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Julgamento do golpe
Congresso em Foco
2/9/2025 | Atualizado 3/9/2025 às 10:29
1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou na manhã desta terça-feira (2) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de mais sete aliados, acusados de articular uma trama para reverter o resultado das eleições de 2022. O grupo integra o núcleo central da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), aceita integralmente pelo Supremo em março.
O calendário prevê oito sessões de julgamento, marcadas para os dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro. A primeira sessão, iniciada às 9h11, foi encerrada às 12h08, após as manifestações do relator, ministro Alexandre de Moraes, e do procurador-geral da República, Paulo Gonet (veja a íntegra da manifestação). Os trabalhos serão retomados às 14h, com a sustentação oral das defesas dos oito réus. Cada advogado terá até uma hora para defender seu cliente.
Acompanhe ao vivo a segunda sessão do julgamento:
Ao abrir a sessão, Zanin explicou como será o rito do julgamento e passou a palavra a Alexandre de Moraes para fazer a leitura de seu relatório.
Moraes, na abertura do julgamento: "Impunidade não é opção"
Com um discurso incisivo e simbólico, o ministro fez um pronunciamento antes de iniciar a leitura de seu relatório. Relator do processo no Supremo, Moraes reforçou que a corte julgará com base no devido processo legal e não se curvará a pressões ou intimidações, internas ou externas. "Aqui se faz justiça com base em provas, e não sob coação", declarou.
Moraes fez duras críticas à ideia de que a pacificação nacional possa se confundir com esquecimento ou omissão. "A pacificação do país, que é o desejo de todos nós, depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições", disse. Para ele, confundir pacificação com apaziguamento seria "aceitar a impunidade e o desrespeito à Constituição Federal". O ministro acrescentou: "O caminho aparentemente mais fácil, que é o da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia".
Julgamento histórico
Moraes lembrou que o julgamento segue os mesmos ritos das outras 1.630 ações penais abertas contra envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Segundo o ministro, o STF já proferiu 683 condenações, homologou 554 acordos de não persecução penal e proferiu 11 absolvições. Ainda há 382 processos em andamento. "É mais uma triste página da história republicana em que se tentou atentar contra a ordem democrática e instalar uma ditadura", afirmou.
O relator classificou a tentativa de golpe como uma ação articulada por uma "organização criminosa", que, além de buscar romper com o Estado Democrático de Direito, tentou coagir o Supremo por meio de ações planejadas - inclusive, segundo ele, com apoio internacional. "Essa corte não aceitará ingerência de nenhum outro Estado estrangeiro", reforçou, em crítica velada a setores bolsonaristas que buscaram respaldo fora do país, a exemplo do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Defesa firme da democracia e da soberania
Ao reafirmar o papel do STF como guardião da Constituição, Moraes destacou que a corte é referência mundial em transparência. "Nenhum tribunal dá tanta publicidade aos seus julgamentos quanto o Supremo Tribunal Federal", disse. Ele ressaltou que a independência do Poder Judiciário é um direito fundamental da cidadania e peça-chave para o funcionamento do Estado de Direito.
Moraes encerrou sua fala reafirmando que o Supremo "será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional, da democracia e da Constituição". Segundo ele, a missão da corte será cumprida com coragem institucional, responsabilidade e compromisso com os valores democráticos. "A história já nos mostrou: impunidade, omissão e covardia não são opções", concluiu.
Moraes lê relatório, valida delação de Cid e diz que provas são sólidas
Após o pronunciamento, Moraes passou à leitura de seu extenso relatório sobre o processo que julga Jair Bolsonaro e outros sete acusados de compor o núcleo central da tentativa de golpe de Estado. Logo de início, confirmou a legalidade da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e destacou que o acordo foi firmado com a Polícia Federal dentro das exigências legais, com participação voluntária do colaborador e acompanhamento de seus advogados.
O relator reforçou que a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República é sólida, reúne provas robustas de materialidade e indícios suficientes de autoria, o que configura justa causa para o prosseguimento da ação penal.
Respeito ao processo legal
O ministro detalhou o percurso do processo, desde a aceitação unânime da denúncia pela Primeira Turma do STF até a realização das audiências de instrução. Foram ouvidas 52 testemunhas - entre acusação e defesa - em 10 sessões, com todos os interrogatórios gravados em áudio e vídeo. Moraes também ressaltou que todas as defesas tiveram amplo acesso ao material probatório, inclusive aos conteúdos apreendidos e não utilizados pela PGR.
