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Congresso em Foco
Autoria e responsabilidade de Edson Sardinha, Thais Rodrigues
11/2/2021 | Atualizado às 17:16
Filipe Barros e Chris Tonietto lideram frente parlamentar contra aborto [fotografo]Divulgação[/fotografo][/caption]"O constitucional e sagrado direito à vida precisa ser defendido a todo custo e a todo tempo por todos e para todos, os nascidos e os não nascidos", diz trecho da carta, à qual o Congresso em Foco teve acesso com exclusividade. O documento (veja a íntegra no fim desta reportagem) também critica a Justiça, que, segundo a deputada, cede a congressistas e partidos favoráveis ao direito de decisão da mulher.
"Contudo, com o notável avanço do ativismo judicial, verificamos uma crescente tentativa de constranger o Legislativo a aprovar aquilo que já foi incansavelmente derrotado, bem como a imposição de uma agenda que não representa os valores majoritários da sociedade brasileira", continua a nota.
Procurado pelo Congresso em Foco para comentar as declarações da colega, o presidente da Câmara se esquivou. "Todos os projetos na Câmara dos Deputados serão levados para votação se tiverem maioria no colégio de líderes e forem amadurecidos na sociedade", respondeu Lira por meio de sua assessoria.
Bolsonaro e Trump: americano passa o bastão para o brasileiro na luta contra o aborto [fotografo]Alan Santos/PR[/fotografo][/caption]Com a saída de Donald Trump da presidência dos Estados Unidos, o Brasil é apontado por antigos colaboradores do republicano como nova liderança estratégica na promoção de uma agenda ultraconservadora abraçada por cerca de 30 países. Essa política, abandonada pelo presidente Joe Biden, inclui o veto à utilização de termos como saúde reprodutiva e direitos sexuais em programas e resoluções internacionais, como forma de fortalecer iniciativas antiaborto.
Parlamentares próximos ao presidente Jair Bolsonaro e alinhados à política do governo já se movimentam neste começo de ano para endurecer a legislação sobre o aborto. No último dia quatro, três dias após a eleição de Arthur Lira, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) apresentou projeto de lei (PL 232/2020) que torna obrigatória a apresentação de boletim de ocorrência com exame de corpo de delito positivo que ateste a veracidade do estupro, para realização de aborto decorrente de violência sexual.
A proposta se assemelha à Portaria 2282, do Ministério da Saúde, lançada em agosto do ano passado e que gerou forte reação no Congresso Nacional e na sociedade civil. Além de exigir a ocorrência policial no caso de aborto para gestação em decorrência de estupro, a portaria previa a inclusão de dois procedimentos no processo de interrupção legal da gestação: a exibição de ultrassom do feto para a mulher e a leitura de uma lista de riscos decorrentes do procedimento de aborto legal.
Arthur Lira e Cezinha de Madureira, líder da bancada evangélica, que apoiou em peso a eleição do deputado alagoano [fotografo]Redes Sociais[/fotografo][/caption]Mas, com a eleição de Lira, parlamentares mais envolvidos com a temática acreditam que o cenário tende a mudar nesta segunda metade da legislatura. Este é o pensamento, por exemplo, de Chris Tonietto e dos deputados Diego Garcia (Podemos-PR) e Cezinha de Madureira (PSD-SP) e do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), alguns dos congressistas que mais militam pela pauta antiaborto.
"Somos 100% Arthur Lira, ele tem um acordo com a gente", conta Cezinha de Madureira, presidente da Frente Parlamentar Evangélica. Ele afirma que as pautas "conservadoras pró-vida" são prioridade do governo. "O Parlamento vai fazer de tudo para que as questões de valorização da vida sejam aprovadas", acrescenta.
Para o presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, deputado Diego Garcia, o perfil conservador do Congresso inviabiliza o afrouxamento da legislação do aborto. "As questões voltadas para resguardar a vida da mulher e do nascituro serão prioridade e, com certeza, grande parte do Parlamento é a favor", diz. Segundo o deputado, que é da ala bolsonarista de seu partido, a pauta em favor do endurecimento da legislação contra a interrupção da gravidez deve ganhar fôlego apenas no segundo semestre. "O que está prevalecendo no governo, agora, são as agendas econômicas e de saúde", afirma. Alguns projetos, no entanto, podem avançar na segunda metade do ano, acredita o deputado.
