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Cezar Britto
Cezar Britto
24/10/2020 | Atualizado 10/10/2021 às 16:06
Daí a correta estranheza da sociedade quando um integrante da Defensoria Pública da União ingressou com ação judicial contra a política afirmativa praticada por uma empresa privada. Na sua equivocada e inconstitucional ótica, a Magalu deveria ser exemplar e economicamente punida por querer corrigir a sua desigual política de recursos humanos justamente por incluir a questão racial como elemento de contratação.
Deve ter "acreditado no mito de que o Brasil é o país símbolo do paraíso racial", sendo inverídicas as estatísticas que apontam para a grave desigualdade étnica do mercado de trabalho, da dificuldade de acesso ao emprego, da quase inexistente presença de chefias e lideranças, da visível ausência de remuneração isonômica e das vítimas das mais diversas formas de assédio laboral, ainda mais quando o critério de gênero tem como parâmetro a mulher negra.
Ao negar o racismo estrutural que chacina, assassina, prende, violenta, exclui, descrimina social e economicamente, isola, deseduca, recusa direitos, rasga biografias, constrange e castra o acesso a bens públicos às comunidades afrodescendentes, esse personagem passageiro da Defensoria Pública da União prestou um grande desserviço à sua instituição e aos grupos vulnerabilizados que um dia jurou defender. Mais ainda, despertou nos racistas brasileiros o ódio que vem se espalhando nos gabinetes oficiais, maculando espaços religiosos não espiritualizados, contaminando as ambiências sociais e gerando violências, medos e mais ódios. E, por fim, estimulou o nascimento e o crescimento de agrupamentos segregacionistas que querem a revogação do próprio papel do Estado como fomentador de políticas socialmente inclusivas e constitucionalmente afirmativas.
O "Caso Magalu" traz novos desafios para a Defensoria Pública que se espalha no vasto, patrimonialista e desigual território brasileiro. Afinal, como instituição de Estado que é - essencial à função jurisdicional e ao regime democrático - não pode a Defensoria Pública funcionar como algoz dos direitos humanos ou agir como cruel destruidora dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, devidos aos necessitados. E para a Defensoria Pública continuar sendo admirada, copiada e estudada em várias partes do mundo, não pode aceitar como natural o desvirtuamento da razão de ser da sua própria existência enquanto órgão criado para desempenhar a relevante tarefa de defender os grupos vulnerabilizados e as pessoas excluídas de direitos.
As Defensorias Públicas têm de rejeitar toda e qualquer ação, ainda que de origem esdrúxula e interna, que comprometa a sua missão constitucional. Como certa vez ensinou o mestre José Martins Catharino: "órgão sem função é um traste, estático, sem serventia, o que contraria sua própria destinação dinâmica. Órgão sem meios ou instrumentos teleológicos está fadado à atrofia e ao desaparecimento".
Nesta histórica quadra do tempo, o maior desafio da Defensoria Pública da União é o de contribuir para construção do legado igualitário e inclusivo pretendido pela Constituição Federal de 1988 - nossa Carta Cidadã - e, superando os obstáculos corporativos, retirar do mundo jurídico a ação judicial que ataca, agride, zomba e desprotege o grupo vulnerabilizado que sente a dor, as consequências e o peso de se viver em um país estruturalmente racista.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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