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PREVIDÊNCIA SOCIAL
5/5/2025 7:00
O recente escândalo envolvendo descontos irregulares em benefícios do INSS revelou uma tríplice dimensão problemática: falhas estruturais no sistema de descontos em folha, a perversidade de esquemas fraudulentos e graves desvios de conduta por parte de servidores e dirigentes da autarquia. A investigação, conduzida pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU), expôs um desvio de bilhões de reais entre 2019 e 2025, com aposentados e pensionistas tendo seus benefícios indevidamente descontados por entidades que agiam à margem da lei.
O caso levou à exoneração do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, e de servidores diretamente envolvidos no esquema criminoso, evidenciando tanto a existência de corrupção quanto a capacidade do Estado de identificar e punir irregularidades. No entanto, a resposta às fraudes não pode ser indiscriminada, sob o risco de prejudicar organizações sérias e comprometer direitos arduamente conquistados pelos trabalhadores brasileiros.
Dentre as instituições envolvidas na resolução do problema, destacam-se a CGU, o Ministério da Previdência e a Advocacia-Geral da União (AGU), que atuam para identificar os desvios, punir os responsáveis, ressarcir os prejudicados e evitar a repetição de tais irregularidades. Porém, é fundamental que essas medidas não recaiam de forma generalizada sobre todas as entidades que descontam mensalidades por meio de consignação na folha, especialmente as entidades sindicais com histórico comprovado de transparência e representatividade, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). A diferenciação entre "joio e trigo" é essencial para preservar a legitimidade do movimento sindical e garantir que os avanços sociais não sejam perdidos em nome de um combate às fraudes que, se mal conduzido, pode gerar mais injustiças do que soluções.
A Contag, com mais de 60 anos de atuação, é um exemplo emblemático de entidade representativa que não apenas cumpriu as normas legais, mas também foi fundamental na conquista de direitos previdenciários para os trabalhadores rurais. Desde sua fundação, em 1963, a confederação liderou lutas pela implementação da aposentadoria rural, pensão por morte e acesso a políticas públicas essenciais, como o Pronaf e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Além disso, promove mobilizações históricas, como a Marcha das Margaridas, o Festival da Juventude Rural, e o Grito da Terra Brasil, que pressionam por melhorias estruturais para o campo.
Diferentemente das associações fraudulentas, a Contag possui escola de formação e sede própria, faz parte de um sistema formado por 27 federações e 3.800 sindicatos, que conta com milhares de funcionários e dirigentes, faz as filiações diretamente e só realiza descontos com autorização expressa dos beneficiários, e repassa 75% dos recursos arrecadados diretamente aos sindicatos locais, que prestam serviços essenciais às comunidades rurais.
As falhas do INSS, no entanto, são inegáveis. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou a falta de fiscalização adequada, a ausência de verificação documental e um sistema frágil que permitiu a proliferação de cobranças indevidas. O relator do caso no TCU, Aroldo Cedraz, questionou por que a autarquia manteve um mecanismo de descontos sem capacidade operacional para monitorá-lo. Em resposta, o governo federal publicou a Instrução Normativa nº 162/2024, exigindo biometria facial e assinatura digital para novas autorizações - medida que, embora necessária, chegou tardiamente.
O problema é que a suspensão generalizada dos repasses, sem distinção entre entidades idôneas e fraudulentas, penaliza injustamente quem age dentro da legalidade. Essa medida desestabiliza uma rede de apoio sindical fundamental para a agricultura familiar, comprometendo desde atendimentos previdenciários até projetos de agroecologia e sucessão rural. A Marcha das Margaridas, por exemplo, que há décadas fortalece a luta das mulheres do campo, pode ser seriamente afetada pela interrupção dos recursos. A marcha é a maior ação de massa do mundo, que inclui atividades formativas sobre o bem viver das mulheres em todos os territórios, da agroecologia, da saúde da mulher, da saúde reprodutiva, das questões produtivas, da transição agroecológica, dentre outras. A última marcha, realizada em Brasília em 2023, reuniu 150 mil mulheres rurais. A Contag, que inclusive foi uma das primeiras a alertar o INSS sobre as irregularidades em 2022, vê seu trabalho ameaçado por uma política que, em vez de corrigir falhas pontuais, aplica um castigo coletivo.
Felizmente, a coordenação das investigações está a cargo de uma força-tarefa da AGU, liderada pelo ministro Jorge Messias, que tem a oportunidade de equilibrar o rigor na apuração com a preservação das entidades sérias. Em vez de suspender todos os convênios, o INSS deveria retomar imediatamente os repasses às organizações comprovadamente idôneas, como a CONTAG, enquanto intensifica a fiscalização sobre as envolvidas em fraudes. A agricultura familiar, que já enfrenta desafios históricos de invisibilidade e falta de recursos, não pode ser penalizada por erros alheios.
O escândalo do INSS escancarou a necessidade de reformas profundas no sistema de fiscalização, mas também serve como alerta contra soluções simplistas. A justiça não será feita se, no afã de punir os culpados, forem sacrificadas décadas de conquistas sociais. Separar o "joio do trigo" não é apenas uma metáfora, mas um imperativo para que os trabalhadores rurais - e todos os brasileiros que dependem de um INSS íntegro - não paguem por crimes que não cometeram. O caminho está em corrigir as falhas sem destruir o que foi construído com legitimidade e transparência.
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