A defesa de Anderson Torres, por exemplo, teve deferido o pedido para acessar arquivos periciais e solicitar perícias independentes. Ao longo do processo, o ministro deferiu todos os requerimentos pertinentes, demonstrando, segundo ele, pleno respeito ao devido processo legal.
Durante a leitura, Moraes ainda mencionou que determinou a abertura de inquéritos paralelos para apurar tentativas de coação contra o Supremo, inclusive envolvendo o deputado Eduardo Bolsonaro, e ordenou medidas cautelares para proteger a integridade do processo. Ele também relatou a abertura de investigação contra dois aliados de Bolsonaro por possíveis violações ao acordo de colaboração premiada de Mauro Cid. A apresentação do relatório marca o início da fase decisiva do julgamento, que pode resultar na condenação do ex-presidente e de seus aliados por crimes como tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e deterioração de patrimônio público.
Relator do STF vê organização criminosa e rejeita absolvições sumárias
Moraes rejeitou todos os pedidos de absolvição sumária apresentados pelas defesas e afirmou que há justa causa para o prosseguimento da ação, com base em provas independentes da delação de Mauro Cid.
Segundo o ministro, os acusados formaram uma organização criminosa armada com o objetivo de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, cometeram dano qualificado ao patrimônio da União e promoveram a deterioração de bens tombados, entre outros crimes. Ele ressaltou que a denúncia foi recebida por unanimidade na Primeira Turma do STF e que todas as garantias processuais foram respeitadas.
Moraes também citou que 54 testemunhas foram ouvidas, a maioria de defesa, e que a ação penal é embasada em um conjunto probatório consistente. O relator destacou ainda a abertura de inquéritos paralelos por tentativa de obstrução do processo, como o que envolve o deputado Eduardo Bolsonaro.
Moraes vê Bolsonaro como líder da organização criminosa golpista
O relator afirmou que Jair Bolsonaro chefiou uma organização criminosa que operou entre 2021 e 2023 para tentar manter o ex-presidente no poder de forma ilegal. Segundo Moraes, o grupo atuou de forma estruturada e sistemática, envolvendo integrantes do alto escalão do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência com o objetivo de promover uma ruptura da ordem democrática.
Alexandre de Moraes apontou que há provas suficientes da atuação do grupo, como minutas de decretos golpistas, mensagens, discursos e depoimentos de comandantes militares que confirmaram ter sido pressionados a aderir ao plano. A Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais, lembrou o ministro, também destacou a existência de documentos como a "Operação 142" e a "Operação Punhal Verde-Amarelo", além de um aparato de desinformação contra o sistema eleitoral e o Judiciário.
O ministro ainda defendeu a validade do acordo de colaboração premiada firmado por Mauro Cid com a Polícia Federal, embora tenha ressaltado que os benefícios devem ser aplicados de forma proporcional à colaboração efetiva.
O ministro encerrou a leitura de seu relatório às 10h55, quando a palavra foi passada ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que não chegou a usar as duas horas que tinha para fazer a sua manifestação.
Paulo Gonet: "Punir é imperativo para a democracia"
No começo de sua sustentação oral, Gonet afirmou que a democracia brasileira precisa reagir de forma ativa às tentativas de ruptura institucional. "É chegada a hora do julgamento em que a democracia no Brasil assume a sua defesa ativa contra a tentativa de golpe apoiado em violência ameaçada e praticada", declarou.
O procurador-geral da República defendeu que mesmo as tentativas fracassadas de golpe devem ser exemplarmente punidas, como forma de dissuadir novas investidas. "Punir a tentativa frustrada de ruptura com a ordem democrática estabelecida é imperativo de estabilização do próprio regime", afirmou. Para ele, não reagir diante dessas ameaças estimula aventuras autoritárias. "O inconformismo com o término regular do período de mando costuma ser fator deflagrador de crise para a normalidade democrática", alertou.
O procurador-geral rechaçou qualquer tentativa de minimizar os atos em julgamento. "Não se pode admitir que se pluralizem as tramas urdidas e postas em prática por meio de atos coordenados e sucessivos", disse. "O que está em julgamento são atos que devem ser considerados graves enquanto quisermos manter a vivência de um Estado Democrático de Direito." Para Gonet, "os golpes podem vir de fora da estrutura de poder, como podem ser engendrados pela sua própria perversão".