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Diego Garcia: Congresso não permitirá afrouxamento da legislação sobre aborto [fotografo]Ascom[/fotografo][/caption]
Parlamentares argentinas comemoram a legalização do aborto no país [fotografo]Câmara dos Deputados da Argentina[/fotografo][/caption]Países com os quais o Brasil tem grande proximidade em pactos estratégicos políticos e econômicos estão caminhando em sentido totalmente oposto. Na madrugada de 30 de dezembro de 2020, a Argentina aprovou a lei pela despenalização e legalização do aborto. A votação da matéria no plenário foi uma promessa feita pelo presidente Alberto Fernández após a agenda ter sido negada pelo Senado em 2018. Os outros países da região latino-americana que legalizaram o aborto são Uruguai, Guiana, Guiana Francesa, Porto Rico e Cuba.
Mais tarde, com a entrada de Joe Biden na Casa Branca, a agenda bolsonarista se viu ameaçada mais uma vez, agora pelo seu mais poderoso aliado, os Estados Unidos. Como uma das primeiras medidas, o governo estadunidense abandonou as pautas antiaborto e passou a defender, mundialmente, o livre acesso à saúde reprodutiva.
Juntamente com os EUA, o Brasil fazia parte de um grupo com 30 países, liderado por Trump, Bolsonaro e Viktor Orban, presidente da Hungria, que defendiam a todo custo a família tradicional e o endurecimento das medidas antiaborto. Além disso, o grupo era contra as determinações de organismos internacionais alegando a "interferência na soberania nacional".
Na prática, com a nova política de Biden, ampliam-se os horizontes das políticas globais sobre gênero, saúde e direitos reprodutivos. Para a assessora técnica do Cfemea, Jolúzia Batista, nesse cenário, o Brasil fica cada vez mais isolado, aproximando-se de países dominados pela ultradireita, como Honduras, El Salvador, Nicarágua e República Dominicana. Esses são os quatro países da América Latina onde o aborto é completamente proibido.
"O Brasil está ficando cada vez mais isolado. Essa movimentação do nosso Congresso é muito perigosa, pois os holofotes da política de extrema direita mundial podem se voltar para o nosso país. Então, a gente pode virar palco para a realização dessas políticas conservadoras", avalia a especialista.
Para Mara Gabrilli, aborto deve ser tratado como questão de saúde pública [fotografo]Agência Senado[/fotografo][/caption]Para ela, nos últimos anos, observou-se a deterioração de políticas públicas em saúde sexual e reprodutiva, como o acesso a contraceptivos, campanhas de conscientização sobre sexualidade e direito ao planejamento reprodutivo. Na avaliação de Jolúzia, a esquerda cedeu às pressões feitas pelas vozes religiosas conservadoras. "Nós aprovamos uma grande lei para proteger as vítimas de violência sexual, mas logo em seguida os grupos contrários apresentaram diversos PLs para revogação", exemplificou.
Na avaliação da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), o principal ponto do debate tem sido ignorado pelo Congresso. "O que deveria de fato ser debatido é a saúde da mulher. No Brasil, o aborto é realizado de maneira clandestina, de modo precário e perigoso. Ou seja, a pauta é saúde pública. Esse deve ser o olhar do Parlamento para a questão, independentemente de ideologias. O assunto é complexo, envolve vidas e precisa ser amplamente debatido", ressalta Gabrilli.
Áurea Carolina: esforço agora é para não deixar retrocessos avançarem [fotografo]Vinicius Loures/Agência Câmara[/fotografo][/caption]As deputadas Áurea Carolina (Psol-MG) e Sâmia Bomfim (Psol-SP) concordam que não há ambiente para se discutir a descriminalização do aborto. O momento, segundo elas, é de trabalhar a política de "contenção de danos". Ou seja, evitar que as propostas de endurecimento da legislação sobre o aborto avancem.
"É muito difícil a gente traçar um planejamento propositivo quando se está em minoria. Precisamos entender que estamos, sim, em minoria neste campo. Eles são governistas, estão no poder agora. Então, a lógica é não deixar que esses retrocessos avancem", explicou Áurea Carolina, presidente da Frente Parlamentar Feminista Antirracista.
Sâmia considera difícil a luta da bancada que atua em defesa do direito da mulher de decidir, pelo envolvimento de tabus morais, religiosos e sociais na discussão. Para ela, é importante que a resistência tome conta dos espaços de representação política feminina, inclusive no Congresso. "A Secretaria das Mulheres [da Câmara] também vai modificar a sua estrutura a partir do mês de março e há sempre o risco de que o governo possa utilizar do seu poder de barganha e, também, aparelhar esse que é um espaço caro para a conquista dos direitos das mulheres", diz. A deputada paulista é uma das coordenadoras da secretaria, que é hoje o lócus principal de interlocução política da bancada feminina.
A ex-ministra Nilcea Freire, falecida em 2019, presidiu comissão que propôs a descriminalização do aborto [fotografo]Elza Fiuza/Abr[/fotografo][/caption]Em dezembro de 2004, Lula assinou o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, ação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), criada em 2003, com status de ministério e chefiada por Nilcéa Freire. A política previa diretrizes para a equidade de gênero e garantia de direitos como o da livre decisão sobre os seus corpos, bem como a ampliação de ações de planejamento familiar.
