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Reforma administrativa
22/7/2025 9:00
Escrito em parceria com Maria do Carmo F. Macedo.
A reforma administrativa, tão cobrada no Brasil, tem sido observada, por parcelas da sociedade, a partir de uma percepção bastante reduzida de diminuição de gasto público com salários. É absoluto que essa discussão é urgente, mas alterações precisam carregar justiça social, equilíbrio e respeito. A complexidade desse debate explica porque é tão improvável se chegar a algo que seja minimamente consensual. Os dois primeiros desafios culturais dessa agenda, por exemplo, estão associados à quebra das falsas sensações de que servidores públicos ganham muito e trabalham pouco. Isso é exceção, mas no mundo em que vivemos, esses casos tendem a chamar mais a atenção da mídia, do sensacionalismo e de parcelas da opinião pública. A discussão não é só essa.
Material do Instituto República com base em dados de 2022, mostra que a mediana dos salários dos servidores varia entre esferas de poder, e entre os poderes. No plano federal, ela era de R$ 9,3 mil, nos estados caía para R$ 4,8 mil e nos municípios para R$ 2,8 mil - menos de um terço do federal. Com um detalhe: as principais políticas públicas sociais brasileiras nascidas a partir da Constituição de 1988 emprestaram às máquinas municipais a imensa maioria dos servidores do país. Com essa mediana salarial, nota-se que servidor não é sinônimo de salário farto.
Em relação aos poderes, o mesmo estudo indica que o Judiciário federal tinha mediana de R$ 15,5 mil, enquanto o Executivo municipal estava em R$ 2,8 mil - menos de um quinto. Nota a diferença? Pois aqui o problema apenas começa, e vale lembrar que os municípios tinham, em 2022, 62% dos servidores de carreira do Brasil, seguidos por 28% dos estados e apenas 10% da União. Dividindo por poder, em geral o Executivo acumula 95% dos cargos. Em resumo: 70% dos servidores públicos no Brasil ganhavam até R$ 5 mil. Isso não é valor de quem ganha muito, tanto que o governo federal deseja isentar esse valor de imposto de renda. Percebe?
Diante desta realidade, armadilhas e exceções servem de remendos para que servidores públicos tenham aumentos e atinjam benefícios salariais que os coloquem no teto do serviço público. Isso não está em discussão aqui, sendo necessário reconhecer que limites máximos são essenciais, e devem ser organizados de forma justa entre poderes e esferas, inclusive acabando com a baixeza de algumas remunerações indenizatórias e estratégias de reajustes que enrubescem até o mais ganancioso cidadão defensor de seus próprios vencimentos. Mas insistimos que algo precisa ser dito sobre limites: as regras para o estabelecimento de tetos precisam ser revistas, e como um servidor consegue os atingir também. Caso contrário, o que hoje tem cara de remendo, continuará tendo, por não chegarmos ao âmago dos desafios.
Vamos a alguns exemplos que tornam a realidade estranha, a despeito de tantos outros que mereçam atenção. O teto constitucional na esfera federal para um servidor é o salário de um ministro do STF - hoje na casa dos R$ 46 mil, e em março de 2023 na casa de R$ 39 mil. Aqui é possível exercitar uma série de questionamentos, mas ao servir de limite entendemos isso como razoável. Estranho apenas que a exceção, ou seja, apenas 11 pessoas, do poder que menos empregava em 2022 (2,4%) e que mais remunerava, balize o limite geral. Mas de novo: ao menos estabeleceu-se algo, e por isso tanta gente não reclama quando eles são reajustados.
Nos estados o teto não é este. Servidores estaduais são balizados pelo salário do governador, mas uma boa parte das unidades federativas estabeleceu que o limite é o salário do Desembargador do Tribunal de Justiça, e mais uma vez a exceção serve de régua: poucos profissionais, no poder que menos emprega, amparando o teto. E qual o limite de ganhos de um sujeito que ocupa esta posição? Em linha gerais, arredondando, 90% do que ganha um ministro do STF. Assim, nos estados, não se pode pagar mais do que ganha um desembargador - exceção feita às maldições indenizatórias de naturezas diversas que uma PEC que tramita no Congresso Nacional pretende exterminar. Oxalá possamos seguir neste debate de forma equilibrada.