Convocação da cúpula das Forças Armadas mostra que golpe estava em curso, afirma PGR
O procurador-geral da República afirmou que, para caracterizar o crime de golpe de Estado, a lei não exige uma ordem formal assinada pelo presidente da República. Segundo ele, o simples fato de haver reuniões com conteúdo golpista já é suficiente para configurar a tentativa.
"A tentativa se manifesta por meio de atos e ações voltados à ruptura das regras constitucionais de exercício do poder, com apelo à força, seja real ou apenas ameaçada", explicou Gonet.
Ele reforçou que o crime já estava em andamento no momento em que Jair Bolsonaro e o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, convocaram a cúpula das Forças Armadas para apresentar um documento com proposta de golpe. "Não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e, depois, o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso", afirmou.
PGR: "Golpe só não se consumou por recusa da cúpula militar"
De acordo com Paulo Gonet, a tentativa de ruptura democrática teve "um combinado de atos orientados a consumar um golpe de Estado" e envolveu o uso sistemático de "violência real ou ameaçada". Segundo ele, o plano golpista só não foi consumado porque "não obteve a adesão dos comandantes do Exército e da Aeronáutica". Gonet citou reuniões com os chefes militares em que foram apresentados documentos e minutas que previam a continuidade de Bolsonaro no poder, mesmo após a derrota nas urnas.
Disse o procurador-geral da República:
"O empenho para cooptá-los ao empreendimento criminoso e, portanto, para levar o golpe a cabo assumiu diversas formas, envolvendo ataques virtuais aos militares de alta patente que mantiveram, enfim, as Forças Armadas fiéis à vocação democrática que a Constituição lhes atribuiu. Houve, nesse sentido, a apresentação do plano de golpe pelo comandante maior das Forças Armadas, o próprio presidente da República e pelo ministro de Estado da Defesa. Da mesma forma, o propósito de criar clima de convulsão social foi posto em prática pelos isurrectos no intuito de atrair especialmente o Exército para a atitude antidemocrata".
De acordo com Paulo Gonet, o golpe tentado não se consumou pela fidelidade do Exército, apesar do "desvirtuamento de alguns dos seus integrantes", e da Aeronáutica à democracia. "Todos esses acontecimentos descritos na denúncia estão confirmados pelas provas de que os autos estão refertos. É útil referir que as provas mais eloquentes foram sendo descobertas pela argúcia das investigações insetadas pela Polícia Federal."
Gonet: não reprimir tentativa de golpe põe em risco a vida civilizada
Paulo Gonet reforçou que os atos em julgamento não foram fruto de mera inconformidade política, mas de uma estratégia orquestrada com apoio de órgãos estatais, como a Polícia Rodoviária Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). "O uso do monopólio da força pelo Estado para fins de inibição dos direitos fundamentais dos cidadãos configura ato violento em si", disse.
Ele também denunciou a criação do plano "Punhal Verde-Amarelo", que previa o assassinato de autoridades e foi implementado em parte. "A violência, além daquela de todos conhecida pelas vilanias do 8 de janeiro, foi objeto de ameaça constante", declarou. A tentativa, segundo o chefe do Ministério Público, se revelou "na prática de atos e ações dedicadas ao propósito da ruptura das regras constitucionais".
O procurador-geral destacou que os discursos de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas "não foram exercícios legítimos de liberdade de expressão", mas "artifícios de deslegitimação do processo eleitoral". Gonet também criticou o negacionismo dos réus.
"Os acusados por esses atos não negam a realidade dos fatos, mas tentam dourar os intuitos ou mostrar-se alheios a ela." Para ele, "não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem recrudesce ímpetos de autoritarismo e põe em risco o modelo de vida civilizada".
Réus produziram provas contra si, diz procurador-geral da República
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que os próprios integrantes da organização criminosa deixaram rastro abundante de provas que comprova a atuação do grupo com o objetivo de romper a ordem democrática. "Os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada", disse, referindo-se a arquivos digitais, manuscritos, minutas de decretos e trocas de mensagens encontradas ao longo da investigação.
