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Ricardo de João Braga
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14/5/2021 | Atualizado 27/7/2021 às 14:10
Getúlio vargas inaugura forno da CSN em Volta Redonda em 1954 [fotografo] Acervo/Agência Nacional [/fotografo][/caption]Em 1930 o Brasil pôs em marcha o chamado modelo de substituição de importações. Uma reação política e econômica inicialmente empírica que ganhou desenvolvimentos teóricos posteriores, que objetivou e realizou a mudança do eixo econômico brasileiro para o mercado interno por meio da industrialização. Passamos de produtores/exportadores de café, açúcar e poucos produtos agrícolas e minerais, e importadores de tudo o mais, para produtores de uma enorme gama de produtos consumidos no mercado interno.
Esse processo transformou o Estado em proprietário de muitas empresas e produtor de mercadorias, financiador do mercado privado e agente de proteção contra importações - via tarifas e política cambial. Pulando por cima de infinitos pontos importantes, pode-se dizer que o modelo funcionou satisfatoriamente até os anos 1970.
Desde então, devido às necessidades de desenvolvimento tecnológico, problemas fiscais, entulho regulatório e inflação, o modelo deixou de produzir resultados como crescimento estável, preços sob controle e competitividade.
Collor e FHC avançaram na desmontagem do modelo, seguindo em parte o que ficou conhecido como "Consenso de Washington", um conjunto de medidas de retração do Estado e garantia de estabilidade fiscal, cambial etc. Em outras palavras, idealizaram um Estado que sobretudo garantisse o funcionamento do mercado (obviamente sem contar com as crises que a própria desregulação trouxe, como a de 2008).
Lula e Dilma, ao financiarem os campeões nacionais, criarem mais estatais e não avançarem na desregulação, trouxeram novamente energia ao modelo de substituição de importações, que desaguou na crise de 2015 em diante.
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Consenso de Washington volta a ganhar força no Planalto após impeachment de Dilma [fotografo] Ricardo Stuckert [/fotografo][/caption]Michel Temer realizou um primeiro movimento de retomada do ideário liberal do Consenso de Washington. Bolsonaro, com Paulo Guedes a seu lado, vendeu a promessa de continuar nessa senda.
O problema que vivemos hoje mostra-se assim complexo. Num momento em que o mundo pandêmico repensa o papel do Estado, ainda pagamos o preço de um estatismo que nos deixou inchados com subsídios governamentais e flácidos com empresas que não responderam em termos de resultados. Igualmente ruim, não fizemos o "enxugamento dos sonhos" liberal cortando despesas ineficientes na máquina. Bolsonaro boia entre dois mundos antagônicos que exigem definição. Pior que um modelo ruim, contudo, é sua inação e o sem rumo de seus comandados.
Ulysses Guimarães presidiu a Constituinte de 87-88 [fotografo] Acervo/Agência Brasil [/fotografo][/caption]A saída da ditadura assistiu ao avanço de grupos e ideias que tencionavam resgatar o atraso social brasileiro. O Brasil que se urbanizou fortemente entre os anos 1940-1980, mas ainda constrangedoramente analfabeto, pés no esgoto, pobre e sem cidadania, redigiu em 1988 os mandamentos da modernidade social. Direitos à saúde, educação, moradia, esportes, cultura, transporte, meio ambiente equilibrado e sobretudo igualdade postaram-se como norte da ação pública. Se não um norte pragmático, ao menos uma referência de luta e sonho.
O Estado brasileiro, secularmente presa do patrimonialismo e do clientelismo, viu-se desafiado a suprir serviços para um contingente enorme de pessoas. O que se tem assistido desde então é uma mescla altamente heterogênea de movimentos e situações. Alguns novos serviços inovadores, criação de movimentos sociais variados, manutenção de injustiças antigas, ineficiência em vários setores, transparência aqui, obscuridade acolá etc.
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Saneamento básico é um dos direitos previstos na Constituição e ainda não providos pelo Estado [fotografo] Arquivo/Agência Brasil [/fotografo][/caption]Diversas forças atuam sobre o Estado, muitas vezes em antagonismo, o que faz com que ele patine no atendimento das aspirações constitucionais enquanto vê seu quadro fiscal deteriorar-se. Numa síntese extrema, nosso Estado, que sempre serviu mais às elites do que ao povo, inchou-se de forma ineficiente para conseguir tanto manter antigos vícios (como os subsídios já ditos e os salários e direitos desproporcionais da elite do funcionalismo - além da corrupção que grassa entre setor privado, político e Estado) quanto exercitar novas virtudes, como o SUS, programas inovadores em educação e distribuição de renda aos mais pobres.