E nos municípios? Aqui temos dois desafios: não existe Judiciário municipal, ou seja, não há balizadores como aqueles associados ao STF ou ao TJ. E o que se faz? Em boa medida o que se utiliza como limite é o valor pago ao chefe do Executivo, ou seja, nas cidades servidor público não ultrapassa o salário do prefeito. Mas espere um pouco: o prefeito é eleito, fica no cargo quatro, no máximo oito anos. Parte deles utiliza discursos ideologizados de que reduzirá legalmente o valor recebido. E o que ocorre com o aposentado local ou com o servidor que tem carreira, por vezes de décadas, e conta com reajustes justos e esperados para sobreviver, como qualquer trabalhador? O salário do funcionário de carreira não pode ser modulado pelo valor pago ao eleito, a não ser que tal valor respeite uma lógica técnica vigorosa e previsível.
A partir dessa orientação política dos balizadores remuneratórios do servidor municipal, vamos observar que parte dos funcionários da ativa passam a choramingar acordos estranhos que lhes garantam verbas indenizatórias, enquanto os aposentados vão assistindo ao derretimento de seus vencimentos à luz da demonização do que ganha um prefeito por partes da sociedade. A situação é tão estranha que Procuradores municipais conseguiram vincular seus respectivos tetos aos desembargadores do respectivo TJ estadual. O corporativismo dessa categoria, e do mundo do direito e da justiça em geral, os fazem escapar do teto local. Por qual razão? O que têm de diferente dos demais? Se houvesse uma regra razoável, não precisariam ser exceção.
Voltando: os salários dos prefeitos não podem servir de teto em municípios. Um exemplo do quanto isso é corrosivo: em fevereiro de 2024, o prefeito de Aracaju-SE recebia mais de R$ 35 mil, e o de Rio Branco-AC não chegava a R$ 11 mil - se tomarmos as mais de 5,5 mil cidades brasileiras, teremos distâncias ainda maiores. Qual o critério para isso? O quanto tal medida impacta a realidade dos servidores de carreira e a qualidade do serviço público em geral? No país da desigualdade, servir o cidadão brasileiro nascido na capital do Acre tem como teto quase um sacerdócio, se comparado aos benefícios conferidos a quem atua na mesma função em Sergipe. Isso parece razoável? Carreiras estaduais e federais são, em linhas gerais, balizadas pelo robusto e enriquecido Judiciário em lógica de associação: o STF baliza o federal e o TJ o estadual, que é 90% do STF... Enquanto isso, municipalmente a sorte está lançada. Assim, o salário do prefeito não diz apenas algo sobre o político eleito, mas determina a vida de milhares de famílias de servidores. É nas cidades que temos mais funcionários e onde que se ganha pior, com um teto sem qualquer relação com a lógica dos demais poderes.
Em 2025, deputados federais do PT assinaram conjuntamente um projeto de lei (3.401/2025) para tentar estabelecer tetos mais evidentes. O texto replica vícios. No plano federal o teto continuaria sendo o ministro do STF, mas nos estados cada poder se guiaria pelo seu próprio teto: o desembargador do TJ regularia o Judiciário, o deputado estadual o Legislativo e o governador o Executivo. Voltamos ao erro do eleito na vida do servidor de carreira. E por que se divide os poderes nos estados, e o mesmo não ocorre no plano federal? Nos municípios o prefeito segue como baliza. Por que? E por fim, os velhos vícios corporativistas da justiça: o projeto diz que procuradores, Ministério Público e Defensoria Pública são orientados pelo teto do Judiciário. Por quê? É isso mesmo, e por isso que nunca parecerá justo e razoável.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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Reforma administrativa
Política internacional