Entrar

    Cadastro

    Notícias

    Colunas

    Artigos

    Informativo

    Estados

    Apoiadores

    Radar

    Quem Somos

    Fale Conosco

Entrar

Congresso em Foco
NotíciasColunasArtigos
  1. Home >
  2. Colunas >
  3. A arma pressente o homicida para o qual foi criada | Congresso em Foco

Publicidade

Publicidade

Receba notícias do Congresso em Foco:

E-mail Whatsapp Telegram Google News
LEIA TAMBÉM

Paulo José Cunha

Liberdade de acesso à informação ou palanque midiático?

Paulo José Cunha

Cicatrizes que não param de sangrar

Paulo José Cunha

A direita pós-modernizou-se e ficou ainda mais perigosa

Paulo José Cunha

Pissigção! Pissigção!

Paulo José Cunha

Anistia: a hora é de punição exemplar, e não de perdão

A arma pressente o homicida para o qual foi criada

Paulo José Cunha

Paulo José Cunha

21/1/2019 | Atualizado 10/10/2021 às 16:36

A-A+
COMPARTILHE ESTA COLUNA

Armas existem para matar. O metal de que é feita, a empunhadura, a mira, o peso, o equilíbrio, tudo é planejado para permitir que o usuário atinja com ela um único objetivo - a morte. O argentino Jorge Luis Borges é autor d"O Punhal", miniconto de 21 linhas incluído na "Nova Antologia Pessoal"  que parece ter sido escrito sob encomenda para comentar o decreto que facilitou a posse de armas no país. "Os que o vêem (o punhal) têm de brincar um pouco com ele; percebe-se que há muito o buscavam; a mão se apressa em apertar o punho que a espera; a lâmina obediente e poderosa folga com precisão na bainha". Desde sempre as armas exercem enorme fascínio sobre as pessoas. Meninos se divertem com facas, espadas, revólveres, rifles e metralhadoras de brinquedo. Adultos acreditam que as armas os tornam poderosos e invencíveis. Matar é ato instintivo de sobrevivência. Está no DNA do homem desde o primeiro neandertal. Por isso os que olham uma arma não se contentam em vê-la: querem tocá-la, empunhá-la. Se possível, experimentá-la. Armas querem "derramar brusco sangue" "O punhal outra coisa quer. É mais que uma estrutura feita de metais; os homens o pensaram e o formaram para um fim muito preciso; é, de algum modo, eterno, o punhal que na noite passada matou um homem em Tacuarembó, e os punhais que mataram César. Quer matar, quer derramar brusco sangue". Armas buscam, desejam e existem para a morte. Querem "derramar brusco sangue". Não são inofensivas. São letais porque para matar existem. "Numa gaveta da secretária, entre borradores e cartas, interminavelmente sonha o punhal seu singelo sonho de tigre, e a mão se anima quando o dirige porque o metal se anima, o metal que em cada contato pressente o homicida para quem os homens o criaram". A existência de uma arma "pressente o homicida" A facilitação da posse - e futuramente do porte - de armas segue a mesma lógica. A simples existência de uma arma "pressente o homicida" para a qual ela foi fabricada. Exatamente por isso a cada chacina de um desses lunáticos que invadem escolas e saem atirando e matando todo mundo, o governo norte-americano é pressionado a dificultar sua liberal legislação sobre a posse e porte de armas. Já outras instituições de lá como o Clube do Rifle  usam o argumento de Bolsonaro, segundo o qual "os cidadãos precisam de armas para se defender". No duro, facilitar ao cidadão a posse é uma safadeza do governo. Como se dissesse ao cidadão: "agora que nós te demos a chance de ter tua arma, te vira! Não precisamos mais nos preocupar com isso, agora é problema teu". Sensação de segurança é uma coisa. Garantia é outra Posse e porte de armas dão apenas uma sensação de segurança, nunca sua garantia. Na ampla maioria das vezes o dono da arma não sabe como usá-la numa emergência. Mesmo o treinamento oferecido nos clubes de tiro não garante essa aptidão. No máximo, melhora a pontaria. Deste ponto de vista os marginais estão mais preparados, pela prática diária no uso de armas. E se o argumento do direito de se defender for levado às últimas consequências então vamos liberar às crianças o direito de dirigir carros, em respeito ao preceito constitucional que garante a TODOS o direito de ir e vir. Ora, se para tirar uma carteira de motorista é exigido um curso e uma série de provas e testes teóricos e práticos, porque com armas deve ser diferente? A menos que se acredite que manejar uma arma seja o mesmo que ligar um liquidificador, como diz aquele ministro com nome de chuveiro. A ocasião faz o ladrão. E também o assassino e o suicida Segundo o último relatório do Human Righs Watch, "O Brasil bateu recorde de mortes violentas em 2017, com 63.880 casos". Mesmo que seja doloroso admitir, nós moramos num país homicida. E daqui pra frente, com mais armas nas ruas e nas casas, será que se pode esperar uma redução? O raciocínio é muito simples: mais armas, mais mortes. Em parte alguma do mundo essa afirmação foi algum vez desmentida. "Às vezes dá-me pena. Tanta dureza, tanta fé, tanta impassível ou inocente soberba, e os anos passam, inúteis". Assim termina o miniconto de Borges. Uma lamentação irônica, pois, se o punhal está esquecido por aí e não cumpre sua finalidade - que é matar - torna-se um objeto inútil. Tal como a frustração de alguns militares pela falta das guerras para as quais foram treinados. A liberação da posse e uso de armas, é óbvio, só pode implicar em crescimento da taxa de homicídios, suicídios, latrocínios e feminicídios, e não na sua redução. Seres humanos são tentados a usar armas pela curiosidade e atração natural que elas exercem. Tal como a ocasião faz o ladrão, a disponibilidade de armas faz o assassino e o suicida. Vamos brincar de duelo? Quanto ao argumento de que o povo condenou o Estatuto do Desarmamento no referendo de 2005, vale lembrar que toda vez que ocorre um crime hediondo o povo exige a instituição da pena de morte, desejo expresso em pesquisas de opinião.  Nem por isso ela chegou a ser implantada. Mas, no ritmo em que as coisas andam, não demora e avançaremos (ou retrocederemos?) até lá. Enquanto isso, que tal brincar de duelo e ver quem saca primeiro? Só que agora com armas de verdade, balas de verdade, e mortes de verdade.

Outros artigos do mesmo colunista

Governo Bolsonaro pretende legalizar 8 milhões de armas irregulares

Siga-nos noGoogle News
Compartilhar

Tags

Segurança Pública violência estatuto do desarmamento armamento

Temas

Corrupção Colunistas
COLUNAS MAIS LIDAS
1

Ensino e sociedade

O que as escolas devem ensinar

2

Fascismo 4.0

Democracia indiferente e fascismo pós-algoritmos

3

Política internacional

Trump: a revolução que enfrentou os limites da realidade

4

Crise internacional

Colapso da diplomacia e o ressurgimento do autoritarismo militarizado

5

INSS E CRIME ORGANIZADO

CPIs podem esvaziar agenda do governo Lula

Congresso em Foco
NotíciasColunasArtigosFale Conosco

CONGRESSO EM FOCO NAS REDES