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Ricardo de João Braga
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30/9/2021 | Atualizado às 18:32
Lira e Pacheco: interesses e projetos distintos marcam as diferenças de ritmo na Câmara e no Senado [fotografo]Lauriberto Pompeu/Congresso em Foco[/fotografo][/caption]Câmara dos Deputados e Senado Federal compõem o Poder Legislativo Federal. Em muitos casos analistas ressaltam a lentidão do sistema, já que uma proposta legislativa deve ser apreciada por duas casas. Diante de reformas legais ansiadas, o bicameralismo "atrapalha".
Ocorre que o bicameralismo torna mais lentas as decisões por sopesá-las. Atua ele assim dentro da lógica de freios e contrapesos e da defesa de direito e voz para o maior número de movimentos, os quais precisam de tempo, espaço e publicidade para apresentarem suas posições, algo por vezes impossível num processo célere demais.
Dom Pedro I importou da ideia das Câmaras dos Lordes e dos Comuns na Inglaterra o sistema bicameral adotado na primeira Constituição [fotografo] Reprodução [/fotografo][/caption]A configuração bicameral no Brasil vem desde o surgimento do Império, na década de 1820. À época, a forma inglesa de governo dividido em Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns inspirou a Constituição outorgada por Dom Pedro I.
Ao longo da República, a divisão bicameral permaneceu. Perdidas as formalidades aristocráticas, o sistema bicameral dos EUA serviu de modelo às nossas várias constituições republicanas. Em sociedades aristocráticas, o Senado era o local da distinção social, já nas repúblicas compõe a divisão dos poderes, um dos atores que se refreiam e controlam mutuamente.
Em vários países encontra-se o Senado, embora com prerrogativas limitadas, podendo-se citar aqui Alemanha e França como exemplos.
A América Latina e os Estados Unidos, por sua vez, têm forte presença de bicameralismos e, mais importante, são nações em que o papel da Câmara Alta é mais forte. A força das Câmaras Altas deve-se ao extenso rol de prerrogativas dos Senados, que muitas vezes igualam ou até superam ao das Câmaras Baixas. A esta igualdade de prerrogativas denomina-se bicameralismo simétrico.
Alguns governos têm mais dificuldades na Câmara, outros no Senado. Mas eles sempre digladiam. [fotografo] Jefferson Rudy/Agência Senado [/fotografo][/caption]Nos últimos anos, o bicameralismo brasileiro exerceu papeis interessantes, em geral como freio aos impulsos do presidente da República ou do presidente de uma das casas legislativas.
Fernando Henrique Cardoso conseguiu, com uma ampla coalizão, passar reformas constitucionais que exigiram o acordo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Seu governo caracterizou-se como de reformas profundas, sobretudo diminuindo a intervenção do governo na economia.
Lula conseguiu montar base confortável na Câmara dos Deputados, contudo enfrentou muito mais dificuldade no Senado Federal. Em boa medida, tais dificuldades advieram da forma de composição da Câmara Alta. Com mandatos de oito anos, muitos senadores elegem-se em condições diversas daquelas que encontram nos últimos anos de mandato. Isto aconteceu com Lula: o Senado que ele enfrentou ainda se compunha de muitos membros eleitos durante o governo FHC. Ganhou notoriedade, por exemplo, a rixa entre Lula e o senador Artur Virgílio (AM), do PSDB. Não por outras razões, a maior derrota legislativa do governo petista foi a não aprovação da CPMF pelo Senado.
No governo Dilma a maior questão política foi a eleição do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) para a presidência da Câmara. Naquele momento estabeleceu-se uma queda de braço entre Executivo e Legislativo. Surgiram como ideias e propostas na Câmara Baixa mudanças eleitorais profundas e mesmo a instituição do parlamentarismo. Embora Eduardo Cunha tivesse enorme força na Câmara, muito de seus ímpetos foi contido pelo Senado.
Bolsonaro enfrenta situação cambiante. Nos primeiros dois anos de seu mandato o Senado mostrou-se mais amistoso, sob a liderança de Davi Alcolumbre (DEM-AP), enquanto a Câmara presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ) trabalhava com mais autonomia. Agora em 2021, os papeis inverteram-se, com a Câmara sob Arthur Lira (PP-AL) mais alinhada ao Planalto e o Senado mostrando-se mais arredio.
Esta dinâmica explica em alguma medida as ocorrências atuais. Na Câmara os processos de impeachment não avançam, enquanto o Senado Federal implantou a CPI da Covid que desgasta bastante o governo.
Propostas de mudança eleitoral da Câmara, como por exemplo a volta das coligações proporcionais, foram barradas pelo Senado. O Código Eleitoral, ousada iniciativa da Câmara Baixa que pretende reformar integralmente as leis eleitorais, deve ser criteriosa e lentamente apreciado pelo Senado, impedindo sua aplicação nas eleições de 2022.
Outro exemplo da dinâmica entre as duas casas é a reforma do Imposto de Renda aprovada pela Câmara. Após conseguir construir um texto aceitável, em duras negociações, a proposta chegou ao Senado e deve também sofrer escrutínio detalhado e longo.
Outro exemplo de atuação do Senado é a recusa de Davi Alcolumbre, presidente da sua Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em pautar a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). Nos Estados Unidos, ficaram notórios episódios semelhantes - a última indicação de Obama para a Suprema Corte ficou mais de um ano sem ser analisada e acabou não se efetivando. No caso brasileiro, ainda que motivado por questões mais personalistas do que situacionais (nos EUA foi uma clara tática de obstrução oposicionista), trata-se de mais uma dimensão em que o bicameralismo tem contribuído para frear o Executivo.
Lira tem pressa. Pacheco aparenta mais apego à prudência. Porém, além de comandar a Câmara Alta, o senador mineiro tem um poder a mais: preside o Congresso Nacional. Em tempos de rompantes antidemocráticos, freia incursões como a medida provisória editada por Bolsonaro, às vésperas dos atos do Sete de Setembro, e que dificultava a remoção de conteúdos das redes sociais. Pacheco devolveu a MP ao Executivo.
Os meses finais do governo Bolsonaro devem se marcar, entre outras coisas, pelo choque entre essas duas lógicas. Os exemplos trazidos dão clareza à dinâmica de funcionamento do bicameralismo simétrico e forte brasileiro. Se alguns se queixam da falta de velocidade nas mudanças, devemos atentar também que esta lentidão garante maior debate e a expressão da sociedade sobre as propostas, além de tornar o status quo mais estável, o que em alguns casos é positivo.
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