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MEMÓRIA
Congresso em Foco
10/10/2025 17:24
Luís Roberto Barroso anunciou sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal (STF) após 12 anos de atuação intensa em julgamentos centrais da vida pública brasileira. A decisão, comunicada ao final da sessão plenária de quinta-feira (9), encerrou um ciclo de protagonismo que moldou a jurisprudência e a dinâmica entre os Poderes.
Durante mais de uma década, Barroso foi voz frequente em julgamentos que tocaram diretamente os limites do Estado e os direitos fundamentais, promovendo a aplicação firme dos princípios da Constituição. Sua presença no tribunal foi marcada pela disposição em enfrentar impasses e pela serenidade com que lidou com pressões externas e internas.
O ministro se despede da magistratura com um legado de defesa intransigente dos direitos humanos, da integridade institucional da Suprema Corte e da ordem democrática em meio a um dos períodos mais desafiadores na história republicana.
Indicação em meio ao desafio
Em maio de 2013, a então presidente Dilma Rousseff indicou Barroso para ocupar a vaga deixada por Ayres Britto. Advogado constitucionalista com ampla participação acadêmica nos Estados Unidos e trajetória em defesa da promoção dos direitos humanos fundamentais, Barroso alcançou ampla maioria em sua sabatina no Senado, tendo sido aprovado por 26 votos a 1 na Comissão de Constituição e Justiça.
A posse se deu em um momento desafiador ao cenário político nacional: coincidiu com as jornadas de junho, momento em que multidões foram às ruas para reivindicar serviços públicos de qualidade e transparência política. Barroso assumia a cadeira do Supremo no instante em que o Brasil cobrava respostas institucionais amplas.
Sua chegada simbolizou um tribunal que seria chamado a se pronunciar sobre questões estruturais e de alta sensibilidade política.
Impeachment de Dilma Rousseff
Dois anos após sua posse como ministro, o STF precisou se debruçar sobre o rito do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Na discussão sobre como deveria ser feita a escolha dos membros da comissão especial na Câmara dos Deputados, Barroso saiu vencedor na tese de que a eleição da chapa deveria acontecer por votação aberta, e não por voto secreto.
A posição adotada reforçou o entendimento de que o exercício da função parlamentar deve estar sujeito ao escrutínio público, especialmente em momentos de grande impacto político. A decisão contribuiu para elevar o padrão de transparência nas deliberações do Congresso e simbolizou o compromisso do Supremo com a responsabilidade política.
Independência dos órgãos de investigação
No auge da Operação Lava-Jato, Barroso foi um dos ministros que mais defenderam a independência dos órgãos de investigação. S. Exa. sustentou que a Polícia Federal tinha legitimidade para firmar acordos de colaboração, desde que sob controle do Ministério Público e supervisão judicial. A posição reforçou a autonomia da investigação criminal e garantiu celeridade às apurações.
A tese de Barroso ajudou a consolidar a delação premiada como instrumento legítimo de combate à corrupção, mesmo diante de resistências políticas. Seu entendimento consolidou práticas que permitiram desmantelar redes de influência e corrupção que alcançavam altos escalões do poder público.
Essa atuação o colocou entre os magistrados que mais contribuíram para modernizar os mecanismos de investigação no país, equilibrando eficiência e respeito às garantias individuais. O posicionamento também reforçou sua defesa de uma Justiça penal transparente e responsável.
Limites do foro privilegiado
Em 2017, Barroso assumiu a relatoria da Questão de Ordem à ADPF 937, na qual se debateu os limites do foro por prerrogativa de função. O julgamento ganhou destaque por discutir se deputados e senadores deveriam continuar sendo processados exclusivamente pelo Supremo, mesmo em casos sem relação com o mandato. Barroso defendeu que o foro se restringisse apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e diretamente ligados às funções parlamentares.
O voto de Barroso foi proferido em maio de 2018 e formou a maioria do tribunal. A decisão alterou décadas de jurisprudência e determinou que, fora dessas hipóteses, os processos contra autoridades deveriam ser remetidos à primeira instância. A mudança reduziu drasticamente o alcance do foro especial e simbolizou um esforço do Supremo para combater a sensação de impunidade no meio político.
Discussão da candidatura de Lula
Durante sua passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Barroso participou do julgamento da candidatura de Lula à Presidência da República em 2018 após sua condenação na Lava-Jato. Nos debates, ressaltou a importância de respeitar a legislação eleitoral e o devido processo legal, proferindo voto a favor da aplicação da Lei da Ficha Limpa.
Em 2021, Barroso foi um dos ministros que reconheceram que o conteúdo das conversas vazadas entre o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallgnol configuravam vício processual, e votou pela anulação da condenação de Lula, permitindo seu retorno às disputas eleitorais.
Barroso contribuiu para o debate reafirmando que a estabilidade democrática depende de processos justos e previsíveis. Com esse julgamento, o Supremo consolidou a ideia de que nenhuma decisão judicial pode restringir a cidadania sem observância plena das garantias constitucionais.
CPI da Covid-19
Em 2021, os senadores Jorge Kajuru e Alessandro Vieira apresentaram um mandado de segurança ao STF exigindo a instalação da CPI da Covid-19, que já contava com as assinaturas necessárias para sua criação, mas enfrentava travas na Mesa Diretora do Senado. Barroso assumiu a relatoria do caso.
O ministro destacou que a Constituição não concede ao Legislativo liberdade para recusar um pedido que preencha os requisitos formais: número mínimo de assinaturas, fato determinado e prazo definido. Ao reconhecer que todos esses critérios estavam atendidos, Barroso afirmou que a omissão do Senado configurava descumprimento de dever constitucional.