Nosso dilema neste campo é que um Estado que não abandona seus vícios nunca alcança velocidade e qualidade de prestação de serviços adequadas, e em tempos de vacas magras a desigualdade brasileira trava o atendimento ao que é mais prioritário, qual seja, a prestação de serviços aos mais vulneráveis.
Para o momento atual o que se vê, embora muito tímido, é um governo que pensa em reformar sistemas sociais como disse o presidente, "tirando do pobre para dar ao miserável" - já que os antigos vícios seguem intocados -, ou a construção de espantalhos e inimigos de ocasião. O que nos falta, neste caso, é uma abrangente visão de reforma do Estado que honre a CF 88, e não uma que a condene.
Brasil atualmente tem 33 partidos políticos [fotografo] Fernando Frazão/Agência Brasil [/fotografo][/caption]O Brasil viu surgir seu sistema partidário nacional em 1946, o qual sucumbiu em 1966. Nasceu outro em 1979-80, e, de lá para cá, principalmente na última década, explodiu numa miríade de grupos que, na expressão do prof. Marcos Nobre, consiste numa grande pemedebização, isto é, um amontado de siglas sem expressividade ou significado maior.
Esse grupo sem enraizamento institucional e social para além de práticas clientelísticas ou sectarismos religiosos atua como um grande mantenedor do status quo. A notícia do gasto não transparente de bilhões em equipamentos agrícolas superfaturados dá mostra exemplar do que significam a manutenção de um modus operandi e de uma natureza atrasada de política.
Tal grupo foi de certa forma conduzido no período de FHC e Lula-Dilma. A partir do impeachment, contudo, passou a dar as cartas e isso tornou o sistema político ainda menos incisivo e atuante em relação a reformas e mudanças estruturais.
Bolsonaro, com sua aproximação subserviente ao Centrão, seu desinteresse e sua incapacidade em conduzir negociações política complexas, estiola todas as possibilidades de mudança positiva. As variáveis de ajuste, como já se está vendo em abundância, são o orçamento federal pilhado e tentativas de desmonte de institucionalidades importantes como as regras eleitorais de fim de coligação e cláusula de barreira, as quais poderiam trazer um pouco de melhora ao sistema.
Bolsonaro galvaniza insatisfações e cria um falso antagonismo [fotografo] Alan Santos/PR [/fotografo][/caption]O Brasil é uma sociedade ocidental que se moderniza em vários aspectos. O signo dos tempos consiste em pluralidade de identidades, abundância de causas políticas, de formas de expressão e de comportamento. Isso não é privilégio nosso, ocorre em várias sociedades mundo afora, mais ou menos desenvolvidas que a nossa.
Diante de uma sociedade historicamente pobre, e que assistiu com a crise gestada entre 2009 e 2015 a um refluxo de sua "classe média emergente", o ressentimento aflora e precisa ser canalizado. Soma-se a isso a criminalidade crescente e a praga das drogas e do tráfico.
Tem-se assim então um falso antagonismo. Políticos demagogos, estímulo a valores tradicionais, falta de educação de qualidade e o ressentimento de parte da sociedade unem-se para apontar as mudanças sociais como causas para uma possível "deterioração moral" e prática das comunidades e das pessoas. Escapam às partes que pobreza e falta de emprego se resolvem com educação e crescimento econômico de qualidade, criminalidade, com políticas públicas - e não sentenças de morte imediatas - e que as mudanças vieram para ficar. Não se pode destruí-las sem destruir junto as pessoas que as portam.
A guerra cultural movida por Bolsonaro contra a modernidade, no seu sonho de regredir o Brasil 50 anos na história, apenas faz o país patinar sem solução num dilema que precisa - além de mais emprego e educação - de diálogo e compreensão.
Salvadores da pátria miram em causas simples, não devemos esquecer. A compreensão do dilema brasileiro, posto na atualidade mas com os pés metidos na história, deve nos servir como fundamento de uma esperança realista.
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