Segundo Gonet, a estrutura golpista foi liderada por Bolsonaro e operava entre 2021 e 2023 com a participação de figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência. "A tentativa de convencimento de autoridades do Exército e da Aeronáutica para o golpe não obteve o êxito esperado", afirmou o procurador, reforçando que a ofensiva passou, então, a investir na instabilidade social como alternativa.
A cooperação entre os réus, segundo ele, ficou evidente ao longo do processo: "Todos aderiram à organização criminosa, cientes do que defendia o presidente Jair Bolsonaro, e contribuíram, em divisão de tarefas, para a consumação do projeto autoritário de poder".
Gonet também citou nomes diretamente envolvidos nas ações e que contribuíram com provas contra si próprios. Mário Fernandes, então assessor de Bolsonaro, foi flagrado pessoalmente em acampamentos golpistas e mantinha contato com lideranças de caminhoneiros.
O ex-ajudante de ordens Mauro Cid, em depoimento ao Supremo Tribunal Federal, declarou que Bolsonaro "deliberadamente estimulava a expectativa da população a fim de provocar situação que justificasse a intervenção das Forças Armadas" e que o então presidente "sempre dava esperanças de que algo fosse acontecer". O ex-ministro Braga Neto também foi citado por incitar os manifestantes a não desistirem. "Guardem esperança, porque ainda não havia terminado e algo iria acontecer", disse Braga Neto em um vídeo, lembrou o procurador-geral.
Gonet: "Procuraram revestir de legitimidade a trama golpista"
De acordo com Paulo Gonet, a escalada do discurso golpista teve um marco simbólico em 7 de setembro de 2021. Naquele dia, aproveitando-se das celebrações do bicentenário da Independência, Bolsonaro insuflou apoiadores contra ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chamando o sistema de votação de "farsa" e ameaçando: "Só saio preso, morto ou com vitória". Para o PGR, essas falas não foram arroubos isolados, mas sim "etapas do plano de subversão da ordem constitucional".
"Procurava-se revestir de legitimidade uma trama de ruptura", disse Gonet, ao relatar a instrumentalização de datas cívicas, símbolos estatais e da própria estrutura do Estado.
Na manifestação, Gonet apontou que, a partir de 2022, o plano ganhou corpo com reuniões envolvendo militares, ministros e aliados de Bolsonaro. Em 5 de julho daquele ano, em encontro no Palácio do Planalto com Mauro Cid, Augusto Heleno, Anderson Torres e os comandantes das Forças Armadas, Bolsonaro reiterou sua desconfiança nas urnas e cobrou que os presentes replicassem seu discurso.
Pouco depois, em 18 de julho, em nova ofensiva, o então presidente convocou embaixadores para difundir internacionalmente suas acusações infundadas contra o sistema eleitoral, em evento transmitido pela TV pública e redes sociais. Segundo Gonet, tratava-se de "preparar a comunidade internacional para a rejeição dos resultados das urnas".
PGR: Bolsonaro usou Estado para minar urnas e planejar golpe
O PGR também denunciou o uso da estrutura da Polícia Rodoviária Federal (PRF), sob comando de Silvinei Vasquez, para dificultar o acesso de eleitores do Nordeste às urnas. A manobra foi discutida em reuniões com Anderson Torres e outros membros da cúpula da segurança pública. Segundo ele, um mapeamento foi produzido para identificar onde Lula havia vencido no primeiro turno, orientando a repressão de tráfego em regiões estratégicas.
Gonet destacou ainda o papel da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) na montagem de um sistema de contrainteligência a serviço do presidente. O então diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o ministro Augusto Heleno despachavam diretamente com Bolsonaro e mantinham uma rede de monitoramento clandestino de adversários políticos. Ramagem e Heleno também são réus no mesmo processo.
"A Abin e o GSI operavam como instâncias de inteligência paralela, prontamente acionados pelo presidente da República, com acesso direto e sem intermediação", afirmou Gonet.
Gonet ressaltou que a organização chegou a discutir, em novembro de 2022, ações violentas com integrantes de forças especiais - os chamados "Kids pretos" - para neutralizar o ministro Alexandre de Moraes. A operação, batizada de Punhal Verde Amarelo, também previa o assassinato por envenenamento do presidente eleito Lula e do vice, Geraldo Alckmin.
