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João Batista Oliveira
Reforma administrativa: uma decisão que pode mudar o rumo da educação
João Batista Oliveira
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Educação
4/11/2025 11:00
O governo federal publicou em outubro findo o Decreto nº 12.686, que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. Imediatamente, dezenas de parlamentares anunciaram a intenção de revogá-lo por meio de decreto legislativo. As implicações vão muito além da educação especial: atingem o próprio modo de pensar o pluralismo e a democracia.
Este artigo analisa as motivações e visões de mundo em disputa e alerta para o risco crescente de polarização ideológica. Como observou David Brooks em artigo recente no New York Times ("Hey Lefties! Trump Has Stolen Your Game", 2025), ideologias de sinais opostos podem adotar os mesmos métodos de uniformização e exclusão do dissenso, substituindo o diálogo por decretos. É esse o risco que ronda a educação brasileira quando o governo tenta abolir a diversidade institucional em nome de uma única forma de inclusão.
O Decreto parte de um objetivo legítimo: garantir o direito à educação inclusiva a estudantes com deficiência, autismo e altas habilidades, "sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades". Mas logo ultrapassa os limites da lei. Ao transformar a preferência legal pela inclusão em classes comuns (prevista na LDB) em obrigação universal, o governo elimina o espaço para alternativas - escolas ou serviços especializados - e impõe um modelo único de inclusão (em confronto com a LDB).
A medida vai além: o Atendimento Educacional Especializado (AEE) passa a ser apenas complementar ou suplementar, jamais substitutivo da matrícula na classe comum. E, para completar, a identificação dos alunos deixa de depender de laudo médico ou psicológico, cabendo à própria escola definir, por "estudo de caso", quem é ou não público da educação especial. Ou seja, o "politburo pedagógico" de cada escola passa a decidir quem entra e quem sai, sem critérios técnicos claros e sem instância de controle.
A aparência é de coerência: a escola comum seria o "lugar de todos", e bastaria capacitar os professores. Mas a realidade é outra. De um lado, o decreto ignora as condições reais das redes públicas. De outro, ignora a falta de formação adequada e a função complementar de instituições especializadas que, há décadas, sustentam o que o Estado não oferece. A consequência prática seria o fechamento de inúmeras instituições e a substituição de critérios científicos de diagnóstico por uma forma exótica de vodu pedagógico.
A reação foi imediata. Entidades como Apaes, Pestalozzi e a Associação Brasileira de Autismo apoiadas por parlamentares de diferentes partidos, elaboraram um texto alternativo, liderado pelo senador Flávio Arns e pela deputada Soraya Santos. A proposta restabelece a redação original da LDB - educação especial preferencialmente, mas não obrigatoriamente, na rede comum -, reconhece as escolas especializadas como parte legítima do sistema e garante às famílias o direito de escolha.
O conflito é mais profundo do que parece. O governo aposta em uma inclusão universalista, inspirado em convenções internacionais e no combate ao capacitismo - preconceito contra pessoas com deficiência - segundo o qual toda separação institucional seria exclusão. Já os críticos defendem um pluralismo educacional: uma inclusão de trajetórias diversas, não de um modelo único.
A intenção do governo pode ser nobre, mas o instrumento é autoritário. Tratar todos igualmente não é tratá-los do mesmo modo. Ao substituir a preferência pela obrigatoriedade, o decreto centraliza, uniformiza e burocratiza. Sob o discurso da igualdade, ameaça a liberdade de escolha e deslegitima experiências que provaram sua eficácia - como as escolas bilíngues para surdos ou as instituições especializadas que complementam a rede pública e as tantas que ainda faltam, especialmente para atender alunos de alto talento.
O episódio é sintoma de algo maior: o declínio do pluralismo e o avanço de lógicas revolucionárias travestidas de políticas progressistas. Como advertiu Brooks, quando uma ideologia perde a capacidade de conviver com o dissenso, abandona o espírito democrático que a originou. É o que se insinua quando o Estado decide impor uma só pedagogia e um só modelo de inclusão. Ao "esticar a corda", o MEC arrisca transformar a bandeira da inclusão em instrumento de centralização ideológica.
No limite, perde-se a própria ideia de sociedade aberta, aquela em que coexistem diferentes maneiras de educar e cuidar. A inclusão não se decreta - constrói-se. E só floresce onde há liberdade para ser diferente. A proposta de inclusão do MEC é intolerante e excludente.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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