Entrar
Cadastro
Entrar
Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
Antônio Augusto de Queiroz
Regras para conversão de votos em mandato na eleição proporcional
Antônio Augusto de Queiroz
A federação partidária como estratégia para ampliar bancadas na Câmara
Antônio Augusto de Queiroz
Crise no presidencialismo de coalizão ameaça a governabilidade
Antônio Augusto de Queiroz
Antônio Augusto de Queiroz
Análise política
4/7/2025 | Atualizado às 16:14
O terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva apresenta um paradoxo que merece análise cuidadosa. De um lado, observamos conquistas sociais significativas e uma relativa estabilidade econômica; de outro, uma popularidade que não decola como seria esperado diante dessas realizações. Esse fenômeno pode ser explicado por uma combinação complexa de fatores que vão desde a falta de uma retórica política coesa até problemas concretos de gestão, passando por desafios na comunicação e nas relações com o Congresso Nacional. À medida que nos aproximamos das eleições de 2026, torna-se primordial entender essa dinâmica para antever os possíveis cenários políticos que se desenharão no horizonte.
No campo social e econômico, o governo Lula III acumula conquistas notáveis. A política de valorização do salário-mínimo, com aumentos reais acima da inflação, mantém uma tradição dos governos petistas que impacta diretamente a vida de milhões de trabalhadores. Os reajustes concedidos aos servidores públicos atendem a uma demanda histórica dessa categoria e ajudam a movimentar a economia local em diversas regiões do país. Medidas como a equiparação salarial entre homens e mulheres e a lei de cotas para o serviço público representam avanços importantes na redução de desigualdades históricas, ainda que seu impacto concreto precise ser avaliado a médio e longo prazos. O programa "Pé de Meia", que incentiva a poupança entre jovens de baixa renda, demonstra uma preocupação com o futuro das novas gerações, embora ainda seja cedo para avaliar sua efetividade. A abertura de novos concursos públicos, depois de mais de 4 anos, e especial no período, 2019-2022, sem reposição da força de trabalho e ampliação da terceirização e contratos temporários, oferece oportunidades para milhares de brasileiros ingressarem no serviço público.
No aspecto financeiro houve e haverá alívio para as famílias mais vulneráveis, pois o governo já implementou várias medidas e outras estão em curso com impacto direto no orçamento doméstico. A liberação do FGTS para trabalhadores demitidos que haviam optado pelo saque-aniversário trouxe flexibilidade em momentos de necessidade, enquanto a limitação dos juros em empréstimos consignados com garantia do FGTS ajudou a conter o endividamento. A isenção do imposto de renda para rendimentos mensais de até R$ 5.000, prevista para 2026, irá aumentar o poder de compra de uma parcela significativa da população, assim como a implementação dos programas como a redução ou zeragem do custo da energia elétrica e do botijão de gás para famílias de baixa renda (Vale Gás) representaram alívio imediato no orçamento familiar em um contexto de pressão inflacionária sobre itens básicos.
Na perspectiva macroeconômica, o governo herdou um cenário desafiador em 2023, mas conseguiu manter relativa estabilidade. A inflação, que havia atingido picos preocupantes no ano anterior, foi contida e praticamente mantida dentro da meta estabelecida, embora setores como alimentos e serviços continuassem a pressionar os índices. O crescimento do PIB apresentou recuperação após um período de estagnação, com expansão superior a 2,5% em 2023 e acima de 3% em 2024, indicando que a economia retomava seu fôlego. O mercado de trabalho mostrou sinais de melhora, com a taxa de desemprego caindo para patamares inferiores a 7%, o menor nível em anos, acompanhada por geração consistente de empregos formais. A renda média dos trabalhadores apresentou crescimento, puxado tanto pelo aumento do salário-mínimo quanto pela retomada dos programas sociais.
No entanto, esse quadro relativamente positivo convive com desafios persistentes. A taxa básica de juros (Selic) permanece em patamares elevados, tendo chegado ao pico de 15% neste ano de 2025, o que limita o acesso ao crédito e o potencial de consumo das famílias. Essa política monetária restritiva, embora justificada pelo Banco Central como necessária para o controle inflacionário, acaba por frear o crescimento econômico e gera atritos entre a equipe econômica e setores do governo que defendem maior estímulo à atividade produtiva.
Apesar dos números econômicos relativamente favoráveis e das diversas medidas de impacto social, a popularidade do presidente Lula não atinge os patamares que seria de se esperar nesse contexto. Pesquisas de opinião mostram uma aprovação que oscila em níveis moderados, sem conseguir decolar para índices que reflitam plenamente as ações implementadas. Esse descompasso entre entregas e reconhecimento popular pode ser explicado por uma série de fatores críticos que têm norteado a percepção sobre o governo.
Dentre eles, a falta de uma coordenação ministerial eficiente aparece como um dos pontos mais problemáticos. Diferentemente de governos petistas anteriores, que tinham um núcleo duro claramente definido e uma estratégia unificada, o atual governo opera com ministérios que atuam de forma fragmentada, cada um puxando para seu lado sem uma visão integrada, e sem uma ação efetiva do "centro de governo". Essa desorganização se reflete na dificuldade de comunicar uma agenda clara à população, criando a sensação de que falta um "Plano Brasil" coeso e bem definido que dê sentido às diversas iniciativas em curso. As gafes e declarações contraditórias de ministros - e até do próprio presidente - só agravam esse problema, gerando instabilidade e desconfiança.