Em uma atitude inédita no país, a ministra presidiu uma comissão que propôs a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. O então presidente Lula disse que não assumiria posição e que deixaria a bancada governista livre para votar. As discussões, no entanto, acabaram soterradas em meio ao escândalo do mensalão, que catalisou as energias do Planalto. Com os governos seguintes cada vez mais apoiados nos bloco religioso conservador do Congresso, em especial os evangélicos, a proposta nunca mais voltou à pauta.
Além disso, a Secretaria de Política para as Mulheres perdeu status e recursos desde 2015 e, no governo Bolsonaro, foi transportada para o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, onde está a ministra pastora Damares Alves, conhecida por suas posições de repúdio a gênero, de defesa da chamada família tradicional e do direito à vida desde a concepção.
Manifestantes do movimento Nem Presa Nem Morta, em defesa do direito da mulher [fotografo]Abr[/fotografo][/caption]O exercício do poder de polícia do Estado em casos de aborto em mulheres e meninas vítimas de violência sexual ganhou grande repercussão em 2020, quando o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, lançou a Portaria nº 2.282, que obrigava médicos e profissionais a notificarem a polícia ao atenderem as vítimas de estupro que desejam realizar um aborto, com as condições previstas em lei.
A portaria em questão foi publicada duas semanas depois do caso envolvendo uma criança de dez anos, grávida em decorrência de estupro praticado pelo tio que chocou o país. Um clipping elaborado pelo projeto conjunto entre o Observatório de Sexualidade e Política (SPW) e o Cfemea mostra que a maioria das reportagens e artigos que trataram do caso, ao longo de 57 dias de repercussão, foi amplamente favorável à interrupção da gravidez, tal como preconiza o Código Penal de 1940.
Além disso, um dossiê feito pela campanha "Nem Presa Nem Morta" reflete as reações de repúdio da sociedade brasileira frente a Portaria nº 2.282. Nos documentos ONGs, associações profissionais, instituições do campo jurídico e parlamentares convergem na crítica severa à normativa pois ela "desvirtua a atuação dos profissionais de saúde ao colocá-los em um papel de investigadores, o que pode afastar as mulheres dos serviços caso ainda não estejam prontas para fazer as denúncias".
Recife foi palco da interrupção da gravidez da criança de dez anos estuprada pelo tio [fotografo]Babi Martorelli[/fotografo][/caption]Além disso tão logo o governo editou a Portaria 2.282, sobre o procedimento para a realização de aborto em caso de estupro, ações contra a normativa foram apresentadas ao STF. Uma, de autoria conjunta do PT, PC do B, PSB, Psol e PDT, pede para suspender a norma e exige que o direito de interromper a gravidez em caso de estupro seja garantido sem constrangimentos. Outra, apresentada pelo Instituto Brasileiro das Organizações de Saúde (Ibross), contesta a criminalização da vítima. O Supremo iria julgar as ações em setembro de 2020, porém, o relator, ministro Ricardo Lewandowski retirou os processos da agenda e pediu que partidos e instituto que questionam a regra se manifestem sobre as alterações. Novas datas para as sessões não foram marcadas.
Nicarágua é um do países em que nenhuma hipótese de interrupção da gravidez é permitida [fotografo]Reprodução Youtube[/fotografo][/caption]Segundo ela, embora as eleições americanas possam alterar, rapidamente, o cenário global em relação ao tema, isso não significa que as condições do debate brasileiro ficarão mais amenas. Na verdade, a oposição ao direito ao aborto pode recrudescer. Ela concorda com o senador Humberto Costa de que o objetivo das forças que se opõem ao direito ao aborto é excluir da legislação brasileira todos os permissivos legais existentes. "Querem impor legalmente a proibição absoluta da prática, como foi feito na Nicarágua, Honduras e El Salvador, lembrando que nesse último país há hoje mulheres condenadas com penas de mais de 20 anos por abortos espontâneos", diz.
Vale salientar que essa posição das forças antiaborto não reflete exatamente o que pensa a sociedade brasileira. Pesquisa publicada em novembro de 2020 informa que "para 88% das mulheres e homens entrevistados, toda cidade deveria ter um serviço de saúde em que as meninas e mulheres vítimas de estupro pudessem interromper a gravidez de forma segura em um serviço público, conforme previsto na legislação".
Veja a íntegra do termo de compromisso entregue por Chris Tonietto a Arthur Lira:
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*Thaís Rodrigues é repórter do Programa de Diversidade nas Redações realizado pela Énois - Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative.
>Bolsonaro já defendeu aborto como decisão do casal

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