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Congresso em Foco
12/10/2016 7:50
[fotografo]Divulgação/Unodc-ONU[/fotografo][/caption]Um dos primeiros casos que chegaram ao TSE, tido por muitos como quase folclórico, decorre da situação de determinado candidato a cargo eletivo municipal no interior da Bahia que oferecera ao um eleitor uma caixa d'água em troca do voto. O candidato foi eleito, mas o eleitor espalhou entre seus conhecidos que havia sido sagaz ao receber o presente, mas que votara no candidato da oposição.
Ao tomar conhecimento desse fato, o novo prefeito ordenou que fossem até à residência do eleitor e removessem a referida caixa d'água, já que o eleitor não cumprira com sua parte no acordo. Após a retirada, inconformado, o eleitor levou os fatos ao conhecimento do Ministério Público Eleitoral, sendo promovida ação na Justiça Eleitoral que culminou na cassação do diploma do agente [1]. Três questões processuais são importantes nesse ponto:
i) Possuem legibilidade ativa para propor ação judicial pela prática prevista no artigo 41-A da Lei das Eleições partido político, coligações, candidatos ou o Ministério Público, podendo cada um dos interessados propor ação de forma individual ou em litisconsórcio ativo facultativo. O cidadão não tem legitimidade para ingressar sozinho no polo ativo da demanda, mas pode levar os fatos e provas aos mencionados legitimados;
ii) A prática da captação ilícita de sufrágio tanto pode ter como agente o próprio candidato quanto qualquer pessoa a ele ligado, imprimindo-se como suficiente que haja o candidato participado do ilícito ou com ele consentido, de forma explícita ou tácita;
iii) Há necessidade de comprovação do dolo, ou seja, o pedido de voto, que pode ser tanto de forma explícita quanto implícita, indireta ou insinuada. O TSE já firmou jurisprudência sobre as expressões "conto com você", "conto com seu apoio", "não se esqueça de mim".
Em 2009, a Lei 12.034 incluiu no artigo 41-A o parágrafo 2o, cuja redação literal é: "As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto".
Nos tempos atuais, diante da ocupação cada vez maior de espaços por parte de líderes religiosos na política, impõe-se que a Justiça Eleitoral, Ministério Público, advogados militantes na área eleitoral e até os próprios candidatos estejam atentos em relação a possíveis constrangimentos de autoridades eclesiásticas junto a seus fiéis em favor do voto em si ou em terceiro, em detrimento da sinceridade do eleitor.
Nesse ponto, a redação do mencionado parágrafo admite a interpretação de que se configurada grave ameaça a pessoa, com fim de obter-lhe o voto, a conduta de uma autoridade religiosa impor aos seus fiéis que determinado candidato deve ser eleito em detrimento de outros.
No caso, a ameaça de sanção pela prática do pecado em votar em candidato não preferido ou não abençoado pela autoridade espiritual constrange a vontade do eleitor que é seu fiel, especialmente por meio de construções mentais e religiosas que, na situação limítrofe, tutelaria o entendimento do eleitor.
Esse entendimento é mais grave do que o previsto pelo parágrafo 4o do artigo 37 de Lei das Eleições, que estende, por meio de acepção própria do Direito Eleitoral, o conceito de bens de uso comum para além do disposto do Código Civil.
Nesse caso, é proibida a campanha política nos templos religiosos, por serem locais de frequência pública, mesmo que considerados de natureza privada. No caso, para que seja garantida a maior igualdade possível na disputa pelos cargos eletivos, não se admite a mistura entre religião e proselitismo político, valendo lembrar o caráter laico do Estado brasileiro, modelo adotado desde a Constituição de 1891.
Voltando ao caso do parágrafo segundo do artigo 41-A, captação ilícita de sufrágio ultrapassa o conceito de mera propaganda política em templo religioso, já que caracteriza a ideia de que o ato pessoal de não votar no candidato preferido pela igreja constituiria pecado, que seria punido por Deus. Estar-se-ia impondo a vontade do líder espiritual pela ameaça.
Nesse ponto, evidente que um fiel, assíduo na frequência e também nos hábitos comuns a determinado credo, tomará as palavras proferidas como um mandamento, justamente por confiar e acreditar no que é dito pela autoridade eclesiástica. Nada mais ameaçador e assustador a um fiel do que o pensamento de que seu pecado - no caso a desobediência a seu líder religioso - poderá ensejar a fúria divina, problemas pessoais, entre outras perturbações possíveis.
Já há condenações esparsas baseadas nesse entendimento. Mas certamente seu número é ainda reduzido diante do proselitismo político diário praticado por disseminadores de credos de variadas naturezas e denominações.
Sendo assim, as eleições municipais de 2016, em conturbado momento político por que passa o país, cujas preferências ideológicas confundem-se com crenças religiosas, exigirão da Justiça Eleitoral, do Ministério Público Eleitoral e dos advogados eleitoralistas redobrada atenção. Deve sempre ser protegida a livre manifestação de vontade do eleitor e a corrupção eleitoral, repelida - seja ela econômica, religiosa ou de qualquer outra natureza.
* Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), é diretor do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) e promotor de Justiça em São Paulo;
** Advogado e professor de Direito Eleitoral, é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
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