De acordo com Gonet, documentos como uma planilha detalhavam a implantação do golpe, com a criação de gabinetes estaduais de crise, decreto de exceção e veto a partidos de esquerda. Segundo o PGR, a minuta de um decreto presidencial chegou a ser redigida para institucionalizar a tomada do poder.
"O objetivo era restabelecer a lei e a ordem por meio de suas próprias noções, rejeitando qualquer governo de ideologia oposta", resumiu.
Gonet afirmou que a sequência de atos prova que houve tentativa concreta de golpe de Estado. "Não se trata de uma improvisação. A escalada foi planejada, documentada e posta em prática com apoio de setores do governo e das Forças Armadas", concluiu.
Defesa de Mauro Cid: delação foi livre de coação
Jair Alves Ferreira, advogado do Tenente-Coronel Mauro Cid, abriu sua defesa reforçando a legalidade da delação premiada de seu cliente. Ele negou a existência de qualquer coação, alegadas pelos advogados dos demais réus, ao ex-ajudante de ordens.
Ele citou o desabafo de Mauro Cid em audiência, quando se queixou da linha adotada pela Polícia Federal na condução das investigações. O defensor ressaltou que divergências entre investigado e investigador são naturais, e não configuram coação. "Nós não concordamos com o pedido de condenação do ministro Gonet, mas nem por isso posso dizer que ele me coagiu".
O advogado também citou a audiência em que Moraes cobrou Mauro Cid para que ajustasse sua fala, diante de acusações, por parte da PGR, de que o militar estaria ocultando informações a respeito da tentativa de assassinato do presidente Lula e do vice Geraldo Alckmin, uma vez que é dever do delator apresentar tudo o que sabe.
Jair Alves agradeceu a Moraes por ter dado a oportunidade para que seu cliente pudesse incluir as informações faltantes e corrigir o próprio erro. "Se vossa excelência não tivesse feito isso, eu estaria aqui reclamando de vossa excelência. Mas isso não é ameaça. Isso é o devido processo legal".
Na sequência, ressaltou a importância da delação para o sucesso das investigações, destacando a tese de que ele cumpriu com todos os termos acordados, não havendo justificativa para que fossem alterados os termos, conforme havia solicitado a PGR. "Eu não acho que ele tenha resistido", afirmou. "A obrigação dele era falar o que participou ou que tivesse conhecimento. Foi isso o que ele fez. (...) Ele não tinha conhecimento do Punhal Verde e Amarelo, ele não falou porque não tinha conhecimento. (...) Ele não tinha conhecimento desses planos".
"O Mauro Cid deu fatos que foram confirmados em juízo, ao menos os fatos de extrema relevância. (...) O professor Paulo Gonet sugeriu que os benefícios dele fossem alterados, e nós vamos discordar novamente da acusação. Se a delação premiada dele é sólida, e é. (...) Se ela dá sustentação e dá a dinâmica dos fatos, e dá. Por quê ele não teria os benefícios que ele ajustou?", questionou.
Defesa de mérito
Encerrado o trecho relativo à delação premiada, assumiu a defesa de Mauro Cid o advogado encarregado de tratar das questões de mérito, Cezar Roberto Bitencourt. Ele negou a participação ativa de Mauro Cid na trama golpista. "Mauro Cid jamais elaborou, compartilhou, incitou qualquer conteúdo golpista. Não há sequer uma única mensagem de sua autoria propondo, incentivando, validando qualquer atentado contra a democracia ou contra o sistema eleitoral", declarou.
Bitencourt alega que a PGR estaria confundindo seu vínculo profissional como ajudante de ordens de Bolsonaro a suposta voluntariedade diante da articulação do ex-presidente. Também relembrou que ele estava de férias nos Estados Unidos durante os ataques de 8 de janeiro de 2023. Ele apontou que não havia, na parte de depoentes das Forças Armadas, alegações de que ele estaria envolvido na trama.
Defesa de Ramagem
O defensor de Alexandre Ramagem, advogado Paulo Renato Garcia Cintra Pinto, falou em seguida. Ele relembrou a resolução da Câmara dos Deputados que sustou parte da ação penal, restringindo os efeitos dos crimes imputados sobre eventos posteriores à sua diplomação como deputado, em 12 de dezembro de 2022. Ele defende que também seja incluída na suspensão as acusações de composição de organização criminosa armada.