Outro ponto frágil, é a relação com o Congresso Nacional. Apesar de ter evitado os conflitos abertos que marcaram o governo anterior, Lula não conseguiu estabelecer um canal de diálogo realmente produtivo com o parlamento, apesar de haver entregue importantes ministérios a partidos que integram, formalmente, a sua base - mas que, ao votarem, votam contra o governo. A dificuldade em aprovar reformas estruturais revela as limitações da atual base de apoio. O excesso de recursos em mãos dos parlamentares, por força das emendas impositivas, dificulta a construção de maioria legislativas, fragilizando a coordenação política do governo. Embora o governo tenha mantido uma relação cordial com os presidentes das duas casas legislativas, isso não se traduziu em capacidade efetiva de fazer avançar sua agenda mais ambiciosa.
A percepção de que falta uma identidade do governo também pesa nessa equação. Diferentemente dos mandatos anteriores de Lula, que tinham programas emblemáticos como o Fome Zero ou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o atual governo, embora tenha mantido ou restabelecido programas importantes, carece de uma "marca própria" que mobilize o imaginário popular. A reedição de programas do passado - como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, FIES e o próprio PAC - acaba passando a impressão de falta de inovação, como se o governo se limitasse a repetir fórmulas que funcionaram no passado sem propor nada realmente novo para os desafios do presente. A ausência de um slogan ou agenda mobilizadora que sintetize os objetivos do governo dificulta a construção de uma retórica política convincente.
Os problemas de comunicação e gestão também têm seu peso. Anúncios mal elaborados da equipe econômica - como as propostas confusas sobre mudanças no Pix e no IOF - criaram turbulências desnecessárias nos mercados. A resposta considerada lenta às enchentes no Rio Grande do Sul, um dos maiores desastres ambientais recentes do país, deixou a impressão de despreparo diante de crises, embora parte expressiva da responsabilidade pela adoção de medidas preventivas ou corretivas seja de governos locais e do Estado. Esses episódios, amplificados pela oposição e pela mídia, alimentam a narrativa de um governo que, apesar de suas boas intenções, peca na execução.
Frente a esse quadro complexo, como se apresenta o cenário para as eleições de 2026? A oposição ao governo, atualmente fragmentada e sem liderança clara, enfrenta seus próprios desafios. A inelegibilidade e possível condenação de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal deixa um vácuo de liderança no campo bolsonarista. Nesse contexto, figuras como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e familiares de Bolsonaro, emergem como potenciais candidatos da direita, mas ainda precisam consolidar seu apelo nacional e superar divisões internas. A centro-direita tradicional, por sua vez, parece incapaz de se unir em torno de um projeto e um nome alternativos, repetindo a fragmentação que marcou outras eleições.
Da parte do governo, a estratégia de Lula parece passar por dois eixos principais: recuperar o discurso de "paz e prosperidade" que marcou seus primeiros mandatos, capitalizando as melhoras econômicas; e trabalhar para unificar a esquerda e setores do centro democrático em torno de sua quarta eleição como Presidente da República. A capacidade de construir um discurso positivo nos próximos 10 meses, ou seja, até o início do período eleitoral, será determinante para o governo conseguir resgatar a popularidade que já teve no passado.
Os possíveis cenários para 2026 dependem fundamentalmente da evolução econômica. Um crescimento consistente do PIB, em torno de 2,5% em 2025, combinado com manutenção do controle inflacionário e baixo nível de desemprego, daria ao governo argumentos fortes para defender a continuidade de seu projeto. Por outro lado, uma eventual volta da inflação ou o aprofundamento das dificuldades no relacionamento com o Congresso poderiam abrir espaço para a oposição, mesmo que dividida.
Por fim, o governo Lula III tem o que apresentar e seus desafios principais não são de ordem econômica, mas de natureza política e comportamental. Seus avanços sociais e a estabilidade econômica são dados concretos, porém a dificuldade em comunicar essas conquistas e a falta de uma marca política distintiva limitam seu potencial de crescimento na opinião pública. Os meses que antecedem o início do processo eleitoral, com as desincompatibilizações a partir de abril de 2026, serão decisivos para determinar se o governo conseguirá superar essas contradições e consolidar um legado que permita a continuidade de seu projeto em 2027, ou se o descompasso entre entregas e popularidade acabará por abrir caminho para uma alternância no poder. A resposta dependerá menos de Lula pessoalmente e mais da capacidade do eleitor comum de sentir no dia a dia os efeitos das políticas implementadas, que indiscutivelmente foram na direção da proteção e inclusão dos mais vulneráveis.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
Tags
Temas
Análise política
O paradoxo do governo Lula: muita entrega e pouca popularidade
Dívida americana
Política internacional
O novo eixo da extrema-direita transnacional na América Latina
ESTADOS UNIDOS