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João Batista Oliveira
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Pacto federativo
2/9/2025 9:30
O Brasil corre o risco de aprovar um "sistema" que não melhora a educação, mas cria mais burocracia, espaço para mais litígios e piores resultados. A proposta do Sistema Nacional de Educação (SNE), tal como está, não fortalece a cooperação federativa: enfraquece-a. Em vez de atacar os verdadeiros problemas da aprendizagem, projeta um labirinto de instâncias, rituais e obrigações que só poderão trazer confusão. É uma Babel projetada pelo incontido desejo de patrulhamento das ações do governo.
Vários dispositivos dificilmente resistirão a questionamentos no Supremo. O mais conspícuo é a tentativa de transferir para comitês nacionais - compostos por União, estados e municípios - decisões que a Constituição atribui de forma clara a cada ente federativo (art. 211). Transformar cooperação em subordinação é abrir brecha para contestação judicial. Também é problemático atribuir a instâncias colegiadas poderes normativos que invadem a competência dos sistemas estaduais e municipais de educação.
A Constituição determina que cabe à União fixar diretrizes gerais (art. 22, XXIV e art. 211, §1º). Criar órgãos com poder de impor regras detalhadas a estados e municípios ultrapassa os limites constitucionais. Tem mais: o substitutivo prevê que transferências voluntárias de recursos fiquem condicionadas ao cumprimento dessas normas - um instrumento de coerção financeira frontalmente contrário ao espírito federativo.
A previsão de novas despesas compartilhadas sem fonte definida desrespeita o art. 167 da Constituição, que proíbe a criação de obrigações sem receita correspondente. O resultado previsível é judicialização, insegurança e paralisia. Cria a obrigação de incontáveis planos, ignorando o histórico de ineficácia dos PNEs e dos planos estaduais e municipais e sem indicar como se articulam com os instrumentos já existentes.
Na prática teremos secretarias de educação sobrecarregadas de relatórios e reuniões, enquanto escolas continuarão sem diretrizes, meios e apoio para operar de forma minimamente adequada. Até mesmo diretrizes curriculares, avaliação e parâmetros de qualidade - que são instrumento e instituições bem estabelecidas pelo mundo afora - são subordinados a comitês colegiados e sujeitos a revisões e intermináveis rituais burocráticos. Só um resultado é garantido: piorar o que já é muito ruim. E ainda com maior insegurança regulatória.
Os riscos vão além da inconstitucionalidade e da burocracia. O SNE pode gerar desalinhamento institucional, com novos órgãos disputando espaço com o MEC, CNE e secretarias, sem clareza sobre quem tem a palavra final. Cria também terreno fértil para a judicialização permanente: normas vagas, combinadas a parâmetros financeiros imprecisos, estimulam litígios entre União, estados e municípios. Advogados de todo o Brasil: locupletai-vos!
Tempo e recursos que deveriam ir para a sala de aula acabarão consumidos nos tribunais. E talvez o mais grave: tudo leva a maior desvio do foco pedagógico. O país sequer resolveu o desafio da alfabetização, não atrai jovens talentosos para o magistério, não forma bem seus professores e convive com enormes desigualdades de aprendizagem. Em vez de enfrentar esses problemas reais, o SNE promete deslocar energia para disputas institucionais intermináveis. Tal como proposto, o SNE não passa de pelotas de ar quente involucradas em cintilantes bolhas de sabão.
A promessa de integração fatalmente se transformará em fragmentação, litígio e paralisia. E o preço desse equívoco não será pago nos gabinetes em Brasília, mas nas salas de aula, por milhões de alunos que continuarão no atual marasmo. Se aprovado, o SNE não será lembrado como um avanço, mas como o sistema de negação da educação, o sistema que perpetuou a tragédia silenciosa de uma geração que não teve chance de aprender graças à outra que não aprendeu a ensinar.
Tem mais. E pior: o Custo Aluno-Qualidade (CAC). O CAC é apresentado como parâmetro para assegurar padrões mínimos de investimento por aluno. Na prática, trata-se de um artifício contábil impossível de implementar. Primeiro, porque não há consenso técnico sobre quais insumos devem compor esse custo - cada estado e município possui realidades salariais, de infraestrutura e de rede escolar muito distintas.
Segundo, porque transformar uma aspiração em obrigação legal gera expectativas financeiras sem lastro orçamentário: a Constituição veda a criação de despesas sem fonte de receita. Terceiro, porque, dada sua fragilidade legal, o CAC abrirá espaço para disputas intermináveis entre governos e tribunais, com ações cobrando recursos inexistentes e paralisando a gestão. Longe de garantir qualidade, o CAC institucionaliza um piso fictício que ignora restrições fiscais, fragiliza o pacto federativo e transforma metas políticas em títulos executáveis na Justiça.
O resultado previsível é a frustração generalizada: redes sem meios para cumprir, tribunais pressionados a arbitrar e alunos, mais uma vez, sem avanços concretos. E tudo isso ignorando as mudanças demográficas. Idosos de todos os cantos: uni-vos!
Cabe agora aos deputados e senadores lúcidos exercerem sua responsabilidade. E responsabilidade histórica, pois essa decisão compromete recursos que serão pagos pelas próximas gerações.
Mas os deputados e senadores não precisam temer. Esta não é uma daquelas votações em que se teme o peso da opinião pública ou a reação imediata de categorias organizadas. Não há multidões pressionando pela aprovação desse projeto. Não há corporações ou grandes grupos de eleitores atentos a cada linha de seu texto. O que existe é a pressão de corporações burocráticas e ONGs de gabinete, interessadas em manter privilégios e expandir estruturas estéreis.
Votar contra o SNE não trará risco político algum: ao contrário, será uma demonstração de independência e compromisso com o que realmente importa - lutar por foco e racionalidade à educação. Este é o momento de mostrar coragem serena, de afirmar que não se cede ao jogo das aparências, e de impedir que um labirinto burocrático e inconstitucional seja imposto ao país sob o disfarce de cooperação federativa.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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