Ele reforçou que o crime de organização criminosa é de execução continuada, devendo ser considerado também como posterior à diplomação. Ele relembrou que o entendimento foi utilizado recentemente para que o ex-deputado Chiquinho Brazão fosse julgado pelo próprio STF pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, mesmo respondendo por crime anterior à sua eleição.
"Esse crime, segundo a denúncia, ainda se encontrava em vigência após a diplomação de Alexandre Ramagem como deputado federal", acrescentou. Ele também questionou a PGR por inserir nas alegações finais fatos citados no inquérito da Abin paralela, que tramitam em processo separado e não foram submetidos a contraditório.
O advogado negou que seu cliente tivesse utilizado o sistema first mile, do qual é acusado de ter contratado para espionar rivais do governo Bolsonaro. Ele alega que a PGR não contou com tempo útil para analisar o volume de informações no inquérito da Abin paralela, o que teria resultado em erros de interpretação dos dados: entre eles, o suposto log de acesso de Ramagem, que na realidade, segundo ele, seria um registro de entrada nas instalações físicas da agência.
Garcia Cintra também comentou sobre os arquivos encontrados em seus aparelhos eletrônicos, apontados pela PF como prova de seu planejamento e participação nos ataques ao sistema eleitoral.
"Esses documentos basicamente eram anotações. Desde o interrogatório ao qual Alexandre Ramagem foi submetido perante autoridade policial, Alexandre Ramagem sempre falou: 'eu faço anotações de tudo, (...) meu computador é um mar de anotações'. Não há elementos nos autos que demonstrem que esses documentos tenham sido transmitidos ou entregues ao presidente da República", pontuou.
O defensor revelou que Ramagem de fato planejava criar um grupo de trabalho para atuar nos testes das urnas eletrônicas, mas que a ideia foi descartada por orientação dos próprios servidores, que afirmaram não haver viabilidade técnica para isso.
Ele também relembrou que, desde março de 2022, Ramagem saiu do Governo Federal para disputar nas eleições, não se qualificando mais ao papel de "membro do alto escalão" do Executivo, citado pela PGR ao imputar os crimes envolvendo o Núcleo 1 da trama golpista.
Defesa de Garnier
Demóstenes Torres, advogado do Almirante Almir Garnier, antecedeu sua tese relatando que seu cliente o procurou sem dinheiro para pagar um advogado, diante de seus gastos com saúde familiar. Acrescentou ser "talvez a única pessoa no Brasil que goste do ministro Alexandre de Moraes e goste do ex-presidente Jair Bolsonaro".
O advogado e ex-senador afirmou que seu cliente estaria respondendo contra imputações não citadas na denúncia original: o desfile de fuzileiros navais na Praça dos Três Poderes em 2021, durante a votação da PEC do voto impresso, e declarações proferidas em sua passagem de comando. Apesar disso, destacou que Gonet descartou esses pontos em sua última manifestação.
Ele também questionou a validade da delação premiada de Mauro Cid, pedindo que seja rescindida com base no próprio pedido da PGR para que sejam revistos os termos diante de indícios de deslealdade do delator.
O jurista alegou não haver nexo causal individualizado entre seu cliente e os atos imputados aos demais membros do Núcleo 1. Ele citou o próprio depoimento de Mauro Cid ao STF, que, quando questionado por Moraes, disse que os ataques de 8 de janeiro de 2023 eram inesperados entre os próprios militares.
"Nenhum dos réus tinha conhecimento do dia 8 de janeiro. Então não pode haver conexão entre o que aconteceu antes e o que aconteceu depois", afirmou.
Torres negou que o comandante da Marinha estivesse na reunião ministerial em que Bolsonaro teria atacado o STF. "O senhor procurador-geral da República diz que no dia 5 de julho de 2022, o almirante Garnier estava na reunião famosa. Mas ele não estava. Quem estava lá representando a marinha era o contra-almirante Marcelo Francisco Santos. Se o PGR pudesse retificar essa informação, seria muito útil para a defesa e para todos os senhores ministros que vão julgar o caso".
Ele afirma que, apesar de discordar de teses a favor do sistema de votação em papel ou impresso, a defesa dessa modalidade não pode ser interpretada como um ataque criminoso. "A crítica ao sistema eleitoral pode causar o 8 de janeiro? A liberdade de expressão pode ser criminalizada? As coisas mais desagradáveis podem ser ditas em nome da liberdade de expressão. As pessoas mais detestáveis podem dizer o que elas pensam".
