Brasil pode perder R$ 900 milhões bloqueados de criminosos
Asfixia
O combate ao crime organizado se dá principalmente através da asfixia financeira da organização criminosa.
Hoje se combate o crime indo atrás do patrimônio da organização  criminosa e não simplesmente prendendo as pessoas. Se você prende a  pessoa, ou ela vai pra rua pelo princípio da presunção da inocência até  que tenha o trânsito em julgado da sentença penal [fim do processo], ou  uma outra pessoa eventualmente assume o lugar desse preso na organização  criminosa e o negócio continua. A gente precisa focar no patrimônio.
Desempenho inimaginável
O Brasil nos últimos dez anos já conseguiu bloquear muito dinheiro,  muito mais do que seria inimaginável dez anos atrás. Só que os outros  países colocam como requisito para a devolução dos recursos o final do  processo no país de origem do pedido de bloqueio de bens.
Procedimento de recuperação
Esses países só vão devolver os recursos quando tiver a finalização  do processo aqui no Brasil. Infelizmente, o sistema processual  brasileiro permite que os processos demorem muito tempo para finalizar. A  gente teria que pensar em uma forma para que os processos judiciais  brasileiros sejam mais rápidos. O problema da demora não é da polícia,  do Ministério Público, não é do Judiciário, não é dos advogados, que  trabalham corretamente. O problema é a legislação que permite que seja  feita uma série de recursos, que demoram para serem apreciados, por  serem complexos, por serem uma série de processos a serem julgados. E  isso acaba permitindo que esses processos demorem e acabem se alongando  demais.
Riscos
Isso tem duas consequências. A primeira é a não repatriação dos  recursos para o Brasil enquanto o processo não terminar. É importante  dizer que a atuação das autoridades em pedir o bloqueio e do Ministério  da Justiça, conseguindo esse bloqueio no exterior, é digna de muitos  elogios, porque o que foi bloqueado nos últimos anos é muito mais do que  se poderia imaginar no passado. Quando se diz "
Brasil só recupera x% do dinheiro lavado",  é preciso focar no motivo. Para o dinheiro voltar, é preciso a sentença  condenatória transitada em julgado. E o problema é que isso demora  muito no Brasil, porque o sistema processual permite uma série de  recursos. Aquele bom advogado, que conhece todos os caminhos, acaba  percorrendo todo esse caminho para que o processo acabe demorando muito.
Desbloqueio
A segunda consequência o Brasil corre o sério risco de ter os  recursos desbloqueados do exterior. Os países dizem que vão manter os  recursos bloqueados por um período razoável. O período razoável para se  ter uma definição no processo. Esse período razoável de tempo que demora  um processo no Brasil não é considerado razoável na maioria dos países.
Soluções
Tem que permitir que o trânsito em julgado se dê de uma forma mais  rápida. Talvez essa questão de recursos aos tribunais superiores - como  tinha a PEC do [Cézar] Peluso [ex-presidente do Supremo Tribunal  Federal] - ter efeito de ações rescisórias. Uma vez julgados pela  segunda instância, teriam o trânsito em julgado. Os recursos aos  tribunais superiores teriam efeito de ações rescisórias.  O fato é que a  gente precisa de um trânsito em julgado mais rápida.
Recursos protelatórios
Quando o Peluso propôs essa PEC fez uma série de levantamentos  estatísticos mostrando que o êxito da parte nos tribunais superiores é  muito baixo. Então, esses recursos teriam, de fato, característica  protelatória. Na grande maioria dos casos, a decisão dos tribunais  inferiores vai ser confirmada pelos superiores. De forma que as ações  rescisórias com êxito seriam muito poucas com base nessas estatísticas  daqui pra trás. Isso é uma saída.
Mas ainda assim existiriam esses recursos com efeito de ação  rescisória que poderiam ser aceitos. O que eu acho que deveria fazer era  tornar esses recursos com efeitos de ações rescisórias mais, para trás,  nos recursos de primeira e segunda instância, estabelecer prazos para  as coisas acontecerem. A gente sabe que isso nem sempre é simples de  ocorrer. A oitiva de uma testemunha, de uma parte acaba demorando mais,  porém, a análise dos recursos deveria ter um tempo definido. Por  exemplo: entrou com recurso de apelação; a apelação tem que ser julgada  em até um mês.
Poucos presos por corrupção, nenhum por lavagem e muitos por furto ou pequenas ocorrências de tráfico
Isso ocorre porque nosso sistema processual permite uma série de  recursos. Quem conhecer bem o sistema brasileiro vai impetrar todos os  recursos que tiver que usar. Aqueles bons advogados conhecem o sistema  legal e, ao conhecerem, usam todas as ferramentas à disposição deles  para... alguém olhando de fora pode dizer para protelar a decisão  judicial; ele [o advogado] vai dizer que não, que está usando  ferramentas para defender o interesse do seu [cliente]. A grande maioria  das pessoas que cometem crimes financeiros e de lavagem de dinheiro são  pessoas com alto poder financeiro, com condições de contratar bons  advogados, que conhecem todos os caminhos da lei.
A gente não pode dizer que cometem mais ou menos crimes, mas que têm uma estrutura de defesa melhor, né?
Impunidade?
Você asfixia a organização criminosa a partir do momento em que você  tira dela os recursos. Quando a gente bloqueou os recursos, ela já está  sem os recursos. A gente já está asfixiando financeiramente a  organização criminosa. Outra coisa é a recuperação dos recursos para os  cofres públicos. Isso depende do trânsito em julgado. A partir do  momento em que o bloqueio é feito, o objetivo de asfixiar  financeiramente a organização criminosa foi alcançado, ainda que  temporariamente.
Os países dizem que esperam por um prazo razoável. Um prazo razoável  depende do processo. Tem processos mais complexos, menos complexos, com  mais réus e menos réus, com mais crimes e menos crimes.
Passos razoáveis
A sensação de impunidade me parece que existe, para a população.  Porque a população raramente está se preocupando se tirou ou não  dinheiro da organização criminosa. Para a população é 'está preso' ou  'não está preso'. Em relação à minha percepção, está se caminhando a  passos razoáveis para essa questão da impunidade acabar porque muitas  organizações de criminosas pararam de atuar por causa do bloqueio de  bens que elas tinham então nesse sentido não houve impunidade porque  tirou os recursos de fato da organização criminosa, porém, a questão  é... É uma questão que...  não é em suspenso. Os recursos estão  bloqueados até acabar o processo. Esse processo vai acabar quando? Vai  acabar como? Se o cara for condenado e os recursos voltarem, ótimo. O  problema é que, com a demora que a gente tem hoje em dia, a gente não  tem como dizer que a maioria dos processos que têm recursos bloqueados  no exterior acabam com uma sentença condenatória. A grande maioria não  acabou até hoje.
A gente não tem como fazer essa estatística. Se eventualmente amanha a  gente perceber que, de US$ 400 milhões bloqueados, os processos  acabaram de forma que não teve uma sentença condenatória, seja através  da absolvição ou da prescrição, que é muito pior, aí muda toda a  história. O recurso vai voltar para organização criminosa. Se for  absolvido, não é organização criminosa. Mas se eventualmente os  processos acabam por prescrição, ou se os recursos são bloqueados pela  morte do acusado - se morreu, tem extinção do processo por morte do  agente, não tem uma condenação final e os recursos voltam para o espólio  do próprio criminoso... Esses são os riscos que a gente corre.
Brasil pode perder R$ 900 milhões bloqueados de criminosos
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