a práticas policiais abusivas, especialmente os consent decrees federais*. Além disso, estabelece que os departamentos de polícia locais sejam rearmados com equipamento militar excedente. Líderes locais que limitem a ação policial podem ser alvos de medidas de execução federais. Aqui, Trump oficializa o abandono da política de controle da violência policial construída ao longo das últimas décadas. O Estado Normativo da proteção dos direitos civis é esvaziado; no seu lugar, surge o Estado Prerrogativo da repressão armada, onde forças locais são transformadas em milícias da ordem trumpista. Não se trata de apoiar a polícia, trata-se de transformar o braço armado do Estado em instrumento de disciplinamento ideológico e político contra alvos locais progressistas.

A terceira ordem executiva exige que motoristas profissionais de caminhão que não possam falar e ler inglês adequadamente sejam imediatamente retirados das estradas e que o departamento de Transporte aplique a medida de forma rígida e irreversível. Sob o pretexto de segurança viária, Trump ataca trabalhadores imigrantes, não apenas os indocumentados, mas qualquer estrangeiro economicamente vulnerável. O domínio da língua torna-se não apenas critério de competência profissional, mas filtro de pertencimento social e político. Assim como o Estado Dual nazi-fascista usava regulações técnicas para consolidar práticas de exclusão racial e política, Trump instrumentaliza uma norma técnica para restringir a cidadania econômica a quem ele considera legítimos americanos.

O impacto conjunto dessas ordens executivas vai além da repressão a indivíduos. Visa reestruturar a relação entre o poder central e os estados da federação. O federalismo estadunidense foi desenhado justamente para impedir a concentração de poder no governo central e preservar a diversidade política entre os Estados. Historicamente, o federalismo americano foi um mecanismo de equilíbrio entre diversidade e unidade: permitiu que estados como a Califórnia seguissem políticas progressistas mesmo sob governos federais conservadores, e vice-versa. Trump, porém, parece caminhar para um federalismo condicional: Estados que se alinham à sua agenda (como a Flórida) são recompensados. Estados dissidentes (como Califórnia, Nova York, Oregon) são perseguidos com represálias financeiras, sanções jurídicas e difamação política. É a reprodução moderna da Gleichschaltung nazista a padronização forçada das autonomias estaduais sob o comando do governo central. Ao perseguir cidades e estados que resistem, assistimos à tentativa de construção de um Estado unitário autoritário e a dissolução do Federalismo Americano.

As três ordens executivas assinadas por Donald Trump compõem uma estratégia ampla e profundamente preocupante: a transformação do governo federal em um instrumento de exceção permanente, operando sob a aparência da legalidade formal. Trump contorna deliberadamente o Legislativo, governa por ordens executivas de constitucionalidade altamente questionável e satura o Judiciário com litígios estratégicos, apostando que o tempo dos processos, a sobrecarga institucional e a composição política das cortes jogarão a seu favor. A Suprema Corte, já inclinada à revisão de direitos consolidados, torna-se o destino calculado de uma política que pretende moldar a exceção em novo padrão normativo.

Em meio à queda de aprovação popular, Trump mobiliza a figura do imigrante documentado ou não como inimigo interno e como elemento de coesão emocional para sua base enquanto o pilar econômico se deteriora rapidamente. Neste cenário, o endurecimento das políticas migratórias parecem ser o tema mais importante de contenção da desaprovação em queda constante.

A coexistência entre um Estado normativo cada vez mais reduzido a formalidades e um Estado prerrogativo baseado na exceção e na perseguição seletiva desenha, o que parece muito com a arquitetura de um Estado Dual Fraenkeliano. O que se consolida, assim, é a lenta substituição do regime democrático por um regime de fachada: uma democracia esvaziada, onde as instituições sobrevivem apenas como instrumentos para legitimar a exceção. Identificar e nomear esse processo é importantíssimo, haja vista que estamos falando da mais antiga democracia moderna do mundo. O novo modus operandi Fascista Made in USA tem um potencial explosivo de se espalhar por um mundo cujas democracias se enfraquecem e parece fazer a curva de forma brusca e perigosa à direita.

*Consent decrees são acordos judiciais obrigatórios que forçam departamentos de polícia a reformar práticas abusivas, como brutalidade e discriminação racial. Criados a partir da legislação federal de 1994, eles se tornaram ferramentas centrais para proteger direitos civis e reconstruir a confiança pública. Seu desmonte sob Trump representa o fim da fiscalização constitucional sobre o uso da força estatal.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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