O advogado acrescentou não haver certeza sobre o momento em que o Almirante teria deixado a força "à disposição" do intento golpista, e que suas demais condutas demonstram sua vontade de reduzir a tensão do período pós-eleitoral.
Defesa de Anderson Torres
O advogado de Anderson Torres, Eumar Novacki, acusou a PGR de perseguir politicamente seu cliente, "faltando com a verdade" no conteúdo da denúncia. O parquet teria, segundo ele, induzido o Judiciário ao erro ao dar a entender que sua viagem aos Estados Unidos, na época dos ataques de 8 de janeiro, seria com o intuito de fugir do alcance da Justiça em caso de fracasso no eventual golpe.
Ele ressaltou que a viagem de férias estava programada desde novembro de 2022, e afirmou não haver provas de envolvimento de seu cliente na suposta trama golpista. Também disse que a minuta de golpe de Estado, encontrada pela primeira vez em sua casa, já circulava na internet antes dos ataques, não servindo como nexo entre Anderson e demais membros do Núcleo 1.
"Aquela proposta que tinha na casa do Ministro da Justiça, isso tinha na casa de todo mundo. Muita gente chegou para mim agora e falou 'você sabe que eu tinha um papel parecido com aquele na minha casa? Imagina se pegam'. (...) É uma minuta que nunca circulou, e que nunca foi discutida", declarou.
Sobre a acusação de omissão dolosa nos ataquesde 8 de janeiro, Novacki revelou que a vontade do então secretário de Segurança do DF era oposta, já havendo atividade voltada para desmobilizar os movimentos pró-intervenção militar.
"Anderson Torres assume no dis 2. Ele não desmonta a Secretaria, ele leva para lá apenas dois assessores. No dia 5 de janeiro, tem algo que chamou muito a atenção: Anderson Torres convida o general Dutra, que era o comandante do Palácio [do Planalto] e convoca a secretária [Ana Paula] Marra, que era a secretária de ação social, para desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis", relatou.
Ele também expôs que seu cliente havia assinado, antes da viagem, um protocolo de segurança vedando a permissão para a entrada de manifestantes na Praça dos Três Poderes, ordem que foi descumprida por seu substituto, a quem também determinou que não deixasse os vândalos chegarem às instalações do STF.
Veja como foi a primeira sessão do julgamento:
Quem são os réus
Todos respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e ameaça, e deterioração de patrimônio tombado.
No caso de Alexandre Ramagem, a Constituição prevê a suspensão de parte das acusações por ele exercer mandato parlamentar. Assim, ele responde apenas por três crimes: golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, é o único réu do núcleo central da trama golpista presente no Supremo neste primeiro dia de julgamento.
Primeira sessão
O primeiro dia será dedicado às manifestações da acusação e das defesas. A sessão será aberta pelo presidente da 1ª Turma, ministro Cristiano Zanin. Em seguida, o relator Alexandre de Moraes apresentará o relatório do caso, que resume o percurso do processo desde a fase de investigação até as alegações finais.
Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fará a acusação em até duas horas. Depois, cada defesa terá até uma hora para suas sustentações orais. O julgamento será suspenso para o intervalo do almoço e retomado à tarde.
Além de Moraes e Zanin, compõem a 1ª Turma os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Próximas etapas
As votações devem ocorrer nas sessões seguintes. O primeiro a votar será Alexandre de Moraes, que analisará inicialmente questões preliminares levantadas pelas defesas, como pedidos de nulidade da delação premiada de Mauro Cid, alegações de cerceamento de defesa e solicitações para retirada do caso do STF. Após isso, Moraes se manifestará sobre o mérito, indicando se condena ou absolve os réus e qual seria a pena.
A condenação ou absolvição será definida por maioria simples, ou seja, pelo voto de ao menos três dos cinco ministros da Turma.
Acusações da PGR
A denúncia apresentada pela PGR aponta que os acusados teriam participado da elaboração do plano chamado "Punhal Verde e Amarelo", que incluía o sequestro ou assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin.
O processo também menciona a produção da chamada "minuta do golpe", documento que teria sido de conhecimento de Bolsonaro e que previa a decretação de medidas de estado de defesa e de sítio para impedir a posse de Lula.
Além disso, os réus são acusados de ligação com os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas em Brasília.
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