Sua decisão foi confirmada pelo plenário de forma unânime. O episódio reafirmou a importância do controle legislativo e a vigilância sobre a condução de políticas públicas em momento de grave crise sanitária.
Presidência do TSE
Durante o período em que presidiu o TSE, entre 2020 e 2022, Barroso enfrentou uma sequência inédita de ataques públicos ao sistema eletrônico de votação, promovidos pelo então presidente Jair Bolsonaro. Barroso reagiu com firmeza, afirmando que as urnas brasileiras eram auditáveis e seguras, e que as críticas sem fundamento representavam um risco à confiança na democracia.
As ofensivas culminaram na apresentação de uma notícia crime ao STF, aprovada por unanimidade no plenário da Corte eleitoral.
Paralelamente ao embate público, Barroso priorizou políticas de modernização e transparência. Criou mecanismos de auditoria ampliada, convidou representantes da sociedade civil e das Forças Armadas para acompanhar testes de integridade e expandiu a divulgação técnica do funcionamento das urnas.
Barroso também impulsionou a digitalização completa dos processos internos da Corte, aumentando a agilidade nas decisões e a publicidade dos dados eleitorais. Sua gestão foi marcada por serenidade, abertura e compromisso com a credibilidade do voto eletrônico como pilar da democracia brasileira.
Vice-presidência do STF
Como vice-presidente do Supremo entre setembro de 2022 e setembro de 2023, Barroso foi uma das vozes mais firmes na defesa do Estado Democrático de Direito após os ataques de 8 de janeiro de 2023. Participou da articulação interna que garantiu resposta rápida e coesa do Judiciário, preservando a independência dos Poderes.
No mesmo período, esteve entre os ministros que votaram pela extinção do uso das emendas parlamentares de relator para camuflar repasses obscuros de verba pública de deputados e senadores às suas bases eleitorais, no esquema conhecido como "orçamento secreto". O julgamento reafirmou a necessidade de transparência na destinação de verbas parlamentares.
Desafios da presidência
Barroso assumiu a presidência do STF em um dos momentos mais desafiadores na história do Judiciário. Sua condução coincidiu com a apresentação da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Bolsonaro e múltiplos aliados por tentativa de golpe de Estado em 2022. O processo ficou sob responsabilidade da 1ª Turma, e o ministro acompanhou pessoalmente o julgamento do núcleo principal.
Além dos processos relacionados aos ataques golpistas, a gestão de Barroso foi marcada por temas estruturantes no campo digital. Coube ao ministro pautar discussões sobre o marco civil da Internet, num momento em que o país debatia o papel das plataformas digitais na disseminação de desinformação e discursos de ódio. Sua defesa foi por um modelo regulatório capaz de preservar a liberdade de expressão, mas também de coibir abusos e manipulações algorítmicas.
Barroso também conduziu articulações delicadas sobre o sistema de emendas parlamentares, mediando a relação entre o Congresso Nacional e o relator dos processos relacionados ao Orçamento Secreto, Flávio Dino, na busca por soluções administrativas que contemplem o pleno funcionamento da execução orçamentária e a garantia da transparência econômica.
Durante o período, Barroso também enfrentou um episódio diplomático sem precedentes, quando o governo dos Estados Unidos impôs restrições de visto a integrantes da Corte como punição ao andamento da ação penal contra Bolsonaro. O presidente do STF reagiu de forma discreta, mas firme, defendendo a independência da magistratura brasileira e reiterando o princípio de soberania nacional.
A administração de Barroso à frente do Supremo priorizou a comunicação pública e a aproximação com a sociedade. S. Exa. buscou ampliar a transparência dos julgamentos, modernizar os canais de divulgação e incentivar uma linguagem mais acessível nas decisões da Corte. Promoveu eventos com universidades, entidades civis e setores produtivos, com o objetivo de aproximar o tribunal das discussões contemporâneas e reduzir a distância entre o Judiciário e o cidadão.
O período também foi marcado por esforços de modernização administrativa. Barroso expandiu o uso de inteligência artificial nos processos de triagem, reforçou políticas de governança interna e promoveu a digitalização integral do acervo do tribunal. Internamente, investiu em práticas de gestão participativa e criou espaços de diálogo entre ministros e servidores para aprimorar rotinas de julgamento.
A última relatoria
O último julgamento relatado por Luís Roberto Barroso no Supremo foi a ADO 73, que discutiu a ausência de regulamentação legislativa para proteger trabalhadores diante dos efeitos da automação. A ação foi proposta pelo Procurador-Geral da República com base no artigo 7º da Constituição, que assegura o direito à proteção contra a dispensa arbitrária decorrente do avanço tecnológico. Coube a Barroso conduzir o debate sobre como o país deve equilibrar inovação econômica e responsabilidade social.
Em seu voto, Barroso reconheceu a omissão do Congresso Nacional em editar lei específica sobre o tema e afirmou que a Constituição não pode permanecer inerte diante das transformações do trabalho digital. Destacou que a automação exige políticas públicas capazes de amparar os trabalhadores em transição tecnológica, evitando que o progresso venha acompanhado de exclusão. O ministro ressaltou que o Judiciário não substitui o Legislativo, mas tem o dever de impulsionar a efetivação de direitos quando a inércia legislativa compromete garantias fundamentais.
A decisão encerrou sua passagem pelo Supremo com um símbolo de coerência: Barroso despediu-se reafirmando o papel da Corte como força moderadora e promotora de direitos sociais. O julgamento da ADO 73 sintetizou seu percurso no tribunal, marcado pela defesa da dignidade humana, pela confiança na capacidade do direito de responder a novas realidades e pela convicção de que a justiça deve acompanhar o tempo sem perder seus fundamentos.
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